ESTUDO DA HISTÓRIA DA QUÍMICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA PARA O ENSINO MÉDIO
ISBN 978-85-85905-23-1
Área
Ensino de Química
Autores
Albuquerque, D.S. (UFMA) ; Costa, I.P. (UEMA) ; Maciel, A.P. (UFMA)
Resumo
O livro didático de Química para o Ensino Médio é um instrumento importante para o processo de ensino-aprendizagem, portanto a sua escolha deve considerar diversos aspectos de forma a facilitar o aprendizado. Dentre os fatores que devem ser observados na avaliação dos livros didáticos, este trabalho focou no aspecto historiográfico dos mesmos. Para tal análise, selecionamos quinze livros de química para o Ensino Médio de cinco coleções distintas, onde os aspectos quantitativos e qualitativos da História da Química foram discutidos. Os resultados obtidos sugerem uma preocupação com o contexto histórico e indicam uma dificuldade de articulação com o conteúdo, apresentando os fatos históricos de forma fragmentada, não contribuindo para uma melhor compreensão da historicidade da Química.
Palavras chaves
Livro Didático; História da Química; Ensino Médio
Introdução
O problema da facilidade de geração de informações é a grande quantidade de materiais com pouca profundidade, estimulando o crescimento superficial do conhecimento nas mais diversas áreas sem, contudo, aprofundar-se em nenhuma, uma vez que prezasse pela máxima retenção de informações variadas sobre os mais diversos assuntos de maneira imediata e rápida, sem perda de tempo. Crescemos em largura e diminuímos em profundidade. Isso contribui para que o indivíduo tenha apenas uma compreensão rasa daquilo que o material oferece, dificultando a apropriação daquele saber. Apesar de não ser regra geral, esse panorama tem se refletido em muitos livros didáticos de Química, que é apresentada como uma disciplina comprometida apenas com transmissão de conceitos, definições, postulados e fórmulas de maneira concisa sem tanta discussão. Porém, mais do que isso, a química possui um caráter investigativo e cada teoria é concebida dentro de um contexto histórico que não deve ser omitido. Apesar de muitos livros tratarem da história da química, ainda é difícil encontrarmos materiais didáticos que possam apresentar os bastidores por trás das definições que são apresentadas. Muitas vezes a história é colocada apenas como informativa sem correlação com o assunto abordado, impedindo que o aluno possa associar o assunto abordado com aquela informação. Outro ponto que vale ressaltar é a presença de certos anacronismos, uma vez que o autor tende a conceber que o cientista de um século passado tenha as mesmas percepções de mundo que temos hoje. Porém, se o aluno puder ter acesso à visão de mundo que o pensador possuía ao desenvolver determinado postulado, ou ao propor um determinado experimento, ele terá mais elementos para entender a gênese desta ou daquela teoria. Conforme MORADILLO et al (2008) a importância da História e Filosofia da ciência para a educação científica tem sido amplamente reconhecida em décadas anteriores a 2008, seja informalmente, seja formalmente através de propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN’s) e as Novas Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. Para MATTHEWS (1994) apud MORADILLO et al (2008) ensinar sobre as ciências é tão importante quanto ensino da ciência. Para este autor, o ensino sobre ciência inclui tanto a discussão dinâmica da atividade científica, além de envolver a sua complexidade manifestada no processo de geração do conhecimento científico. Conforme VIDAL et al (2012): “Se, por um lado, se pode argumentar que é perfeitamente possível aprender conteúdos de ciências sem recorrer à abordagem histórica, também se pode argumentar, por outro lado, que a aprendizagem de conteúdos não deve ser a única preocupação dos atuais educadores em ciências. Além dos conteúdos, que podem ser considerados como os produtos da ciência, também se considera importante aprender aspectos do processo de construção do conhecimento científico, inclusive, sua interação com o contexto social. ” (VIDAL et al, 2012, p. 293). Diante desse panorama, o presente trabalho, busca avaliar e comparar a produção bibliográfica da história da Química presente nos livros didáticos de química para fins educacionais, bem como verificar se o texto consegue evidenciar o dinamismo científico dentro do desenrolar da história humana além de quantificar as ilustrações que dizem respeito ao contexto histórico e analisar a coerência, a clareza bem como o nível de entrelaçamento destas com o tema.
