ESTUDO DO EFEITO DA TEMPERATURA E TEOR DE SÓLIDOS SOLÚVEIS NOS PARÂMETROS REOLÓGICOS DA POLPA DE BACURI (Platonia insignis Mart.)
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Alimentos
Autores
Guida, I.I.S. (UFMA) ; Villa Vélez, H.A. (UFMA) ; Santana, A.A. (UFMA) ; Sampaio, R.M. (UFMA)
Resumo
A produção de frutas tropicais oriundas da Mata Atlântica e Amazônia têm crescido e se expandido nos últimos anos. O bacurizeiro (Platonia insignis Mart.) pertence à família Clusiaceae. É uma espécie frutífera e madeireira originária do estado do Pará. Este trabalho teve como objetivo estudar a reologia da polpa in natura e diluída de bacuri. Os dados reológicos foram ajustados pelo modelo da Lei da Potência, indicando que a polpa in natura e diluída apresenta um comportamento não newtoniano do tipo pseudoplástico. Como esperado para polpas de frutas, percebeu-se relação inversa entre o índice de consistência e a temperatura e relação direta entre o índice de consistência e o teor de sólidos solúveis.
Palavras chaves
Platonia insignis spp; Reologia; Polpa de bacuri
Introdução
A produção de frutas tropicais oriundas da Mata Atlântica e Amazônia têm crescido e se expandido ao longo dos últimos anos. Isto se deve ao imenso número de variedades de frutas com sabores exóticos e palatáveis que foram comercializados, contribuindo para o desenvolvimento dessas regiões (Silva et al. 2013). Com o aumento da produção, surgiu a necessidade de se obter produtos que pudessem ser armazenados, dada a perecibilidade e sazonalidade desses alimentos, tornando a produção de polpas de frutas congeladas um importante segmento da cadeia produtiva, por favorecer o aproveitamento integral das frutas até mesmo na entressafra (Santos and Barros 2012, Santos et al. 2014). Em relação ao processamento dessas frutas, o conhecimento das propriedades reológicas é fundamental para o projeto e dimensionamento de tubulações e sistemas de bombeamento, agitação e mistura, entre outros, de modo a possibilitar a otimização do processo de produção (Cabral et al. 2007). O bacurizeiro (Platonia insignis Mart.) pertence à família Clusiaceae. É uma espécie frutífera e madeireira originária do estado do Pará, podendo ser encontrado em todos os estados da região Norte do Brasil e nos estados de Mato Grosso, Piauí e Maranhão (Van der Berg 1993). Seu fruto bacurizeiro, chamado bacuri, é uma baga de tamanho grande e variável, cuja parte comestível (polpa) é branca e tem um odor pungente e um sabor ligeiramente doce. Essas características fazem do bacuri uma das frutas que podem ser comercializadas tanto para consumo bruto quanto para produção de suco, polpa congelada, néctar, geleia e doce entre outros produtos (Clement and Venturieri 1990). Apesar de ser altamente apreciado nas regiões de cultivo, a polpa de bacuri pode enfrentar dificuldades no processo de industrialização devido à sua alta consistência e alta adesão as sementes, tornando seus produtos muito espessos e difíceis de serem comercializados dentro dos padrões da legislação brasileira (Aquino et al. 2014). Quando a polpa do bacuri in natura é misturada com água para a formação da polpa para processamento, as propriedades reológicas sofrem modificações. Assim, estudar a estabilidade e o comportamento reológico da polpa é importante para o seu processamento, bem como, para buscar alternativas de aproveitamento deste fruto muito consumido em várias regiões do Brasil. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é estudar o comportamento reológico da polpa de bacuri integral e diluída em função da temperatura e do teor de sólidos solúveis, além de avaliar sua estabilidade para melhor aproveitamento e processamento industrial.
