Influência da modificação térmica aplicada ao amido de banana-da-terra (Musa paradisiaca L.) nas propriedades físico-químicas e reológicas de bioplásticos

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Alimentos

Autores

Viana, E.B.M. (UESB) ; Oliveira, N.L. (UFLA) ; Almeida, M.F. (UESB) ; Resende, J.V. (UFLA) ; Souza, C.C.E. (UFBA) ; Santos, L.S. (UESB) ; Veloso, C.M. (UESB)

Resumo

Os bioplásticos são materiais elaborados com materiais de base biológica e podem ser aplicados em situações semelhantes aos plásticos convencionais, em especial na indústria de alimentos. Dentre os polímeros naturais o amido é considerado um dos mais promissores para diferentes aplicações. O objetivo deste trabalho foi a obtenção de bioplásticos a base de amido extraído da banana da terra verde terra nativo e modificado. Foram determinadas as propriedades de resistência a água e mecânica dos bioplásticos e o comportamento reológico da solução filmogênica. Observou-se que a modificação física do amido levou a melhorias nas propriedades mecânicas dos filmes produzidos e que estas características estão relacionadas à viscosidade aparente das soluções filmogênicas.

Palavras chaves

TTBU; Bioplásticos; Viscosidade

Introdução

O consumo anual de plástico no mundo atingiu mais de 320 milhões de toneladas. Seu consumo se tornou indispensável frente a gama de benefícios à sociedade em termos econômicos. Apesar das suas vantagens, o longo tempo exigido para a decomposição no meio ambiente, associado a práticas inadequadas de descarte, levam à questionamentos em relação a sua real viabilidade e abre um espaço para pesquisas que busquem soluções viáveis para este problema (LEBRETON et al., 2018; ASHOK, 2017; EMADIAN, 2016). Neste contexto surgem os bioplásticos, que são conceitualmente um conjunto de diversos materiais que podem ser divididos em três grupos principais: de base biológica; de base biológica e biodegradável; e plásticos baseados em combustíveis fósseis que são biodegradáveis. São importantes, pois apresentam uma solução sustentável ao meio ambiente, que se reflete em toda a cadeia do produto, como por exemplo reduzindo a emissão de CO2, melhorando a eficiência energética, diminuindo o uso de matéria prima não renovável e possuindo ciclo fechado de vida útil. Os biopolímeros que compõe os bioplásticos podem ser polissacarídeos, proteínas e lipídios, dentre as quais estão: o amido, a quitosana, a celulose, a proteína do soro de leite, a gelatina e a zeína, além dos óleos vegetais e ceras (KARAM et al., 2018; EUROPEAN BIOPLASTICS, 2018; ASHOK et al., 2018). O amido foi um dos primeiros biopolímeros utilizados para produzir bioplásticos biodegradáveis. Representa a principal forma de reserva energética das plantas, sendo uma das mais abundantes matérias-primas na biosfera. Sua estrutura é constituída de dois polímeros: amilose, formada por ligações α1-4 de unidades de glicose; e amilopectina, formada por ligação α1-4 e α1-6 de unidades de glicose. Esses dois polímeros formam a estrutura semi-cristalina do grânulo de amido, que consiste de uma porção cristalina e outra amorfa. Geralmente o amido é constituído com uma proporção maior de amilopectina (até 80%) e menor de amilose; e essas proporções vão influenciar diretamente as propriedades tecnológicas do amido, dentre elas na formação de filmes e revestimentos (ASHOK, 2016; SAGNELLI et al, 2016; PEPE et al., 2015). No entanto, o amido possui algumas desvantagens tecnológicas que limitam sua utilização, como a pouca resistência a temperatura e tensão, alta susceptibilidade a decomposição térmica e alta hidrofilicidade. Para superar tais limitações são realizados tratamentos físicos, químicos ou a combinação de ambos, que reduzem essas desvantagens intrínsecas e melhoram sua funcionalidade. Um dos métodos de tratar o amido sem a utilização de reagentes químicos é o tratamento térmico com baixa umidade (TTBU), utilizando variações de temperaturas e umidades que alteram as propriedades físico-químicas do amido, sem destruir a estrutura do grânulo (GAO et al., 2013; LOPEZ et al., 2010). Dentre as diversas fontes de amido destaca-se a banana da terra verde devido a sua grande disponibilidade em todo o mundo. O Brasil tem aumentado sua produção e se destaca entre os principais produtores mundiais da banana. É o quarto maior produtor mundial da fruta, e produziu em 2016 aproximadamente 6,8 milhões de toneladas de banana, sendo a Bahia o principal produtor do país, com 1,1 milhão de toneladas colhidas. (EMBRAPA, 2018; LÉDO, et al. 2017, IBGE, 2017). Frente ao exposto, o presente estudo propôs desenvolver bioplásticos à base de amido de banana-da-terra (Musa paradisiaca L.) nativo e modificado por tratamento térmico com baixa umidade (TTBU), avaliando a influência da modificação física nas propriedades dos bioplásticos, buscando agregar valor a esta fonte de amido.

