Síntese de catalisador heterogêneo a partir da sílica extraída da casca de arroz e iodeto de potássio para a aplicação em reações de produção de biodiesel
ISBN 978-85-85905-23-1
Área
Química Verde
Autores
Pereira, C.A.F. (UFVJM) ; Macedo, A.L. (UFVJM) ; Fidêncio, P.H. (UFVJM) ; Fabris, J.D. (UFVJM) ; Fernandes, J.P.S. (IFNMG)
Resumo
Buscou-se o desenvolvimento de catalisador heterogêneo, formado por sílica extraída da casca de arroz (CA) e iodeto de potássio (KI). A extração da sílica foi feita por lixiviação ácida e calcinação. O material obtido foi caracterizado por fluorescência e difratometria de raios X, infravermelho e área superficial BET (Brunauer, Emmett e Taller). Os resultados mostram um material de alta pureza (99,2% de sílica) e área superficial (205 m2g-1), com características amorfas. A sílica foi impregnada com KI e aplicada em reações de transesterificação. O biodiesel produzido foi analisado por cromatografia gasosa e o teor de ésteres encontrado foi de 98,4%. Os resultados mostram que a sílica da CA possui boas perspectivas para ser utilizada na síntese de catalisadores para a produção de biodiesel.
Palavras chaves
Sílica; Biodiesel; Catalisador Heterogêneo
Introdução
A temática sobre fontes de energias renováveis tem assumido lugar de destaque nas últimas décadas. Modelos energéticos ambientalmente amigáveis e viáveis economicamente vem sendo desenvolvidos para substituir as atuais fontes de energia, vindas dos combustíveis fósseis (LONG e JI, 2016). No Brasil, cerca de 45% do setor energético é de fontes renováveis (como biocombustíveis, eólica, solar, hidroelétrica) em detrimento da fração de 15% se considerarmos os demais países do mundo (BRASIL, 2015). O etanol, no cenário nacional, já tem seu lugar consolidado. O biodiesel, que tem sua produção estimulada pelo governo com a gradual inserção em misturas com o diesel de petróleo comercializado nos postos de combustíveis, percentual hoje que chega a 10% (BRASIL, 2018), vem ganhando importância cada vez maior visto o número de pesquisas científicas e tecnológicas voltadas para a área. As investigações são, principalmente, sobre rotas químicas alternativas e utilização de novas matérias-primas, numa busca de tornar o processo produtivo mais rentável e competitivo, além de suprir as deficiências do atual processo produtivo utilizado majoritariamente pelas indústrias, a transesterificação de óleo vegetal ou gordura animal com catalisador homogêneo básico, geralmente hidróxido de sódio (NaOH) ou hidróxido de potássio (KOH) (MEHER et al., 2006). Apesar das vantagens nítidas dessa tecnologia, que incluem baixo tempo reacional e condições brandas de reação, possui desvantagens que não podem ser ignoradas e que são limitantes em alguns aspectos, dentre eles a matéria-prima a ser utilizada. Essa deve ter baixo teor de ácidos graxos livres (AGL) e água, pois esses fatores influenciam diretamente no rendimento do processo. Além disso, a purificação do biodiesel produzido exige grande quantidade de água, gerando um volume alto de efluente tóxico, que deve ser tratado antes do descarte (SEMWAL et al., 2011). A transesterificação via catálise heterogênea minimiza alguns desses problemas, pois possibilita a maior flexibilização das matérias- primas utilizadas, reduz significativamente a quantidade de efluentes gerados e o catalisador pode ser recuperado e reutilizado em outros processos reacionais (HARA, 2009; SANTÓRIO et al., 2016). No entanto, demanda um maior tempo reacional e maior quantidade de álcool. São inúmeras as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de catalisador heterogêneo de baixo custo, de fácil produção e eficiente, que possa vir a substituir de fato os catalisadores homogêneos utilizados no setor energético industrial. Alguns têm sido relatados na literatura científica: KI/sílica (SAMART et al., 2009); fluoreto de potássio e óxido de magnésio, KF/MgO (ZHOU et al., 2013); óxido de cálcio, CaO (KAWASHIMA et al., 2009); óxido de cálcio e óxido de alumínio, CaO/Al2O3 (UMDU et al., 2009); fluoreto de potássio e óxido de alumínio, KF/γAl2O3 (CUI et al., 2007); KF/hidrotalcita (GAO et al., 2008). Certos materiais sólidos, como o CaO, se individualmente aplicados, têm atividade catalítica em reações de transesterificação. Outros catalisadores são formados com a associação de dois ou mais componentes, geralmente com um composto ativo inserido na superfície de um suporte inorgânico, como os sistemas KF/γAl2O3 e KI/sílica. A sílica (SiO2) é um dos principais suportes utilizados na catálise heterogênea (ROSSI et al., 2014) e é amplamente distribuída na natureza e pode ser, também, facilmente sintetizado (FAROOK et al., 2012). A casca de arroz (Oryza sativa) tem despertado interesse em relação a extração de SiO2, que pode representar uma fonte efetiva de redução de custo para a síntese de alguns catalisadores/suportes (CHEN et al., 2015). Normalmente a casca constitui 20-22% da produção total do arroz e uma grande quantidade é descartada pela indústria como um resíduo (SHEN, 2017). Neste sentido, buscou-se o desenvolvimento de um catalisador heterogêneo a partir de sílica extraída da casca de arroz e iodeto de potássio (KI) para aplicação em reações de transesterificação com óleo de soja e metanol para a produção de biodiesel.