Material e métodos
CARACTERIZAÇÃO REOLÓGICA E MODELAGEM MATEMÁTICA.O comportamento reológico da polpa de bacuri foi analisado às temperaturas de 10, 35 e 60°C na sua forma in natura e diluída às concentrações de 10; 6 e 5 °Brix. As medidas reológicas para as polpas diluídas foram realizadas em um reômetro (modelo Brookfield DV-II + Pro, LabX, Canada). Para a polpa in natura empregou-se um reômetro (modelo Brookfield DV-III Ultra, LabX, Canada), mais adequado à faixa de viscosidade encontrada. Um banho termostático (modelo ALB 250C, Tecnal, Brasil) foi utilizado para manter as temperaturas durante os experimentos. A análise reológica para cada temperatura foi realizada à taxa de deformação variando de 0,33 a 3,33 s-1.Para determinação dos parâmetros e comportamento reológico da polpa, utilizou-se o modelo da Lei da Potência (Eq. (1)) e a viscosidade para fluidos não newtonianos (Eq. (2)).τ= kγ^η (1), μ= kγ^(η-1)(2) onde, τ é a tensão de cisalhamento (Pa), μ é a viscosidade aparente (Pa.s), η é o índice de comportamento (adimensional), γ é a taxa de deformação (s-1) e, k é o índice de consistência (Pa.s) (Genovese et al. 2007). Além disso, foi empregada a equação de Arrhenius (Eq. (3)) para estudar o efeito da temperatura na concentração de sólidos. k = k0 . exp(Ea/R(T+"273.15" ) )(3)onde, k0 é uma constante empírica, k é o índice de comportamento (Pa.s), Ea é a energia de ativação (J/mol), R é a constante universal dos gases (8.314 J/mol K) e T é a temperatura (°C). A modelagem matemática foi realizada com o auxílio da função nlinfit do software Matlab R2013a (The Math Works Inc, Natick, USA). O coeficiente de determinação quadrático (R2) e o erro médio relativo (MRE, %), descrito na Eq. (4), foram usados para avaliar o ajuste do modelo (Villa-Vélez et al. 2018).MRE=(100/n)x∑m(i=1)|Yi-Yi*|/Yi(4)onde Yi representam os valores experimentais, Yi* representam os valores preditos pelo modelo de ajuste e, n é o número de valores experimentais.
Resultado e discussão
ESTUDO REOLÓGICO. VISCOSIDADE APARENTE. Foram realizados ensaios reológicos
para a polpa in natura e diluída a 5, 6 e 10 °Brix em função da taxa de
deformação e temperatura, sendo que seus resultados experimentais são
apresentados na Fig. 1.Na Fig. 1 observam-se valores máximos da viscosidade
aparente na faixa de 55.800 – 45.666 Pa.s para a polpa in natura (Fig. 1a),
8.168 – 0.995 Pa.s para a polpa diluída a 5 °Brix (Fig. 1b), 8.708 – 2.443
Pa.s para a polpa diluída a 6 °Brix (Fig. 1c) e 19.186 – 13.572 Pa.s para a
polpa diluída a 10 °Brix (Fig. 1d), correspondentes à taxa de deformação de
0,333 s-1 e temperaturas de 10 – 60 °C. Além disso, os valores da
viscosidade aparente decrescem à medida que aumenta a taxa de deformação
para todas as concentrações.
Quanto ao efeito da concentração, observa-se que a variação da viscosidade
aparente é mais dependente da concentração de sólidos solúveis comparado à
temperatura. No entanto, quando a polpa é diluída, a variação devido a
concentração de sólidos torna-se menos significativa, e a temperatura passa
a ter um efeito mais pronunciado na viscosidade aparente.
Este decréscimo na viscosidade aparente significa que a resistência das
amostras ao escoamento e a energia requerida para mantê-las a uma alta taxa
de deformação, é reduzida. Reduções de viscosidade com o aquecimento também
foram reportadas por Guimarães e Mascigrande (2011) ao trabalharem com a
polpa congelada de açaí e polpa de juçara in natura a diferentes
temperaturas. Resultados similares também foram obtidos por Torres et al.
(2003) que observaram uma redução da viscosidade com o aumento da
temperatura ao estudarem a viscosidade aparente de polpas de umbu-cajá
(Spondias spp.) entre temperaturas de 10 a 60°C. ANÁLISE MATEMÁTICA E
MODELAGEM DOS PARÂMTROS REOLÓGICOS PARA A POLPA DE BACURI IN NATURA E
DILUÍDA. A Tabela 1 mostra os resultados da regressão não linear usando o
modelo da Lei da Potência e sua respectiva avaliação estatística. Nesta, foi
observado um bom ajuste do modelo aos reogramas experimentais da polpa de
bacuri com valores de R2 > 0,949 e MRE < 12.097 %. De acordo com a Tab. 1, a
polpa de bacuri in natura e diluída a 5, 6 e 10 °Brix apresentaram um
comportamento não newtoniano do tipo pseudoplástico (η < 1) para todas as
temperaturas. O mesmo comportamento pseudoplástico foi encontrado em estudos
anteriores realizados com néctares mistos de caju, manga e acerola por
(Silva et al. 2013). Aquino (2014) ao estudar a pasta de bacuri observou
valores bem próximos para o índice de comportamento do fluido (η),
confirmando o comportamento pseudoplástico do produto.
