REUTILIZAÇÃO DE MICROCHIPS PARA FABRICAÇÃO DE SENSORES ELETROQUÍMICOS MINIATURIZADOS: APLICAÇÃO NA DETECÇÃO DE CHUMBO EM AMOSTRAS DE URINA
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Química Analítica
Autores
Cosme, F.H.S. (UFRN) ; Silva, L.M.G. (UFRN) ; Queiroz, J.L.A. (UFRN) ; Melo, J.F. (UFRN) ; Castro, P.S. (UFRN)
Resumo
Neste trabalho foi confeccionada uma microcélula para análise de pequenos volumes de amostras reutilizando microchips de computadores obsoletos. Como eletrodo indicador, foi empregado um arranjo de microeletrodos de ouro que foi caracterizado utilizando microscopia óptica e voltametria cíclica. A voltametria de onda quadrada foi otimizada para determinação de chumbo em amostras de urina em tampão ácido acético/acetato pH 4,5 com modificação ex situ da superfície do ouro com filme de bismuto. Com os dados da curva analítica obtemos uma faixa linear de trabalho de 0,4 a 1,2 µmol/L com limite de detecção 6,63 nmol/L (0,24 µg/dL). A quantificação de chumbo na amostra foi feita utilizando adição de padrão obtendo-se uma concentração de 0,45 µmol/L (9,236 µg/dL).
Palavras chaves
Eletrodos Miniaturizados; Microchip; Metais Pesados
Introdução
Uma tendência da ciência contemporânea é a miniaturização dos sistemas analíticos visando um menor consumo de reagentes, de amostras, com possibilidade de monitoramento em tempo real e de forma confiável (CASTRO; BERTOTTI, 2011). Recentemente, o emprego de microeletrodos como sensores eletroquímicos tem despertado o interesse da comunidade acadêmica em virtude de suas inúmeras vantagens frente a outros métodos analíticos (STULÍK, 2000). Por definição, microeletrodos são sensores químicos com áreas ativas em dimensões micrométricas, fabricados isoladamente ou em arranjos, possuindo as mais variadas composições (material do eletrodo) e geometrias. Utilizando tais sensores com áreas ativas reduzidas, se comparado com eletrodos de tamanho convencional, muitas propriedades indesejáveis decorrentes das técnicas eletroquímicas e eletroanalíticas podem ser reduzidas ou até mesmo eliminadas. Desta forma, pode-se citar como vantagens: Razão corrente faradaica/corrente capacitiva (IF/Ic) elevada, uma vez que a corrente capacitiva decai proporcionalmente com a área do eletrodo, enquanto que a corrente faradaica é proporcional aos parâmetros dimensionais do dispositivo; Queda ôhmica (IR) desprezível por consequência dos baixos valores de correntes monitorados, possibilitando estudos eletroquímicos de sistemas redox em solventes com elevada resistência ou na ausência de eletrólito suporte; O potencial aplicado pode ser variado rapidamente, porque a corrente capacitiva é minimizada; A razão sinal/ruído em condições de estado estacionário é melhorada quando comparada com eletrodos de tamanho convencional, o que permite a diminuição do limite de detecção; Transporte de massa efetivo devido à difusão radial, o que permite que a corrente de estado estacionário para processos faradaicos seja obtida em um curto intervalo de tempo, havendo também pouca interferência de efeitos hidrodinâmicos sobre o sinal de corrente; O pequeno tamanho dos eletrodos pode propiciar a sua utilização para a exploração de domínios microscópicos (pequenos volumes de amostra) (DAMIATI et al., 2019). Apesar das vantagens da utilização de microeletrodos para a química analítica, existem fatores que dificultam seu uso, como o alto custo na aquisição destes sensores. Desta forma, a fabricação de sensores eletroquímicos miniaturizados (SEM), reutilizando microchips de computadores obsoletos, surge como alternativa bastante atraente para desenvolvimento de instrumentação analítica portátil, de baixo custo e com elevada sensibilidade em suas determinações (LOWINSOHN; BERTOTTI 2006). Além disso, a reciclagem desses componentes eletrônicos também agrega contribuições ambientais, levando em consideração o cenário brasileiro de deficiência nas políticas públicas para reciclagem de componentes eletrônicos, o que leva o nosso país a ser o maior gerador de lixo eletrônico dentre os países emergentes (CELINSKI, 2011). Nesse contexto o trabalho tem como objetivo fabricar uma microcélula de análise com volume máximo de 1 mL de solução a partir da reciclagem de microchips de computadores obsoletos disponibilizado pelo Departamento de Materiais e Patrimônio da UFRN. Para isso, primeiramente foi feito a caracterização do arranjo de microeletrodos de ouro por microscopia óptica seguida da voltametria cíclica em sistema redox conhecido. Em seguida, os parâmetros da voltametria de onda quadrada com redissolução anódica foram otimizados visando a determinação de chumbo em amostras de urina em tampão ácido acético/acetato pH 4,5 com modificação ex situ da superfície do ouro com filme de bismuto. Como aplicação para este microdispositivo eletroquímico de análise visamos o monitoramento da concentração deste metal pesado na urina, que pode ser considerada uma matrix apropriada para a quantificação deste metal considerado de alta toxicidade e periculosidade para a saúde humana (SCHIFER; JUNIOR; MONTANO, 2005).