Material e métodos
A sílica utilizada como suporte do catalisador heterogêneo foi obtida da casca de arroz (CA). Primeiramente, foi feita a lixiviação ácida do resíduo, utilizando ácido clorídrico (HCl) 10% v/v, na proporção CA:ácido de 1:9 m/v. A mistura foi homogeneizada e colocada em autoclave por 1h, com temperatura de 121°C e pressão constante de 1,5 kgf/cm2. Posteriormente, o material resultante foi lavado com água corrente até que fosse atingido o pH 7, sendo a última lavagem com água mili-Q, seco em estufa e calcinado em forno mufla por 4 horas 650ºC, obtendo-se as cinzas da casca de arroz. A caracterização foi feita por difratometria de raios X (DRX), utilizando-se um difratômetro Shimadzu – Modelo XRD 600, com tubo de radiação CuKα, = 1.541838 Å; área superficial determinada pelo método BET com um equipamento Autosorb Quantachrome; infravermelho (IV), através de espectrofotômetro FT-IR Varian 640 e registrados no intervalo de 4000 a 400 cm-1, com resolução de 4 cm-1, a 16 varreduras, pelo método da pastilha em brometo de potássio (KBr); fluorescência de raios X , feita em equipamento Shimadzu EDX-720. Geração de Sítios Básicos na Sílica por Tratamento com KI A preparação do catalisador heterogêneo a base de sílica foi fundamentado no método de impregnação, conforme descrito por Macedo e colaboradores (2016). Em um béquer contendo sílica, adicionou-se solução aquosa de KI 35% m/v. A mistura foi homogeneizada em banho ultrassônico por 25 minutos, filtrada com auxílio de bomba a vácuo, seca em estufa 150º C por 2h e calcinada em forno mufla 500º C por 2 h. Reações de transesterificação A atividade do catalisador preparado foi testada em reações de transesterificação, para a produção de biodiesel, a partir de óleo de soja e metanol, sob refluxo e agitação mecânica, com 10% de catalisador em relação a massa do óleo e razão metanol:óleo de 9:1 v/v. As reações foram monitoradas por cromatografia de camada delgada (CCD), utilizando-se como eluente hexano:acetato de etila na razão 9:1 e iodo para revelação das placas. Após término das reações, o catalisador foi separado por filtração. A fração contendo glicerina e ésteres foi colocada em funil de decantação, a glicerina (parte inferior) foi retirada, a mistura de ésteres teve o pH medido com auxílio de fitas de pH com escala de 0-14 e, posteriormente, foi lavada com água destilada e seca com sulfato de magnésio (MgSO4). O biodiesel foi analisado por cromatografia gasosa acoplada a espectrômetro de massa (CG/EM) usando-se o cromatógrafo Perkin Elmer Clarus 600.
