Análises de resíduos do biocida antiincrustante diuron e seu produto de degradação, DCPMU, em amostras de água marinha de São Luís (Brasil) por UPLC-QqLIT-MS/MS

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Ambiental

Autores

Viana, J.L.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO) ; Santos, L.H.M.L.M. (INSTITUT CATALÀ DE RECERCA DE L'AIGUA) ; Santos, S.R.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO) ; Almeida, M.A.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO) ; Mozaz, S.R. (INSTITUT CATALÀ DE RECERCA DE L'AIGUA) ; Barceló, D. (INSTITUT CATALÀ DE RECERCA DE L'AIGUA) ; Franco, T.C.R.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO)

Resumo

O herbicida diuron é um dos biocidas mais amplamente difundidos em tintas anti-incrustantes aplicadas em superfícies submersas a fim de evitar a bioincrustação. Devido ao caráter tóxico deste biocida e de seu produto de degradação DCPMU, suas ocorrências foram investigadas em amostras de água marinha. As análises foram realizadas por UPLC-QqLIT-MS/MS. Diuron foi quantificado em todas as amostras analisadas, com máxima concentração de 14,43 ng L-1, observada em uma amostra dos Cais da praia Grande. DCPMU, cuja presença nunca havia sido avaliada na região, foi detectado em duas amostras, com concentrações de 1,28 ng L-1 e 0,72 ng L-1. Este trabalho mostra que os níveis de diuron estão em declínio, de acordo com estudos anteriores sobre sua ocorrência nesta região.

Palavras chaves

Antiincrustantes; Diuron; DCPMU

Introdução

A bioincrustação marinha pode ser descrita como a comunidade de organismos que se fixam e crescem nas superfícies externas de objetos submersos ou semi-submersos, tais como plataformas petrolíferas e cascos de navios. Esse é um processo indesejável, uma vez que a presença desses organismos provoca aumento na resistência à fricção de embarcações em movimento na água, resultando em um decréscimo de velocidade, incremento no consumo de combustível, manobrabilidade mais pobre, além de desencadear processos de corrosão (DAFFORN, LEWIS e JOHNSTON, 2011; TURNER, 2010; YEBRA, KIIL e DAM- JOHANSEN, 2004). Para minimizar esse problema, o artifício mais utilizado é o revestimento dessas estruturas com tintas contendo compostos com propriedades anti-incrustantes. Atualmente a Organização Marítima Internacional (OMI) homologa uma série de substâncias conhecidos como biocidas de reforço, que são amplamente utilizados para este fim, porém muitas delas, como o diuron, apresentam alta toxicidade a organismos não- alvo e econtram-se amplamente difundidas em diferentes compartimentos ambientais devido ao seu frequente uso. Diuron (3-(3,4-Diclorofenil)-1,1-dimetilurea) é um herbicida pertencente à família das fenilamidas e da subclasse das fenilureias (GIACOMAZZI e COCHET, 2004). Em microrganismos e em plantas atua inibindo a fotossíntese, prevenindo a produção de oxigênio e a transferência de elétrons na segunda etapa fotossintética. A frequente detecção do diuron se deve ao seu emprego na composição de tintas antiincrustantes, assim como sua ampla utilização em outras áreas de aplicação, principalmente no controle de ervas daninhas em atividades agrícolas (KONSTANTINOU e ALBANIS, 2004). Este biocida tem uma taxa muito lenta de hidrólise natural numa solução neutra a 25 °C e a biodegradação parece ser sua principal causa da degradação (GIACOMAZZI e COCHET, 2004). Diuron é classificado pela legislação europeia como um pesticida prioritário por meio da Directiva 2013/39/EU (PINTO et al., 2016; SOUSA et al., 2017). Estudos de toxicidade crônica revelaram que este herbicida seria a causa de tumores uroteliais e hiperplasia urotelial em ratos (PAULA et al., 2013). Barranger et al. (2013) demonstraram que o biocida pode gerar danos estruturais ao DNA de ostras, além de transmissão parental desses danos. Toxicidade aguda e danos morfológicos à Artemia salina foram relatados por Shaala et al. (2015). Além disso, Akcha, Spagnol e Rouxel (2012) reportaram efeitos embriotóxicos e genotóxicos no esperma de ostras em concentrações ambientalmente relevantes. O produto de degradação de diuron, DCPMU, é proveniente de uma reação de N- desmetilação sob condições aeróbicas. Nesse processo, outros produtos, como DCPU e DCA também são formados (GATIDOU et al., 2004). Sabe-se que a toxicidade de determinadas substâncias podem ser potencializadas por suas transformações em outros produtos. Os potenciais efeitos tóxicos de DCPMU ainda são pouco estudados, porém alguns trabalhos demonstram sua toxicidade a organismos não-alvo (PEREIRA et al., 2015). Estudos sobre a ocorrência de de DCPMU em matrizes ambientais ainda são bastante escassos (GATIDOU, THOMAIDIS e ZHOU, 2007). A Ilha de São Luís está localizada em uma vasta área de manguezal que, juntamente com o nordeste do estado do Pará, constitui-se na Costa de Manguezais de Macromaré da Amazônia (CMMA), uma região de enorme relevância ecológica, sendo berçário de diversas espécies que podem sofrer prejuízos diretos pelo uso de biocidas anti-incrustantes em suas adjacências. Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar e quantificar o biocida diuron e seu produto de degradação DCPMU em amostras de água marinha de regiões que apresentam tráfego de embarcações na Ilha de São Luís e assim realizar um mapeamento das áreas onde essa substância é mais utilizada.

