Interações entre proteína e resveratrol adsorvidos em montmorilonita

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Materiais

Autores

Trigueiro, P. (UFPI) ; Pedetti, S. (UPMC) ; Rigaud, B. (UPMC) ; Balme, S. (UNIVERSITÉ DE MONTPELLIER) ; Garcia dos Santos, I.M. (UFPB) ; Fonseca, M.G. (UFPB) ; Georgelin, T. (UPMC) ; Jaber, M. (UPMC)

Resumo

Os nanocompósitos baseados no uso de uma proteína modelo, um polifenol de interesse e montmorilonita foram estudados. A especificidade e a cinética das interações entre a proteína BSA e o resveratrol com a matriz inorgânica foram investigadas. Foram utilizados os métodos de DRX, FTIR, MET, RMN e espectroscopia de fluorescência resolvida no tempo para analisar os mecanismos possivelmente envolvidos na interação das partes orgânicas e inorgânica no nanocompósito formado, bem como os efeitos da complexação na estabilidade e conformação da BSA. Os resultados destacaram a formação de um complexo entre a proteína e o polifenol antes da adsorção na superfície do argilomineral. O composto Resveratrol-BSA leva a alterações na estrutura secundária da proteína devido a fortes interações.

Palavras chaves

Nanocompósito; Resveratrol; Fluorescência

Introdução

Os polifenóis são micronutrientes abundantes em nossa dieta, e seus efeitos na saúde dependem da quantidade consumida e de sua biodisponibilidade (Manach et al., 2004). Entre a diversidade de compostos polifenólicos, os estilbenos e seus derivados têm sido amplamente estudados, em particular o resveratrol (RESV), que possui propriedades antioxidantes, bactericidas, antiinflamatórias e vitamínicas, que estão relacionadas ao seu efeito protetor contra as doenças cardiovasculares. Mesmo que também possa ser encontrado em produtos alimentícios e bebidas, acredita-se que o vinho tinto seja a principal fonte de resveratrol na dieta humana (Trigueiro et al., 2018). O resveratrol pode ser encontrado em numerosas plantas, como heléboro branco (Veratrum grandiflorum), amoreira (Morus rubra), amendoim (Archis hypogaea) e uvas (Vitis vinifera) (Li et al., 2019). A albumina de soro bovino (BSA) com PM de 66,5 KDa é utilizada como proteína modelo para este estudo. É caracterizada pela estrutura globular e é a proteína plasmática solúvel mais abundante com uma concentração circulante típica de 0,6 mmol L-1. Além disso, é amplamente utilizada em estudos bioquímicos devido à sua ampla disponibilidade e alta semelhança estrutural com a albumina de soro humana. (Carter and Ho, 1994; Bourassa et al., 2010). A montmorilonita, argilomineral mais usado em diferentes estudos, exibe uma estrutura em camadas do tipo 2:1, idealmente formada por duas folhas de silício coordenadas tetraedricamente, ligadas através de uma folha de alumínio octaedricamente coordenado. Al3+ e Mg2+ geralmente ocupam os sítios octaédricos. Montmorilonitas naturais são muito abundantes. O problema consiste na presença de substituições isomórficas tanto nos sítios octaédricos (por exemplo, Fe divalente e trivalente substituindo Mg e Al, respectivamente) como nas folhas tetraédricas (onde alguns Al podem substituir Si). Essas substituições introduzem uma carga negativa que é compensada pelos cátions localizados na galeria entre as duas folhas. (Jaber and Miehé-Brendlé, 2008). A montmorilonita se destaca pela sua abundância, estrutura (arranjo e composição das folhas tetraédricas e octaédricas) e pelas suas propriedades. Este argilomineral, do grupo das esmectitas, possui alta carga na lamela, substituições nas folhas tetraédricas e octaédricas, granulometria fina, alta viscosidade, alta capacidade de troca catiônica e alta área superficial o que resultam nas significativas propriedades físicas e químicas que determinam as muitas aplicações industriais deste material (Murray, 2000). Além disso, estes silicatos lamelares são de especial interesse devido à sua alta área de superfície interna e suas habilidades para confinar biomoléculas dentro dos espaços interlamelares regularmente organizados (Balme et al., 2013). A adsorção de proteínas em argilominerais tem sido amplamente relatada na literatura (Servagent-Noinville et al., 2000; Hua et al., 2013; Assifaoui et al., 2014). Este fenômeno pode envolver vários tipos de interações físicas e químicas, como troca catiônica, forças eletrostáticas ou ligações de hidrogênio, na superfície da camada intermediária dos argilominerais, nas bordas ou em ambos. A carga positiva da proteína quando o pH está abaixo do ponto isoelétrico permite a adsorção na superfície negativamente carregada da montmorilonita devido a forças eletrostáticas. Vários mecanismos possíveis podem descrever a interação entre proteínas e argilominerais: intercalação, esfoliação ou ambas. A ampla penetração de cadeias de proteínas no espaço interlamelar dos argilominerais pode levar à esfoliação ou delaminação das camadas do silicato (Trigueiro et al., 2018). A espectroscopia de fluorescência resolvida no tempo é uma técnica poderosa para investigar a estrutura e a dinâmica de macromoléculas biológicas. A extinção de fluorescência é a diminuição do rendimento quântico de fluorescência de um fluoróforo induzido por uma variedade de interações moleculares com uma molécula de extinção e é utilizada para medir as afinidades de ligações (Balme et al., 2006, 2013; Bourassa et al., 2010). A fluorescência é um método interessante para caracterizar a interação entre polifenóis e proteínas. A BSA contém 2 resíduos de Triptofanos que possuem fluorescência intrínseca. O Trp 212 que está localizado dentro de um ambiente hidrofóbico da proteína e o Trp 134 que está localizado na superfície da molécula, numa região mais hidrofílica. (Carter and Ho, 1994; Bourassa et al., 2010; Trigueiro et al., 2018). A partir deste contexto, o objetivo deste estudo é investigar a modificação estrutural de uma proteína modelo (BSA) na presença do resveratrol induzida por sua adsorção em montmorilonita. Através de uma abordagem multi-técnica, avaliar a amplitude e a natureza dos mecanismos de interação entre o argilomineral, a proteína e o composto polifenólico.

