ESTUDO DO PRÉ-TRATAMENTO HIDROTÉRMICO ÁCIDO DO BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR PARA UTILIZAÇÃO NA PRODUÇÃO DE ETANOL DE SEGUNDA GERAÇÃO
ISBN 978-85-85905-23-1
Área
Química Verde
Autores
Darcie, L.R. (UNIFAL-MG) ; Leal, K.N.S. (UNIFAL-MG) ; Tonelli, C.M. (UNIFAL-MG) ; Souza, C.L. (PUC-,MG) ; Martins, J.C. (UNIFAL-MG)
Resumo
O bagaço de cana-de-açúcar possui grande quantidade de açúcares polimerizados, que podem ser utilizados para a produção de etanol de segunda geração. Porém, são necessários métodos que rompam sua estrutura rígida de lignina para aumentar a acessibilidade aos açúcares fermentescíveis. O objetivo do presente trabalho foi realizar e avaliar o pré-tratamento hidrotérmico do bagaço de cana-de-açúcar utilizando dois tipos de ácidos diluídos (H2SO4 e H3PO4). As concentrações de ácidos utilizadas foram de 1,0%; 2,0% e 3,0% em banho-maria (75-80°C e pressão atmosférica) e autoclave (121°C e 1,1 bar) durante 90 min. As melhores condições para a realização do pré-tratamento são com ácido sulfúrico a uma concentração de 2% em autoclave à 121°C.
Palavras chaves
Etanol de segunda geração; Bagaço de cana-de-açúcar; Pré-tratamento
Introdução
O petróleo é a principal fonte energética mundial e está em iminente escassez por ser um combustível fóssil e uma fonte não renovável de energia. Desta forma, juntamente com a degradação ambiental, a escassez de petróleo vem causando preocupação na sociedade e levando os governos e empresas privadas a desenvolverem estratégias com o objetivo de aumentar a produção e o consumo de combustíveis alternativos, sustentáveis e renováveis (SANTOS, 2013). Neste contexto, os biocombustíveis surgem como uma alternativa para diminuir a dependência de recursos não renováveis e também para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, pois a queima de combustíveis fósseis representa aproximadamente 82% das emissões dos gases do efeito estufa (BALAT et al., 2008). Os biocombustíveis podem ser produzidos a partir da cana-de-açúcar, mamona, soja, canola, babaçu e beterraba (MORO, 2015). O etanol produzido a partir do caldo da cana-de-açúcar (etanol de primeira geração) é o único biocombustível que até o momento apresenta capacidade de atender a crescente demanda mundial de energia renovável, apresenta custo competitivo no mercado e menor emissão de poluentes que os derivados de petróleo (SANTOS, 2013). O programa ProÁlcool no Brasil causou expansão, em grande escala, dos canaviais com o objetivo de aumentar a produtividade da cana-de-açúcar para suprir a demanda de etanol. Como consequência houve um grande acúmulo de bagaço de cana-de-açúcar nas usinas, pois na produção do etanol de primeira geração uma grande quantidade deste material é obtida como subproduto do processo de moagem (SANTOS, 2013). O bagaço de cana-de-açúcar é um material lignocelulósico constituído basicamente de celulose, hemicelulose e lignina, que são firmemente associados entre si e que conferem ao vegetal sua integridade física e resistência a agentes externos. Esse material lignocelulósico possui grande quantidade de açúcares polimerizados, que pode ser utilizado para a produção do etanol de segunda geração por meio da sua quebra em frações menores, através de métodos químicos ou físicos (PHILIPPINI, 2012). A produção de etanol de segunda geração é uma opção promissora, eficaz e que aumenta a eficiência energética do processo, o volume de combustível produzido por área de biomassa plantada, o aproveitamento do potencial energético da biomassa e também garante a sustentabilidade do processo (MORO, 2015). No processo de bioconversão da matéria-prima ou biomassa para produção do etanol de segunda geração é necessário realizar o