Material e métodos

A banana-da-terra foi obtida em distribuidoras de Vitória da Conquista – BA. O parâmetro de seleção foi o grau de maturação, onde somente os frutos que apresentaram casca completamente verde foram utilizados. A extração de amido foi feita conforme descrito por Moorthy (1991) com modificações. Utilizou-se para modificação física o tratamento térmico com baixa umidade, segundo método descrito por Chung, Liu e Hoover (2009). Foram selecionados quatro tratamentos do estudo de Cordeiro et al. (2018): MF-01: 19% umidade, 88ºC e 6,5 horas; MF-03: 19% umidade, 88ºC e 19,5 horas; MF-08: 31% umidade, 112ºC e 19,5 horas; MF-12: 25% umidade, 100ºC e 23,92 horas. Na obtenção dos bioplásticos foi empregado o método de “casting”, sendo que dispersões de água destilada amido (3% m/V) e glicerol (25 % m/m) foram aquecidas (80ºC) sob agitação constante até a completa gelatinização do amido. As soluções resultantes foram homogeneizadas a 12.000 rpm em turrax por 30 min e em seguida transferidas para placas de teflon de 540 cm2. Os bioplásticos foram secos a 30 ºC em estufa por 36 h. Os filmes foram retirados das placas e condicionados a temperatura controlada de 23ºC (+-2ºC) e umidade relativa de 50% (+=5%) antes das analises, conforme o método D618-00 (ASTM, 2000b). A espessura dos bioplásticos foi determinada utilizando um paquímetro digital (Mitutoyo, Suzano) com acurácia de 0,001 mm. As medidas foram determinadas a partir da média de dez aferições em regiões aleatórias nos filmes. A solubilidade do filme foi obtida por método de Gontard et al. (1994), com adaptações. A atividade de água foi determinada em analisador de atividade de água por ponto de orvalho (3TE, AquaLab) a 25ºC. A permeabilidade ao vapor de água foi medida pelo método de cápsulas descrito pelo método E96 (ASTM, 2000a), feita em triplicata. Para o teste de tensão foi utilizado o método D882-02 (ASTM, 2002), utilizando texturômetro (Stable Microsystems, modelo TATX2i). O módulo de Young (MPA), resistência a tensão (Mpa) e alongamento à quebra (%) foram calculados com software Exponent Lite (versão 6.1.11.0). Dez amostras de cada filme foram analisadas em três replicatas. Utilizou-se para teste de punctura o texturômetro (Stable Microsystems, modelo TATX2i,) para determinar a força de punctura (FP) e deformação a punctura (DP). A FP e DP foram calculados com software Exponent Lite (versão 6.1.11.0). Cinco amostras foram testadas de cada filme. A viscosidade aparente das soluções filmogênicas foi avaliada com reômetro (Brookfield, modelo DV-III Ultra), spindle SC4-34, com auxílio do software Origin 5; os valores de foram ajustados ao modelo Herschel-Bulkley. Os resultados obtidos foram submetidos a análise de variância one-way (teste de Tukey), considerando p < 0,05, utilizando o programa estatístico Statistical Analysis System (SAS) University.