Material e métodos

A solução utilizada para os experimentos de adsorção foi preparada misturando uma solução de fosfato de potássio monobásico 0,1 mol L-1, etanol e água deionizada, numa razão em volume de 50:25:25, com pH 4. Os experimentos de adsorção foram realizados adicionando uma solução de BSA (1,0 mg mL-1), dissolvida no sistema solvente descrito anteriormente, a uma suspensão aquosa de argila (1,2 mg mL-1). A mistura resultante agiu por 4 h. O sólido foi lavado, centrifugado e seco em temperatura ambiente. A quantidade de proteína restante no sobrenadante foi determinada por UV- Visível, a 281 nm. O procedimento experimental para adsorção do polifenol foi realizado como descrito para a proteína. A concentração inicial de polifenol (0,5 mg mL-1) foi determinada antes da adição de montmorilonita. A quantidade de resveratrol foi determinada por UV-Vis, a 306 nm. Uma solução de proteína (1,0 mg mL-1) foi preparada. Separadamente, uma solução de resveratrol (0,5 mg mL-1) foi preparada com o mesmo sistema solvente. A solução de polifenol foi adicionada à solução de proteína e a solução resultante reagiu por 2 h. A mistura de soluções, após a reação, foi adicionada a uma suspensão aquosa de argila (1,2 mg mL-1). A suspensão resultante foi agitada por 4 h. Os sólidos foram lavados, centrifugados e secos à temperatura ambiente. Os espectros de absorção no UV-Vis foram obtidos utilizando o Espectrofotômetro Ocean View Optics DH-2000-BAL com detector Ocean Optics USB4000. Os espectros foram adquiridos pelo Ocean View Spectroscope Software. Os difratogramas de raios-X foram registrados usando o difratômetro D8 Advance Bruker-AXS Powder X-ray com radiação CuKα. Os difratogramas de DRX foram obtidos entre 5-70° (2θ) com taxa de varredura de 0,5° min-1. Os estudos de MET das amostras foram realizados em um microscópio JEOL 2010, LaB6 de 200 kV acoplado a uma câmera Orius, da Gatan Company. As análises de IV foram realizadas no espectrômetro FTIR Agilent Cary 630 utilizando interface de amostra Diamond ATR. RMN CP/MAS: Os espectros foram obtidos com espectrômetro Bruker Avance 500 operando a ΩL=125 MHz (13C), sonda H-X MAS de 4 mm utilizando adamantano (38,52 ppm) como padrão externo. Os espectros de polarização cruzada (CP) e rotação segundo o ângulo mágico (MAS) foram adquiridos com taxa 14 kHz, tempo de contato de 1 ms e tempo de relaxação de 1 s e usando desacoplamento do núcleo do 1H. Fluorescência resolvida no tempo: Foi utilizado um laser Super K EXTREME (NKT Photonics, EXR-15) como fonte pulsada contínua combinada com Super K EXTEND-UV (NKT Photonics, DUV), Monocromador (Jobin-Yvon H10). Taxa de repetição de 19,4 MHz, pulso de excitação de 6 ps. Polarizador orientado no ângulo mágico (54,73°), duplo monocromador Jobin-Yvon DH10, detector PMT híbrido HPM-100-40 (Becker & Hickl). Taxa de contagem máxima de 17 kHz em 4096 canais, placa de aquisição SPC-730 (Becker & Hickl).