Nas diferentes concentrações avaliadas, as variações observadas no índice de
comportamento do fluido não modificaram o comportamento pseudoplástico da
polpa in natura ou diluída, mas impactaram os valores medidos para o índice
de consistência, que apresentou tendência de diminuição com o aumento da
temperatura e com a diluição da polpa. Quando a concentração de sólidos
solúveis muda, as propriedades do fluido mudam consideravelmente sendo
evidente a mudança na viscosidade. Conforme apresentado na Tab. 1, observa-
se que o índice de consistência diminui de 3.380 – 0.457 Pa.s para a polpa a
5 °Brix, de 3.570 – 1.237 Pa.s para a polpa a 6 °Brix e 8.254 – 5.019 Pa.s
para a polpa 10 °Brix, na faixa de temperatura de 10 – 60 °C
respectivamente. Comparando os valores da polpa in natura com os valores
apresentados para a polpa diluída, observa-se a relação de dependência entre
o índice de consistência e a concentração de sólidos solúveis, em
consonância com o comportamento esperado. Nesse estudo, observou-se que o
teor de fibras causou uma influência moderada nas propriedades reológicas da
polpa in natura em comparação à polpa diluída a 5, 6 e 10 °Brix.
Pode-se perceber que as polpas de frutas em geral apresentam um
comportamento não newtoniano do tipo pseudoplástico. Esses fluidos
apresentam uma diminuição da tensão de cisalhamento com o aumento da taxa de
cisalhamento, que depende principalmente da orientação/alinhamento das
moléculas ou partículas na direção do fluxo (Cabral et al. 2007). EFEITO DA
TEMPERATURA E AVALIAÇÃO DA ENERGIA DE ATIVAÇÃO. A Tabela 2 mostra os valores
obtidos da energia de ativação para a polpa in natura e diluída. Na Tab. 2
observa-se uma variação da energia de ativação entre -0.924 e 31.534 kJ/mol
para a polpa de bacuri, sendo estes resultados em consonância com os valores
encontrados na literatura para polpas de fruta. Guedes et al. (2010)
pesquisaram a polpa de melancia em concentrações de 8, 17, 26 e 35 °Brix e
concluíram que a energia de ativação diminui com o aumento da concentração,
sendo que no caso da polpa de bacuri os resultados indicaram um aumento da
energia de ativação da polpa de bacuri in natura a medida que esta é
diluída. Este comportamento pode estar vinculado à composição química da
polpa de bacuri maranhense, onde o alto conteúdo de proteína e fibras fazem
com que a diminuição do tamanho de partícula e mistura com água não forme um
sistema completamente homogêneo. Portanto, para conseguir um sistema
homogêneo será preciso aplicar maior energia, no caso específico de maior
agitação mecânica.
A energia de ativação é necessária para movimentar as moléculas. Em função
do aumento da temperatura o fluido escoa mais facilmente devido a alta
energia de ativação que existe a altas temperaturas (Sengül et al. 2005). Ao
estudar a polpa de morango, (Bezerra et al. 2009) encontraram valores de
energia de ativação menores do que os encontrados aqui para a polpa de
bacuri.
In natura (a) e diluída a 5 °Brix (b), 6 °Brix (c) e 10 °Brix (d) às temperaturas de 10 (●), 35 (■) e 60 °C (▲). Linha descontinua (-) dados Eq 4
Tabela 1. Parâmetros reológicos do modelo Lei da Potência para a polpa de bacuri in natura e diluída, Tabela 2. Energia de ativação polpa de bacuri
Conclusões
Observando os resultados obtidos a partir das análises da polpa de bacuri maranhense, pode-se concluir que Os dados experimentais da tensão de cisalhamento e da taxa de deformação da polpa de bacuri in natura e diluída foram bem ajustados pelo modelo da Lei da Potência, indicando que todas as amostras apresentam um comportamento não newtoniano do tipo pseudoplástico. Percebeu-se, como esperado, a relação inversa entre o índice de consistência e a temperatura e a relação direta entre o índice de consistência e o teor de sólidos solúveis. Os resultados da energia de ativação indicam que a polpa de bacuri maranhense é uma matéria prima que precisa de alta taxas de agitação para obter um sistema homogêneo.
Agradecimentos
Referências
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