Material e métodos
Foram utilizadas cinco coleções de livros didáticos de Química do Ensino Médio, totalizando 15 livros, para a realização da avaliação da abordagem histórica do conteúdo, bem como a sua correlação com outros assuntos apresentados. Das cinco coleções, a mais recente é de 2014, duas são de 2013 e outra mais antiga de 1998. Esses livros foram escolhidos por se tratarem dentre os mais usados em salas de aulas, sendo que três dessas coleções tiveram as edições mais recentes recomendadas no Plano Nacional do Livro Didático - PNLD 2018. Além disso, uma outra coleção de 2010 foi escolhida em virtude de sua autora, Martha Reis, ser muito utilizada e, inclusive, indicada pelo PNLD 2018. Quanto à quinta coleção, de autoria do Antônio Sardella, mais antiga (de 1998), foi escolhida para possibilitar uma avaliação do desenvolvimento do livro didático com o passar do tempo. Para uma melhor Alguns parâmetros foram considerados na análise, tais como: 1. A quantidade de informações históricas; 2. O grau de integração entre o contexto histórico e o conteúdo apresentado; 3. Apresentação do caráter transitório da ciência; 4. Quantificação das ilustrações relacionadas com a história, bem como o grau de articulação com o texto. Afim de simplificar a nossa discussão dos resultados, adotamos um sistema de símbolos onde foram atribuídas as seguintes abreviaturas às coleções: L1 - SARDELLA, Antônio (1998); L2 - REIS, Martha (2010); L3 – ANTUNES, M.T (Ed) (2013); L4 - SANTOS, W. L. P. dos (Coord.) et al (2013); L5 - MORTIMER, E.F; MACHADO, A.H (2014).
Resultado e discussão
a.Quantidade de páginas com conteúdo de natureza histórica da Química
Conforme podemos observar no Gráfico 1, o L2 (2010) e o L4 (2013) são os que
apresentaram maior volume de informações históricas, tendo o L1 (1998), L3
(2013) e L4 (2014) com os menores índices. Esse perfil randômico deve a sua
explicação à natureza dos diferentes enfoques que as coleções apresentam.
Nas extremidades temos as menores tendência, uma vez que o L1 é uma coleção
de 1998 quando a abordagem histórica ainda não era tão notável nos livros
didáticos, e o L5 que, apesar de ser uma coleção do ano de 2014, com a nova
edição recomendada pelo PNLD 2018 (BRASIL, 2017) apresenta menor
contribuição que o esperado devido ao seu enfoque diferenciado que contrasta
bastante com as outras coleções. Conforme (FNDE, 2018) descreve a 3ª edição
desta coleção L5, o livro busca romper com o ensino de conteúdos por meio de
memorização, valorizando propostas de atividades investigativas,
contextualização e abordagens temáticas, apesar da coleção tratar da
história da Química em diversos momentos.
Já a coleção L3 possui um forte enfoque à contextualização,
interdisciplinaridade e reflexão do conteúdo apresentado, apesar da coleção
apresentar em sua diagramação uma seção chamada “Química tem história”, onde
diversos fatos históricos correlatos são abordados, a quantidade de
informações foi relativamente pequena.
A coleção L2 apresenta uma seção chamada “curiosidade” onde é mencionado um
fato relacionado ao assunto, seja ele um fato histórico, a minibiografia de
um cientista ou alguma discussão extra. Apesar disso, ela possui sua maior
contribuição de abordagens históricas no seu primeiro volume, onde os fatos
históricos não se limitavam apenas à seção “curiosidade”, como também
estavam presentes no próprio texto.
A coleção L4 é a que apresenta maior volume de informações de natureza
histórica, apresentando, inclusive, uma seção chamada “História da Ciência”
que disponibiliza textos sobre a origem de ideias e de conceitos, os
aspectos biográficos de alguns cientistas, além da influência dos fatos
históricos no desenvolvimento da Química (BRASIL, 2017) isso pode ser
percebido até pela descrição da 3ª edição da coleção apresentada no PNLD
2018.
Conforme podemos observar no Gráfico 2, os assuntos que tiveram maior
contribuição para a abordagem histórica da Química nos livros do primeiro
ano para o Ensino Médio foram: Atomística, Tabela Periódica e os Fundamentos
da Química. Nesses assuntos, os livros buscavam expor os diversos modelos
explicativos propostos no decorrer da história que objetivavam descrever da
melhor forma um determinado fenômeno, permitindo ao aluno uma visualização
melhor da transitoriedade dos modelos explicativos que a ciência propõe,
embora a sua abordagem linear possa dificultar ao aluno a percepção das
complexidades e contradições que permeiam o “fazer científico”.
Os conteúdos que mais contribuíram para o volume de abordagens históricas
nos livros de Físico-Química para o Ensino Médio foram: Energia Nuclear,
Equilíbrio Químico, Termoquímica/Cinética e Eletroquímica (Gráfico 3).
Os livros do terceiro ano apresentaram diferenças acentuadas de estruturas e
perspectivas em virtude da grande variedade de propostas das coleções com
relação à área de Orgânica. Tendo poucos pontos de contatos com relação aos
temas (Gráfico 4).
Por isso, observamos que a distribuição dos fatos históricos nos livros de
Química Orgânica para o Ensino Médio se apresentou bem diluída, uma vez que
poucos temas tiveram algum grau significativo de participação, como a parte
estrutural que apresentou o maior grau de influência, seguida de Reações e,
com apenas dois livros, eletroquímica e polímeros (Gráfico 7).
b. O grau de integração entre o contexto histórico e o conteúdo
apresentado.