Material e métodos
Reagentes utilizados Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico e utilizados como recebidos sendo dissolvidos ou diluídos em água purificada através de sistema de osmose reversa (Permution – E. J. Krieger & Cia LTDA, 18 MΩ cm-1). Os reagentes utilizados foram nitrato de chumbo, ácido acético 99,7%, nitrato de bismuto (Vetec, Brasil); ácido clorídrico 38%, ácido cítrico anidro (Synth, Brasil); ácido nítrico 70% (Sciavicco, Brasil); acetato de sódio (Biotec, Brasil); cloreto de potássio (Qeel, Brasil). Equipamentos utilizados Para caracterização óptica, foi utilizado o microscópio Olympus BX51M. Para limpeza do fio de prata, foi utilizado o ultrassom Unique UltraCleaner 1450. As medidas eletroquímicas foram realizadas em um potenciostato Metrohm Autolab PGSTAT302N. Fabricação do mini pseudo-eletrodo de referência O eletrodo de referência também foi miniaturizado objetivando a utilização de um sistema eletroquímico de apenas dois eletrodos, sendo o eletrodo indicador, o arranjo de microeletrodos de ouro proveniente do microchip e o eletrodo de referência o mini pseudo-eletrodo, fabricado utilizando um fio de prata de espessura 1 mm que foi polido e lavado em banho ultrassônico. Este pequeno fio, atuando como eletrodo de trabalho, foi submerso em solução de HCl 0,1M utilizando um sistema convencional de três eletrodos sendo o eletrodo de referência Ag/AgCl/KCl(3M) e o contra eletrodo um fio de platina. Um potencial de 1,0 V foi aplicado por 300s sendo observado a eletrodeposição de AgCl na superfície do fio de prata formando desta forma o mini pseudo-eletrodo de referência Ag/AgCl. Um pequeno orifício na parte superior da minicélula eletroquímica foi feito com agulha quente e o fio foi inserido de modo a permanecer em contato com a solução em análise (Figura 1D). É importante salientar que é possível utilizar um sistema de dois eletrodos quando se utiliza como eletrodo de trabalho um microeletrodo, devido as pequenas intensidades de corrente monitoradas o que possibilita a eliminação do contra eletrodo simplificando a instrumentação. Fabricação do microdispositivo de análise Os microchips foram recebidos do Departamento de Materiais e Patrimônio da UFRN (Figura 1A). O contato elétrico da base para microchip (adquirido no comércio local) foi estabelecido utilizando um fio de Ni/Cr transpassado por cada um dos 32 pinos de contato (Figura 1B), sendo posteriormente revestido com resina epóxi, isolando a parte condutora (Figura 1C). Os microchips foram polidos com lixa d’água #400, para exposição do arranjo de ouro, seguida da lixa d’água #1200, para acabamento e polimento final da superfície eletroativa (Figura 2A) (AUGELLI et al., 1997). Sobre o microchip, com o arranjo de microeletrodos de ouro já exposto, foi fixada a minicélula para análise e inserido um mini pseudo-eletrodo de referência (Figura 1D) concluindo assim a confecção do microdispositivo de análise com capacidade máxima de volume de amostra de 1 mL.