Resultado e discussão

Os resultados referentes às propriedades de resistência à umidade são apresentados na Tabela 1. As soluções filmogênicas preparadas do amido nativo e modificados testados foram capazes de formar filmes estáveis e homogêneos. A análise de permeabilidade de vapor de água é empregada para avalias o fluxo livre, que está ligado diretamente com a homogeneidade ou não da matriz, e a permeação, que corresponde a solubilização dos componentes e processo de difusão (SARANTOPOULOS & TEIXEIRA, 2017). De acordo com dos dados houve diferença significativa entre os tratamentos. Com exceção da modificação MF-08, todos dos demais amidos modificados apresentaram permeabilidade ao vapor de água menores quando comparado com o amido nativo, sugerindo uma melhor organização das moléculas de amilose e formação de filme; o que é desejável, haja vista que quanto menor a permeabilidade ao vapor de água, menor a passagem de água para o produto alimentício (SHARMA AND SINGH, 2016). A atividade de água demonstra o estado energético da água quanto à sua disponibilidade de interação na matriz, informando o estado de plastificação do filme. Essa análise teve diferença significativa para os filmes analisados, sendo que todos os filmes modificados tiveram atividade de água inferiores ao filme com amido nativo. Os valores obtidos confirmam que a modificação física modifica a estrutura do amido refletindo na interação que ocorre entre o amido e o plastificante. A análise de solubilidade não apresentou diferença significativa entre os filmes analisados. A solubilidade dos filmes de amido pode estar relacionada com a interação dos componentes formadores da rede polimérica e da polaridade deles. Como os componentes formadores dos filmes são hidrofílicos os mesmos apresentam uma maior solubilidade, sendo necessário avaliar posteriormente o efeito da incorporação de componentes hidrofóbicos. As análises de tensão e punctura são parâmetros importantes para descrever os filmes em diferentes circunstâncias e revelar mudanças na sua microestrutura. Os dados apresentaram diferença significativa entre os filmes analisados (Tabela 2). O módulo de Young, que avalia a rigidez do material, no qual quanto maior o valor mais rígido o material, aumentou nos tratamentos quando comparado ao filme do amido nativo. O mesmo se apresentou na resistência à tração, o que sugere que os filmes estavam mais coesos e resistentes, possivelmente devido à maior compactação da estrutura do polímero nesses tratamentos. Para o alongamento, apenas os tratamentos MF-08 e MF-12 tiveram resultados superiores aos encontrados para o filme de amido nativo. Vale ressaltar que esse parâmetro é fortemente alterado ao se adicionar plastificantes, como o glicerol, que agem diminuindo as forças intermoleculares resultantes da interação entre as cadeias de macromoléculas e melhorando as propriedades mecânicas; contudo, o plastificante no presente estudo permaneceu em proporção igual para todos os filmes. (CANEVAROLO JUNIOR, 2010). Quanto as propriedades de punctura, todos os filmes com exceção do tratamento MF-03 tiveram capacidade de resistência a perfuração e deformação aumentados. Ao se avaliar o comportamento reológico das soluções filmogênicas é possível observar que as mesmas têm um comportamento típico de soluções pseudoplásticas (Figura 1). É possível observar também que com exceção do amido modificado MF-01, os demais amidos levaram a obtenção de soluções filmogênicas com menor resistência à deformação que o amido nativo. Relacionando os dados reológicos com os demais dados obtidos é possível inferir que soluções com viscosidade aparente menor produziram filmes com melhores características mecânicas, como alongamento e resistência a tração. Essas melhorias não estão correlacionadas com a quantidade de água, que atua como plastificante nas formulações, pois a atividade de água dos filmes com as melhores características apresentou taxas menores para esse parâmetro (GOMAND et al, 2012).

Tabela 1 – Resultados das análises de resistência à umidade dos filmes

Resultados das análises de resistência à umidade dos filmes de amido nativo e modificado de banana- da-terra (Musa paradisiaca L.)

Tabela 2 – Resultados das análises mecânicas dos filmes de amido nativ

Resultados das análises mecânicas dos filmes de amido nativo e modificado de banana-da-terra (Musa paradisiaca L.)

Figura 1 – Gráfico de tensão de cisalhamento em função da taxa de defo

Gráfico de tensão de cisalhamento em função da taxa de deformação das soluções filmogênicas do amido nativo e modificações de banana da ter

Conclusões

A modificação física por tratamento térmico de baixa umidade (TTBU) é uma alternativa para alterar as propriedades do filme de amido nativo de banana- da-terra (Musa paradisiaca L.). Dentre os tratamentos testados, a modificação MF-12 que se constituiu de 25% umidade, 100ºC e 23,92 horas apresentou as melhores características frente as demais modificações, levando a melhorias nas propriedades mecânicas de alongamento, resistência a tração, força e deformação de punctura; além de menor permeabilidade ao vapor de água quando comparado ao amido nativo.

Agradecimentos

Os autores agradem à CAPES pelo financiamento através do PROCAD.

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