pré-tratamento, a hidrólise (química ou enzimática), a fermentação e a separação/destilação do etanol (BALAT, 2011). Considerando a avaliação de diferentes condições operacionais dos processos de pré-tratamento, hidrólise e fermentação para a produção de etanol de segunda geração, o bagaço da cana-de-açúcar precisa passar pela etapa de pré-tratamento. O objetivo desta etapa é transformar o bagaço com vantagens para a posterior hidrólise enzimática ou ácida, pois os materiais lignocelulósicos apresentam uma estrutura complexa e compacta, sendo indispensável a ruptura do complexo celulose-hemicelulose-lignina (LOPES, 2015). O pré-tratamento é realizado para aumentar a área de superfície do substrato, reduzir a cristalinidade da celulose e desorganizar o complexo lignocelulósico. Sem nenhum pré-tratamento, a conversão da celulose em açúcares é extremamente lenta, pois a celulose é protegida pela matriz de lignina e hemicelulose, assim é necessário para aumentar o desempenho da hidrólise (CARLY, 2011). Existem muitos tipos de pré-tratamento que são utilizados, como o hidrotérmico com ácido diluído ou concentrado. O pré-tratamento com ácido diluído é um dos mais utilizados e amplamente estudado, pois apresenta como vantagem a solubilização de hemicelulose. Pré-tratamentos com ácido concentrado não são processos atrativos, devido ao grande risco de produção de componentes inibidores pela degradação de carboidratos (NASCIMENTO, 2011). Uma diversidade de ácidos pode ser utilizada para o pré-tratamento, tais como ácido sulfúrico (H2SO4), ácido clorídrico (HCl), ácido fosfórico (H3PO4) e ácido nítrico (HNO3) (PHILIPPINI, 2012). Algumas condições pré- estabelecidas como concentração, teor de sólidos, tempo de residência e temperatura variam conforme o material (HOWARD et al., 2003). Os custos para produzir etanol de segunda geração não atingiram condições para competir com o etanol de primeira geração e a gasolina, devido à complexidade da matéria-prima e dos processos necessários. Várias frentes de pesquisa nacionais e internacionais estão estudando o processo de produção de etanol de segunda geração para viabilizar a sua aplicação em escala comercial (ZÚÑIGA, 2010). Com isso, o objetivo do presente trabalho é estudar o pré-tratamento hidrotérmico do bagaço de cana-de-açúcar utilizando dois ácidos diluídos e quantificar a eficiência do processo por análise gravimétrica.
Material e métodos
Primeiramente a umidade do bagaço da cana-de-açúcar foi determinada em Estufa à 100°C até a estabilização da massa. Em seguida, o bagaço foi triturado e peneirado em peneiras de 10 e 20 mesh, para aumentar a superfície de contato e obter a granulometria desejada e os ácidos foram diluídos até concentrações de 1,0%; 2,0% e 3,0%. Os ensaios foram realizados em duplicata utilizando 2,0 gramas de bagaço, 20 mL da solução de ácido e conduzidos em duas condições diferentes. A primeira condição foi utilizando autoclave, com temperatura de 121°C, pressão de 1,1 bar e durante 1h30min. A segunda condição foi em banho-maria, com temperatura de 75 a 80°C, pressão atmosférica (1 bar) e durante 1h30min. Para as duas condições o resfriamento dos ensaios foi feito utilizando um banho de água até atingir a temperatura ambiente. A neutralização dos ensaios, para interromper o tratamento hidrotérmico foi realizado utilizando água corrente com o auxílio de peneiras com abertura inferior ao tamanho das partículas, para impedir a perda de material. Em seguida, o bagaço foi seco em estufa à 100°C durante 4h30min e pesado na balança. A eficiência do tratamento hidrotérmico ácido foi determinado através da análise gravimétrica da biomassa, levando em consideração sua massa antes e depois do tratamento.
