Avaliação do perfil de esteróis de Neobenedenia melleni (Monogenea: Capsalidae) como estratégia para a descoberta de potenciais alvos quimioterápicos.
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Bioquímica e Biotecnologia
Autores
Barbosa, R.C.F. (IQ-UFRRJ) ; Andrade-neto, V.V. (IOC-FIOCRUZ) ; Pereira, E.C. (IOC-FIOCRUZ) ; Castelar, B. (FIPERJ) ; Pontes, M.D. (FIPERJ) ; Landuci, F.S. (FIPERJ) ; Torres-santos, E.C. (IOC-FIOCRUZ) ; Oliveira, M.C.C. (IQ-UFRRJ)
Resumo
N. melleni é um ectoparasita de peixes marinhos recorrente em sistemas de cultivo. O principal tratamento se dá através de banhos de água doce, que causam choque osmótico e desprendimento do parasito. Devido à logística e ao alto custo de tratamento, torna-se de grande interesse o desenvolvimento de métodos alternativos para seu controle. Neste contexto, os esteróis presentes no extrato lipídico preparado pelo método de Bligh & Dyer (1959), foram avaliados através de CCF e identificados por CG-EM. Constatou-se a presença de esqualeno, desmosterol, colesterol e ésteres de colesterol, indicando que este possua complexo enzimático necessário à biossíntese de colesterol. Desta forma, as enzimas envolvidas neste processo representam potenciais alvos farmacológicos para o controle de N. melleni.
Palavras chaves
Neobenedenia melleni; Biossíntese de esteróis; Colesterol
Introdução
Segundo o Anuário 2019 da Associação Brasileira da Piscicultura (PEIXE BR), no ano de 2018 a produção nacional de peixes de cultivo foi de 722.560 toneladas, resultado 4,5% superior ao de 2017, demonstrando o crescimento da piscicultura no país. O controle da presença de parasitas nos sistemas cultivo é de vital importância para garantir o aumento da produtividade, e consequentemente, a rentabilidade desta atividade. Na piscicultura de peixes marinhos, um dos maiores entraves enfrentados pelos produtores é a ocorrência do ectoparasita patógeno Neobenedenia melleni, espécie cosmopolita responsável por grandes infestações. Hematófago, de ocorrência acentuada em sistemas de cultivo, onde o confinamento é fator agravante para sua proliferação. Possui ciclo de vida compreendendo apenas um hospedeiro, com larvas de vida livre ou parasitária,causando desta forma surtos em pequenos espaços de tempo, sobretudo em condições de confinamento acentuado, como aumento da salinidade, temperatura e poluição da água, e diminuição do oxigênio dissolvido, condições que afetam a imunidade do hospedeiro, criando assim as condições necessárias à infecção (SANCHES, 2008). O parasito se fixa principalmente nas mucosas e olhos, mimetizando com o hospedeiro e causando-lhe hemorragia, natação errática, cegueira e consequente dificuldade em se alimentar, podendo evoluir para morte, ocasionando desta forma, grandes perdas para a produção. Seu tratamento convencional se dá através de banhos de água doce (Figura 1), que expõe o parasito a choque osmótico, causando-lhe rompimento celular seguido de morte. No entanto, tratamentos desta natureza demandam gastos com mão de obra, em razão da dificuldade e frequência do manejo, elevando os custos de produção, e consequentemente a elevação do valor do produto final ao consumidor (OHNO et al., 2007). Também são relatados tratamentos como banhos de formalina, e agentes oxidantes, como o permanganato de potássio, o que não isenta dos contratempos do manejo, assim como torna questionável a destinação do pescado para consumo humano, e em situações extremas, a inclusão de antibióticos na dieta, o que eleva ainda mais os custos de produção (TRASVIÑA-MORENO et al., 2017). Desta forma, a busca por tratamentos que reduzam os custos de produção, sem impactar a qualidade do produto, nem o meio ambiente, representa fator de grande interesse, tanto em relação à melhoria da logística das condições de cultivo e consequente redução do valor agregado do produto final, quanto pelo bem-estar animal. O estudo bioquímico do parasito como estratégia para a avaliação de potenciais alvos farmacológicos vem ao encontro da ideia de racionalizar e direcionar a pesquisa de controle parasitário, por meio da elucidação dos mecanismos de ação de quimioterápicos, o que facilita também a compreensão dos efeitos colaterais causados ao hospedeiro, que é de vital importância, visto sua destinação para consumo humano. Neste contexto, foram avaliados os perfis de esteróis de N. melleni como estratégia para a descoberta de potenciais alvos farmacológicos para seu controle. Esteróis desempenham funções estruturais e energéticas, e são precursores de diversos compostos bioativos como hormônios e vitamina D (PEREIRA; MIGUEL, 2017). A elucidação do perfil de esteróis e de suas vias de biossíntese, é de grande relevância para a identificação de potenciais alvos quimioterápicos, no sentido de direcionar a ação farmacológica para sítios-chave do metabolismo do parasito.