Resultado e discussão
A sílica obtida foi analisada quanto a sua composição química, morfologia e
estrutura cristalográfica. Um parâmetro de avaliação importante da sílica é
a composição química, já que a casca de arroz possui composição variável,
dependente de fatores ambientais, como regiões de plantio, clima, composição
do solo ou mesmo o uso de pesticidas (SOARES, 2009). Para a obtenção de um
material com maior nível de pureza, procederam-se as etapas de lixiviação
ácida e calcinação, processos que eliminam compostos indesejáveis ao produto
final. Os resultados das análises da composição química da cinza da casca de
arroz por raios X revelam um percentual de sílica de 99,2%, indicando a
viabilidade e a eficiência do processo. Fernandes e colaboradores (2014)
realizaram procedimento semelhante, no qual três distintos ácidos (cítrico,
acético e oxálico) foram usados na lavagem das cascas de arroz. As amostras
tratadas com os respectivos ácidos apresentaram teores em sílica em torno de
99,7. A DRX foi realizada no intuito de verificar a cristalografia do
material obtido (amorfa ou cristalina). De acordo com o padrão de
difratometria da Figura 1, a sílica obtida apresenta uma fase
predominantemente amorfa. O difratograma apresenta uma banda larga na região
entre 15-35° 2θ, o que está relacionado ao estado amorfo da sílica obtida,
semelhante ao reportado na literatura (LIOU, 2004; GONÇALVES et al., 2009,
Bakar et al., 2016). Dessa forma, a casca de arroz se faz uma ótima fonte de
obtenção de sílica amorfa. Do ponto de vista catalítico, é importante
conhecer a área superficial dos componentes individuais do catalisador
preparado. As isotermas de adsorção-dessorção de nitrogênio (N2) na sílica e
a distribuição dos tamanhos de poros correspondentes para o suporte de
sílica são mostrados na Figura 2. A isoterma é do tipo IV, que é
característica de sólidos mesoporosos. A área superficial da sílica é de 206
m2 g-1. Costa e Paranhos (2018), em trabalho semelhante de extração da
sílica da casca do arroz, no qual utilizaram dois tipos de amostras,
obtiveram resultados de área superficial, 293 e 170 m2 g-1. O espectro IV da
sílica apresenta uma banda em 965 cm-1, atribuível à deformação dos grupos
silanóis livres, uma banda de estiramento na região de 1050 cm-1 e 4170 cm-
1, característica de grupos siloxanos (Si-O-Si). O espectro apresentou a
mesma característica do encontrado por Bakar e colaboradores (2016). Após a
caracterização da sílica, o material foi impregnado com KI para a geração de
sítios ativos na sua superfície. Trabalhos reportados na literatura, como
Macedo (2017), mostram que a sílica pura não é capaz de catalisar a reação
de transesterificação para a produção de biodiesel. O catalisador
sintetizado foi testado nas reações de transesterificação com óleo de soja e
metanol, em condições reacionais consideradas altas, 10% de catalisador e
razão volumétrica de 9:1 metanol:óleo. Esses valores foram escolhidos para
assegurar que as baixas quantidades de metanol ou de catalisador não fossem
as responsáveis pela ausência da produção de ésteres no processo. Foi usada
a CCD para acompanhamento da reação e após 1 h todo o material de partida
(triacilglicerídeos) havia sido consumido. A reação foi finalizada, esfriada
até temperatura ambiente e o catalisador foi recuperado por filtração. A
parte líquida foi colocada em funil de decantação. A glicerina, subproduto
reacional, foi retirada e o biodiesel obtido estava com pH 7. Esse fator é
essencial para redução da geração de efluentes, já que pouca água foi usada
para lavagem e purificação do biodiesel, que posteriormente foi seco com
sulfato de magnésio. Após esses processos, ele foi submetido a CG/EM. O teor
de ésteres obtidos foi de 98,2%, valor superior ao teor mínimo determinado
pelo regulamento técnico da Agência Nacional do Petróleo, ANP Nº 45/2014,
que deve ser de 96,5% (ANP, 2014).
Difratograma de raios-X da sílica obtida a partir das cascas de arroz
Isotermas de adsorção de N2 da sílica (à esquerda) e distribuição do tamanho de poros (à direita)
Conclusões
O presente trabalho oferece uma proposta viável de um catalisador sólido para a produção de ésteres metílicos de ácidos graxos (biodiesel), via reação de transesterificação de triacilgliceróis de óleos vegetais. Os dados da caracterização da sílica mostram um material com características adequadas para ser utilizada como suporte inorgânico, como alta pureza (99,2% de sílica), porosidade e grande área superficial (205 m2 g-1). O pH neutro da mistura de ésteres no final da reação requereu menor número de lavagens do produto e, na escala industrial, implica menor geração de efluentes tóxicos, característica ambientalmente mais sustentável. A reação de transesterificação apresentou rendimento elevado, superior a 98%, valor acima do teor mínimo de ésteres estabelecidos pela ANP (96,5%). Assim, o catalisador heterogêneo sintetizado a partir da casca de arroz e KI possui ótimas perspectivas para ser usado na produção de biodiesel. Trabalhos futuros de caracterização e testes de reaproveitamento do catalisador e otimização do processo reacional vão agregar um valor ainda maior a pesquisa até aqui desenvolvida.
Agradecimentos
UFVJM, ao Departamento de Química da UFMG, ao apoio do LMMA patrocinada pela FAPEMIG (CEX-112-10 e CEX-RED-00010-14), ao Departamento de Engenharia Química da FACIT, à CAPES e CNPq.
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