Resultado e discussão

A partir dos estudos cinéticos de equilíbrio, foi investigado o comportamento cinético de adsorção da proteína e do resveratrol sobre a montmorilonita (Qiu et al., 2009; Tafti et al., 2018). No presente estudo, o modelo cinético de pseudo-segunda ordem descreveu adequadamente os dados de adsorção, que são amplamente divulgados quanto à adsorção de proteínas em argilominerais (Bajpai and Sachdeva, 2000, 2002). Os difratogramas de raios-X mostram que para o argilomineral de partida, os padrões de DRX apresentam os picos hkl característicos de uma esmectita dioctaédrica (d060 = 0,149 nm) (Bergaya and Lagaly, 2013). Após a adsorção da proteína e do resveratrol sobre a superfície do argilomineral, bem como para o sistema BSA-RESV-Mt, o pico de difração característico do plano 001 do argilomineral não pôde ser detectado, enquanto que o restante dos picos de reflexão, característicos da montmorilonita, permanece inalterado. Estes resultados podem sugerir delaminação ou esfoliação parcial da estrutura do filossilicato (Kumar et al., 2010). A partir das micrografias observa-se a alta intercalação da BSA no espaçamento interlamelar da argila, mostrando claramente o aumento do espaçamento basal da matriz inorgânica de 1,2 para 3,2 nm. A amostra contendo ambos os orgânicos em solução, resveratrol e BSA, apresentou diferentes populações de camadas: algumas foram intercaladas com a molécula de proteína, apresentando o espaçamento d001 do nanocompósito BSA-RESV-Mt variando entre 2,96 e 3,90 nm e outras foram esfoliadas. A partir desses resultados, observa-se que a inclusão do complexo BSA-RESV nas galerias causa a esfoliação das lamelas do argilomineral. Os resultados das micrografias confirmam os dados obtidos a partir dos difratogramas de DRX para o nanocompósito. Estudos com relação às interações da BSA e do resveratrol com o suporte inorgânico foram realizados por espectroscopia infravermelho. O espectros vibracionais mostram as principais bandas de absorção para a proteína e o composto fenólico, antes e após adsorção no argilomineral. Mudanças conformacionais na estrutura da BSA, após confinamento na montmorilonita, foram apontadas a partir dos espectros IV. Foi observado um deslocamento nas bandas de vibração a partir 1640 cm-1 para 1643 cm-1 e a partir de 1521 cm-1 para 1525 cm-1, correspondentes a amida I e amida II, respectivamente. Isso é consistente com a mudança na estrutura secundária da proteína devido a interações com a superfície do suporte inorgânico (Servagent-Noinville et al., 2000; Porta et al., 2016). Após a adsorção do RESV no argilomineral, observamos o deslocamento espectral das bandas características do RESV. As bandas correspondentes ao grupo C-H se deslocam para 1514, 1463 e 1446 cm-1, as bandas atribuídas ao C=C aromático, C=C olefínico e C-C aromático se deslocam de 1606 para 1608 cm-1, de 1585 para 1589 cm-1 e de 1381 para 1386 cm-1, respectivamente. A mudança significativa desta última banda, correspondente ao estiramento C-C do anel, sugere a interação do RESV com a superfície do filossilicato (Billes et al., 2007; Popova et al., 2014). O espectro RMN do resveratrol livre mostra os deslocamentos químicos de 150- 160 ppm correspondentes aos carbonos C3,5 e C4’, ligados aos grupos OH. Os deslocamentos químicos de 101-140 ppm são atribuídos aos carbonos dos anéis aromáticos e aos carbonos olefínicos (Commodari et al., 2005). O espectro RMN da BSA livre mostra um deslocamento químico a 175,5 ppm, enquanto o do BSA-Mt exibe o mesmo deslocamento a 174,8 ppm atribuído aos grupos carbonilas da estrutura primária da proteína. Os deslocamentos químicos entre 110-160 ppm são atribuídos aos carbonos aromáticos de cadeia lateral, em particular, o Cξ dos resíduos de Tyr e Arg a 155 ppm (Assifaoui et al., 2014). Os espectros de deconvolução, a partir dos espectros RMN, para as amostras BSA, BSA-Mt e BSA-RESV-Mt na região das funções carbonílicas, mostram