Resultado e discussão
Verificação do funcionamento do arranjo de microeletrodos de ouro
Para verificação do funcionamento do microdispositivo de análise, foi
empregada a voltametria cíclica em solução contendo espécie eletroativa com
comportamento reversível. Desta forma, foi utilizada solução de K3[Fe(CN)6] 10
mmol/L + KCl 100 mmol/L empregando eletrodo de referência comercial e o mini
pseudo-eletrodo de referência para averiguação do deslocamento de potencial.
Otimização do método analítico:
O arranjo de microeletrodos de ouro passou por um pré-tratamento de sua
superfície com deposição ex situ de um filme de bismuto visando o melhoramento
e a estabilidade do sinal analítico. Em seguida, os parâmetros da voltametria
de onda quadrada por redissolução anódica foram otimizados utilizando tampão
ácido acético/acetato pH 4,5. Os melhores resultados estão apresentados na
Tabela 1. Desta forma, a metodologia desenvolvida foi aplicada para confecção
da curva analítica e obtenção da faixa linear de trabalho e limite de
detecção. Por fim, o método foi aplicado na quantificação de chumbo em uma
amostra real utilizando o método de adição de padrão.
Caracterização do arranjo de microeletrodos de ouro:
Após o polimento do microchip para exposição do arranjo de ouro, a
superfície foi inspecionada utilizando microscópio óptico (Figura 2A). Como
pode ser observado, há uma distribuição de micropontos de ouro evidenciando a
formação de um arranjo deste micropontos conectados aos pinos que serão
colocados em contato com a base do microchip formando desta forma o arranjo de
microeletrodos. A segunda etapa da caracterização foi feita utilizando
voltametria cíclica (Figura 2B), sendo observado um perfil sigmoidal com uma
corrente de estado estacionário na ordem de 350 nA típica para microeletrodos
na forma de arranjo. Pode-se ainda observar na Figura 2B, que os voltamogramas
cíclicos obtidos com eletrodos de referência comercial e com o mini pseudo-
eletrodo de referência são idênticos ocorrendo apenas um pequeno deslocamento
de potencial da ordem 100 mV, que está de acordo com a literatura (LIMA, 2018)
Aplicação do método analítico:
Para aumentar a sensibilidade na análise do Pb pelo sensor confeccionado foi
empregada uma solução bismuto 1 mmol/L e ácido cítrico 4 mmol/L em ácido
nítrico 18% aplicando um potencial de -0,21 V por 300 s depositado ex situ um
filme de bismuto sobre a superfície do ouro, formando uma estrutura análoga
aos amálgamas quando ligado a metais pesados, de forma similar ao mercúrio,
sendo assim, uma maneira ambientalmente compatível para análise de metais
pesados (JIA, 2008)
Os parâmetros da voltametria de onda quadrada por redissolucão anódica
foram otimizados para detecção do Pb em meio de ácido acético/acetato pH 4,5 e
uma curva de calibração (Figura 2C) foi obtida utilizando o tampão como branco
seguida das leituras das soluções de chumbo nas concentração 0,4 µmol/L, 0,6
µmol/L, 1,0 µmol/L, 1.2 µmol/L. Uma equação da reta i (µA) = 15,4 [Pb2+]
µmol/L - 1,9 (r = 0,9984) foi obtida, sendo possível estimar o limite de
detecção (LD) a partir da medida de 10 leituras consecutivas do branco e
utilizando o coeficiente angular (m) da curva de calibração (LD =
(3*desv.pad)/m). Desta forma, o método analítico desenvolvido mostrou-se
sensível ao metal, com limite de detecção na ordem de 6,63 nmol/L (0,24 µgdL-
1) característico de sensores miniaturizados, que apresentam boa sensibilidade
(STULÍK, 2000).
A partir de uma amostra de urina, adicionou-se 500 µL na minicélula sendo
possível detectar Pb presente neste fluído biológico, como apresentado na
Figura 4D. Foi observado no voltamograma um deslocamento do potencial
referente ao Pb, ocasionado pela mudança da matriz de análise. O teor de Pb na
amostra de urina foi determinado pelo método de adição de padrão, sendo de
0,45µmol/L (9,236 µgdL-1), estando o indivíduo com uma concentração superior
aos parâmetros adequados (MOREIRA; NEVES, 2008).