Muitas coleções apresentaram a abordagem histórica do conteúdo dentro de
seções separadas do texto principal, sob títulos como “curiosidade”, “saiba
mais...” e “Química tem história”. Essa forma de apresentar o conteúdo
histórico, por um lado, proporciona ao aluno a escolha de “saltar” esses
recortes históricos para focar primeiro na compreensão do assunto principal,
facilitando uma visão geral do assunto, para que depois ele tenha acesso aos
bastidores históricos. Por outro lado, em alguns momentos, é possível
observar dificuldades de articulação com o assunto, uma vez que a
perspectiva histórica acaba sendo apresentada como um adendo desarticulado
do assunto principal, consistindo mais em uma informação extra e secundária
já que sua leitura pode ser dispensada, sendo difícil observar algum nível
significativo de articulação com o conteúdo.
Em diversos momentos, o contexto histórico foi apresentado de forma
ilustrativa apenas, não se preocupando em buscar os possíveis elementos
historiográficos que influenciaram esta ou aquela descoberta, dificultando
que o aluno possa observar o desenrolar da Química em meio aos bastidores
históricos, sendo influenciada e influenciando a história humana.
A apresentação da história da Química nos livros selecionados foi realizada,
no geral, de forma linear. Esse formato, apesar de permitir ao aluno a
observação da transitoriedade das diversas propostas científicas, uma vez
que estão sujeitas a correções e ajustes a cada nova evidência descoberta,
pode também contribuir para a falsa impressão de que as descobertas
acontecem sem qualquer erro ou impedimento de forma cumulativa e linear.
O principal obstáculo observado na abordagem histórica foi a dificuldade de
transparecer os elementos sociais, políticos e econômicos por trás de cada
descoberta. Esse empecilho acaba favorecendo uma ideia de que o desenrolar
da ciência ocorre de forma neutra e desvinculada dos mais diversos
interesses que permeiam a história humana. Como se a história da ciência se
desenvolvesse de forma emancipada da realidade, e alheia ao contexto social.
d. Quantificação das ilustrações relacionadas com a história, bem como
o grau de articulação com o texto.
LEMES et al (2010) explica que o objetivo das imagens não se limita apenas à
função explicativa, porém estende-se para as funções motivadoras,
informativas e mesmo reforçadoras de ideias, tornando o seu uso de
fundamental importância nos processos de aprendizagem dos alunos. A imagem
deve ser complementar ao texto, enriquecendo a sua compreensão, condensando
a sua explicação ou tornando aquele assunto mais palatável ao aluno.
No que diz respeito à imagem que se propõe a contextualizar, historicamente,
um determinado conteúdo, espera-se que tal imagem permita ao aluno perceber
o ambiente histórico em que aquele determinado conteúdo foi concebido. A
distribuição de imagens relacionadas com a história da Química apresentou um
perfil inverso ao volume de informações historiográficos (Gráfico 5).
Conforme podemos observar, L1 e L5 foram os responsáveis para que o gráfico
apresentasse um perfil inverso com relação à distribuição de recortes sobre
a história da Química (Gráfico 1). Isso aconteceu porque, apesar de poucas
informações referentes à história da Química, presentes em L1 e L5, quando
comparado com outras coleções (Gráfico 1), foi possível observar um grande
número de ilustrações com os rostos dos principais protagonistas da ciência
sem intercalar com tantas informações referente ao contexto histórico,
tratando-se em alguns momentos apenas de Gráficos isoladas no decorrer do
capítulo, resultando no aumento significativo de ilustrações em relação ao
volume de informações de caráter historiográfico (Gráfico 5).
Quadro referentes aos gráficos 1, 2, 3 e 4, descritos durante a análise.
Distribuição das figuras e ilustrações nos livros didáticos analisados.
Conclusões
Após a breve análise realizada, podemos perceber um interesse pela História da Química nos livros didáticos selecionados para essa avaliação. Interesse tanto da parte dos autores, quanto da parte das próprias sugestões do MEC que, através do PNLEM, incentiva e recomenda o uso da História da Química como ferramenta de desmistificação de estereótipos com relação à ciência, através de melhorias na apresentação do conteúdo. No entanto, apesar dessa preocupação com a contextualização histórica, ainda é possível perceber a dificuldade de articulação com o conteúdo apresentado. Ainda há a percepção de que contextualizar com a história trata-se apenas de apresentar um recorte histórico isolado que possui alguma relação com o conteúdo. Conclui-se, portanto, que o principal desafio não diz respeito ao volume ou à disponibilidade de abordagens históricas, mas sim ao modo mais adequado de estruturar esse conteúdo da forma mais contextual possível sem, contudo, perder a sua didática.
Agradecimentos
Referências
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