os componentes associados às folhas-β da estrutura secundária e, juntas as estruturas em bobinas aleatórias e α-hélices (Assifaoui et al., 2014). Para BSA livre, o espectro apresentou os deslocamentos químicos em 180,5; 174,1 e 173,3 ppm. Após adsorção da proteína em montmorilonita, os picos são deslocados para 178,5; 175,8 e 173,0 ppm. Para o composto BSA-RESV-Mt, os deslocamentos foram observados em 178,6; 175,7 e 173,7 ppm. Os resultados indicam que ocorre uma forte interação entre as partes orgânicas e a superfície inorgânica, provavelmente, levando a uma modificação da estrutura secundária da proteína (Liu et al., 2013), como observado também nos espectros de infravermelho. Os anéis da estrutura do RESV podem se localizar adjacentes aos resíduos mais hidrofóbicos da proteína, após complexação entre estes compostos, portanto as ligações hidrofóbicas podem governar estas interações, além do mais, podem existir ligações de hidrogênio entre os três grupos hidroxilas do polifenol e os resíduos de aminoácidos da proteína (Liu et al., 2013). A partir do espectro de emissão de fluorescência, observa-se que a BSA e o resveratrol possuem propriedades fotofísicas diferentes (Jiang et al., 2008; Xiao et al., 2008; Cao et al., 2016). Após o confinamento na Mt, o espectro de emissão de BSA é deslocado para 330 nm e a duração média de vida útil da fluorescência diminui (τav = 3,667 ns). Este resultado enfatiza uma modificação do ambiente em torno do Trp, provavelmente, devido à modificação da estrutura da BSA. Sob excitação a 340 nm, o resveratrol tem uma emissão máxima em torno de 390 nm e uma vida de fluorescência muito curta, em solução (40 ps). Quando é adsorvido em Mt, sua vida útil média é maior (τav = 1,193 ns) devido à sua interação com a superfície do material inorgânico. A saturação de fluorescência da BSA é explicada por uma transferência de energia não-radiante no ambiente em torno dos resíduos de aminoácidos cromóforos. Além disso, podemos observar uma diminuição da vida útil da fluorescência para 1,302 ns, medida a 340 nm. Os valores de tempo de vida do compósito BSA-RESV-Mt de τ1 = 2,587 ns, τ2 = 0,680 ns e τ3 = 0,03 ns são diferentes dos calculados para o sistema BSA-Mt, sugerindo que a conformação da proteína adsorvida é diferente na presença do polifenol. As diferenças, tanto da extinção de fluorescência quanto da vida de fluorescência, para a BSA indicam que o RESV pode interagir com a proteína e extinguir sua fluorescência intrínseca e também confirmar a formação de um complexo entre o resveratrol e a BSA (Xiao et al., 2008; Liu et al., 2013). Portanto, este é o cenário mais provável que sugere a ligação do resveratrol com a BSA antes da adsorção na superfície da montmorilonita, justificando assim a premissa de co-adsorção das partes orgânicas, identificada a partir dos espectros de infravermelho e também ressaltando os resultados obtidos em RMN.

Conclusões

Os resultados sugerem intercalação da proteína no espaçamento interlamelar da montmorilonita e interação do resveratrol na superfície interna e externa da matriz inorgânica. A expressiva penetração do complexo BSA-RESV provoca a esfoliação da estrutura lamelar da montmorilonita, como destacado nos resultados de DRX e microscopia eletrônica de transmissão. Baseado nos resultados de ressonância magnética nuclear e de fluorescência resolvida no tempo, foram observadas mudanças no ambiente dos aminoácidos devido à transferência de energia dos resíduos de Trp para o resveratrol, causando mudanças conformacionais na estrutura secundária da proteína. Forças hidrofóbicas podem dominar as interações entre o polifenol e a proteína, antes da adsorção sobre a montmorilonita.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Projeto Capes/Cofecub (N 835/15), a participação do LAMS e da Escola Nacional de Química de Montpellier, na França e do LACOM, no Brasil

Referências

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