Material e métodos
Amostras de N. melleni foram coletadas na fazenda marinha Maricultura Costa Verde, através de banhos de água doce com duração de cinco minutos, em exemplares de R. canadum, mantidos sob condição de cultivo. Os parasitos foram conservados em tampão fosfato salino (PBS), e mantidos à -20ºC até o momento das análises. A identificação dos parasitos foi realizada na Estação Experimental de Aquicultura Almirante Paulo Moreira (EEAAPM), da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ). A extração de lipídeos neutros foi realizada no Laboratório de Pesquisa em Fitoquímica do Instituto de Química, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, conforme descrito por Bligh & Dyer (1959). Foram adicionados às amostras, metanol, clorofórmio e água destilada na proporção de 2:1:0,5 v/v. Após agitação em vortex, de 5 em 5 minutos durante 1 hora, a solução foi centrifugada por 20 min a 3.000 rpm e o sobrenadante, contendo os lipídeos, foi separado do precipitado. Ao sobrenadante foram adicionados água destilada e clorofórmio (1:1 v/v). Após 40 segundos de agitação, o material foi novamente centrifugado (3.000 rpm/30 min). A fase orgânica, contendo os lipídeos, foi separada com o auxílio de seringa de vidro e transferida para tubos resistentes a solventes orgânicos. O solvente foi evaporado por arraste de nitrogênio gasoso (N2) e os lipídeos, foram submetidos a cromatografia em camada fina (CCF) e a técnica hifenada de cromatografia gasosa acoplada a espectrômetro de massas (GC-EM). A avaliação de perfil de esteróis por CCF foi realizada no Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Os lipídeos extraídos foram analisados em placa de sílica gel, após ressuspensão em 50 µl de clorofórmio. Foram utilizadas duas corridas com diferentes combinações de solventes. A primeira foi realizada até metade da placa, utilizando hexano/éter etílico/ácido acético (60:40:1 v/v) e a segunda foi realizada com hexano/clorofórmio/ácido acético (80:20:1 v/v). As placas foram borrifadas com reagente de Charring (10% CuSO4 + 8% H3PO4) e aquecidas a 200°C para revelação (ANDRADE-NETO et al., 2011). Os esteróis foram identificados através de comparação com padrões comerciais de colesterol, éster de colesterol, ergosterol, ergostano, lanosterol, desmosterol, estigmasterol e esqualeno. A avaliação do perfil de esteróis por CG-EM foi realizada no Laboratório de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As amostras foram injetadas no cromatógrafo GCMS-QP2010 Ultra (Shimadzu Scientific Instruments, Tóquio, Japão). A temperatura da coluna foi mantida a 50°C por 1 minuto e então aumentada a 270°C na razão de 10°C/min e finalmente a 300°C na razão de 1°C/min. O fluxo do gás (He) foi mantido constante a 1.1 mL/min. As temperaturas do injetor e do detector foram de 250°C e 280°C, respectivamente (Torres-Santos et al, 2009).