FIGURA 2: Arranjo de microeletrodos de ouro expostos após polimento da
superfície do microchip (A); Voltametria cíclica em solução de ferrocianeto de
potássio 10 mmol/L em KCl 100mmol/L (υ = 30 mVs-1) mostrando o deslocamento de
potencial entre eletrodo de referência comercial e mini pseudo-eletrodo de
referência (B), Curva de calibração externa para a determinação de Pb nas
concentração branco (—) branco, (—) 0,4 µM, (—) 0,6 µM, (—) 1,0 µM, (—) 1,2
µM por voltametria de onda quadrada por redissolucão anódica (C),
Quantificação de Pb por voltametria de onda quadrada por redissolucão anódica
empregando adição de padrão: (—) 500 µL de amostra de urina e adições de Pb
nas concentrações: (—) 0,25 µM, (—) 0,50 µM, (—) 0,75 µM, (—) 1 µM .
Conclusões
O sensor eletroquímico com arranjos de microeletrodos de ouro mostrou bons resultados para detecção de chumbo, com limite de detecção a baixas concentrações (6,63 nM) utilizando amostras de pequenos volumes (500µL). Isso evidencia que a fabricação de sensores a partir da reutilização de microchips é eficaz não só do ponto de vista ambiental, como também da praticidade e do desenvolvimento de instrumentação analítica de qualidade e de baixo custo. Para verificar a exatidão dos valores encontrados pelo sensor miniaturizado, será realizado a determinação de chumbo por ICP-OES, afim de averiguar a exatidão entre as metodologias analíticas. Os autores do trabalho possuem como perspectivas de continuidade a utilização do sensor fabricado e da técnica de voltametria de onda quadrada por redissolução anódica, para comprovar a eficácia de superalimentos como a Chlorella, consumida para eliminação de metais pesados via urina, além da análise de outros metais presentes nesta matriz biológica. Além disso, o microchip utilizado possui dois arranjos de microeletrodos de ouro independentes que podem ser utilizados em conjunto, como feito nesse estudo, ou em separado, analisando diferentes analitos na mesma amostra. Os autores gostariam de agradecer a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Instituto de Química da UFRN pela infraestrutura oferecidos para realização desse trabalho.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer ao CNPQ pela bolsa concedida no projeto PIB15699-2018 e PVB15618-2018. Além disso, um agradecimento especial ao aluno do PPGQ/UFRN José Eudes Lima por toda contribuição no trabalho desenvolvido.
Referências
AUGELLI, M. A. et al. Flow-through cell based on an array of gold microelectrodes obtained from modified integrated circuit chips. Analyst, v. 122, n. 8, p. 843-847, 1997.
CASTRO, P. S.; BERTOTTI, M.. Fabricação de microeletrodos para aplicações em microscopia eletroquímica de varredura. 2011.
CELINSKI, T. M. et al. Perspectivas para reuso e reciclagem do lixo eletrônico. In: Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental. 2011.
DAMIATI, S. et al. Sensitivity Comparison of Macro- and Micro-Electrochemical Biosensors for Human Chorionic Gonadotropin (hCG) Biomarker Detection. IEEE Access, v. 7, p. 94048–94058, 2019.
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JIA, Jianbo et al. Properties of Poly (sodium 4‐styrenesulfonate)‐Ionic Liquid Composite Film and Its Application in the Determination of Trace Metals Combined with Bismuth Film Electrode. Electroanalysis: An International Journal Devoted to Fundamental and Practical Aspects of Electroanalysis, v. 20, n. 5, p. 542-549, 2008.
LIMA, Alex S. et al. In-vivo electrochemical monitoring of H2O2 production induced by root-inoculated endophytic bacteria in Agave tequilana leaves. Biosensors and Bioelectronics, v. 99, p. 108-114, 2018.
LOWINSOHN, D.; BERTOTTI, M. Sensores eletroquímicos: considerações sobre mecanismos de funcionamento e aplicações no monitoramento de espécies químicas em ambientes microscópicos. Química Nova, v. 29, n. 6, p. 1318-1325, 2006.
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PAIXÃO, T.; BERTOTTI, M. Methods for fabrication of microelectrodes towards detection in microenvironments. Quimica Nova, v. 32, n. 5, p. 1306-1314, 2009.
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STULÍK, K. et al. Microelectrodes. Definitions, characterization, and applications (Technical report). Pure and Applied Chemistry, v. 72, n. 8, p. 1483-92, 2000.