Resultado e discussão
Após a realização dos ensaios foi possível calcular a eficiência do
tratamento hidrotérmico ácido nas diferentes condições de temperatura,
concentração e tipo de ácido. A Figura 1 apresenta os resultados de
eficiência para os ensaios realizados em autoclave e os resultados dos
ensaios realizados em banho-maria estão apresentados na Figura 2.
Analisando os resultados obtidos através dos procedimentos utilizando
autoclave e banho maria, observou-se que houve maior eficiência em todas as
amostras que foram submetidas a elevação da temperatura e pressão em
autoclave a 121°C e 1,1 bar.
Desta forma, para o pré-tratamento hidrotérmico ácido o banho-maria sob
condições de 80°C e pressão de 1 bar não apresentou resultados satisfatórios
para o objetivo do pré-tratamento. Desta forma, foi possível concluir que,
sob essas condições, o banho-maria não é ideal para a realização do
procedimento devido ao fato da temperatura não ser constante e homogênea.
Comparando os resultados em relação aos dois tipos de ácido utilizado foi
possível notar que o ácido sulfúrico apresentou eficiência em todas as
concentrações e nas duas condições de tratamento (autoclave e banho maria).
Em relação às concentrações de ácido utilizadas observou-se que a
porcentagem de remoção foi diretamente proporcional ao aumento da
concentração, exceto para o ácido sulfúrico a 3,0% utilizando autoclave, que
foi ligeiramente inferior à de 2,0%. No entanto, a diferença foi menor que
2%.
Esta pequena discrepância pode ser devido à diluição do ácido de acordo com
SANTOS (2013), pois no ensaio com autoclave o bagaço utilizado apresentou
umidade de 27,3%. No ensaio realizado com banho-maria esta pequena variação
não foi observada, pois a umidade do bagaço era de 13,8%.
De acordo com PALMQVIST et al. (2000) as melhores condições do pré-
tratamento é utilizando ácido diluído de aproximadamente 4% (v/v) e
temperatura entre 140 e 200°C. Para CANILHA et al. (2010) a utilização de
ácido sulfúrico com concentração de 72% (v/v) à temperatura de 121°C por 30
minutos forneceu os melhores resultados.
A partir dos ensaios realizados foi possível identificar que as melhores
condições para a realização do pré-tratamento ácido, de acordo com a
metodologia realizada no presente trabalho, são em autoclave (à temperatura
de 121°C e pressão de 1,1 bar) e utilizando ácido sulfúrico com concentração
próxima a 2%.
A realização do pré-tratamento do presente estudo utilizando
concentrações de ácido menores que a do estudo realizado por CANILHA et al.
(2010) apresenta a vantagem de gerar menor resíduo ácido e possível
diminuição do pH da água residual do processo, além de conseguir neutralizar
a solução mais facilmente.
Quando comparado com o estudo realizado por PALMQVIST et al., (2000) o
presente estudo apresenta a vantagem de ser conduzido em a temperaturas mais
baixas exigindo menor recurso energético para elevar a temperatura.
Eficiência do pré-tratamento hidrotérmico ácido para os ensaios realizados em autoclave (121°C; 1,1 bar; 1h30min).
Eficiência do pré-tratamento hidrotérmico ácido para os ensaios realizados em banho-maria (80°C; P atm; 1h30min).
Conclusões
Com a realização do pré-tratamento hidrotérmico ácido, foi possível concluir que o ácido sulfúrico apresentou maior eficiência em todas as concentrações e nas duas condições de tratamento (autoclave e banho-maria) comparado com o ácido fosfórico. Quando se utilizou ácido sulfúrico em autoclave, a concentração de 2% apresentou melhor resultado quando comparado com as concentrações de 1% e 3%. Os ensaios utilizando autoclave apresentaram maior eficiência em todas as amostras, comparada com o banho-maria, devido à temperatura permanecer constante e homogênea. Desta forma, as melhores condições para a realização do pré-tratamento hidrotérmico ácido são: temperatura de 121°C e pressão de 1,1 bar.
Agradecimentos
Referências
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