Resultado e discussão
Diante do perfil cromatográfico (Figura 2a) apresentado pelos esteróis
presentes no extrato lipídico de N. melleni na CCF, pôde-se propor que o
mesmo apresenta esqualeno e desmosterol, importantes precursores da
biossíntese de esteróis, além da presença de colesterol e ésteres de
colesterol. Nas análises realizadas por CG-EM (Figura 2b), confirmou-se a
presença desses esteróis, conforme indicado na CCF, além de diferentes
ésteres de colesterol. A identificação de colesterol, esqualeno e
desmosterol pôde ser confirmada através de comparação dos tempos de retenção
de componentes da amostra frente aos padrões comerciais utilizados, além da
similaridade entre seus padrões de fragmentação. Desta forma, pode-se
afirmar que N. melleni apresenta o complexo enzimático necessário para a
produção endógena de colesterol (Figura 2c), e para a esterificação deste,
possibilitando seu armazenamento para fins de reserva energética. Não
constam na literatura trabalhos acerca do perfil de esteróis e metabolismo
de lipídeos de N. melleni. Sendo o colesterol crucial à sobrevivência de
diversos organismos, desempenhando funções estruturais e energéticas, as
enzimas envolvidas em sua biossíntese, esterificação e hidrólise de seus
ésteres, podem representar potenciais alvos farmacológicos para o controle
de N. melleni. A presença destas enzimas e a consequente capacidade de
biossíntese de colesterol pode ser confirmada através da análise genômica do
parasito. No entanto, até o momento não constam nos bancos de dados de
genomas, o sequenciamento genético desta espécie.
Conclusões
Através destes resultados, conclui-se que N. melleni apresenta em seu perfil lipídico, como principal esterol, o colesterol, e que o parasito possui em seu complexo enzimático, enzimas responsáveis pela esterificação para armazenamento deste como reserva energética, assim como enzimas responsáveis pela hidrólise destes ésteres. Por apresentar precursores do colesterol, como esqualeno e desmosterol, estes resultados sugerem que o parasito seja capaz de produzir colesterol endógeno, o que indica que as enzimas envolvidas na via de biossíntese de colesterol podem representar potenciais alvos farmacológicos para o controle deste parasito. Como sequência deste trabalho, planeja-se realizar a sililação dos esteróis do extrato de lipídeos neutros, com o objetivo de melhorar a resolução do cromatograma obtido por CG-EM, e desta forma, otimizar o cálculo das quantidades relativas dos esteróis identificados. Planeja-se ainda realizar o sequenciamento genético de N. Melleni, com o objetivo de confirmar a presença das enzimas envolvidas na biossíntese e esterificação do colesterol, assim como testes in vitro de resistência de adultos de N. melleni frente a fármacos já comercializados como inibidores de enzimas envolvidas na biossíntese e metabolismo de colesterol, como os derivados de imidazol, largamente utilizados como inibidores da enzina C14 desmetilase.
Agradecimentos
À maricultura Costa Verde e fazenda marinha Pérola do Atlântico, ao AquaRio, ao Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos do IOC-FIOCRUZ e ao Laboratório de Nutrologia do H.U Clementino Fraga-UFRJ.
Referências
Andrade-Neto, V.V.; Cicco, N. N. T.; Cunha-Junior, E. F.; Canto-Cavalheiro, M. M.; Atella, G. C.; Torres-Santos, E. C. The pharmacological inhibition of sterol biosynthesis in Leishmania is counteracted by enhancement of LDL endocytosis. Acta Tropica 119, 194– 198 2011.
Bligh, E.G., Dyer, W. J. A rapid method of total lipid extraction and purification. Canadian Journal of Biochemistry and Physiology 37, 911–917, 1959.
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Sanches, E. G. Controle de Neobenedenia melleni (Maccallum, 1927) (Monogenea: Capsalidae) em Garoupa-Verdadeira, Epinephelus marginatus (Lowe, 1834), Cultivada em Tanques-Rede. Rev. Bras. Parasitol. Vet., 17, 3, 145-149, 2008.
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