Material e métodos

Foram coletadas 27 amostras de água marinha em nove pontos ao redor da Ilha de São Luís no mês de abril de 2018. Os locais de amostragem são regiões onde tráfego de embarcações e atividades correlatas são predominantes. Todos os solventes utilizados foram de grau Lichrosolv®, adquiridos de Merck (Darmstadt, Alemanha). Os analitos foram extraídos por extração em fase sólida (SPE): 500 mL de água previamente filtrados foram pré-concentrados em cartuchos SPE de fase reversa polimérica StrataTM-X (200 mg/6 mL) (Phenomenex®, Torrance, CA, USA) a um fluxo de 4 mL min-1. O condicionamento foi realizado com 2x3 mL de água ultrapura, seguido de 2x3 mL de metanol; 6 mL de água ultrapura foram utilizados para a limpeza. A eluição se deu com de 2x3 mL de metanol à vazão 1 mL min-1. Os extratos foram levados à secura sob fluxo suave de nitrogênio e, então, reconstituídos a 1 mL com uma mistura 20:80 de metanol e água ultrapura. A separação cromatográfica foi realizada por um cromatógrafo líquido de ultra eficiência (UPLC®) Waters Acquity Ultra-PerformanceTM (Milford, MA, USA), equipado com dois sistemas binários de bombeamento. A coluna utilizada foi uma Acquity HSS T3 (50 mm x 2,1 mm i.d., 1,8 µm), (Waters Corporation). Para análise de diuron as fases móveis empregadas foram (A) água ultrapura acidificada com 0,1 % de ácido fórmico e a fase orgânica foi constituída de (B) acetonitrila. A corrida cromatográfica iniciou-se com e 20 % de (A), que foi aumentando gradativamente até 100 % em 5,0 minutos. As condições iniciais foram restabelecidas em 5,1 minutos e mantiveram-se até o final da corrida, aos 6,0 minutos. O fluxo foi de 0,6 mL min-1 e o volume de amostra injetado foi de 10 µL. As análises de DCPMU foram realizadas de acordo como proposto por Santos et al., in preparation. O solvente (A) foi metanol e o solvente (B) se constituiu de um tampão ácido fórmico/formiato de amônio (pH 3,2). O gradiente utilizado tinha condições iniciais 5 % de (A), que aumenta a 95 % em 4,5 minutos; em 4,6 minutos a composição de (A) chega a 100 %, sendo mantida até 6,0 minutos. As condições iniciais foram retomadas em 6,1 minutos e mantidas até 6,7 minutos, quando a corrida, à vazão de 0,5 mL min- 1, se encerra. O volume de injeção utilizado foi de 5 µL. A detecçãodos dois analitos foi realizada por um espectrômetro de massas híbrido triplo quadrupolar-captura de íons linear (5500 QTRAP) (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA), com uma fonte turbo Íon Spray. Duas transições no modo de monitoramento de reaçõesmúltiplas (MRM) foram observadas; a primeira foi usada para fins de quantificação, enquanto a segunda foi utilizada a para confirmação. As transições observadas para diuron foram (1) 233,000 > 72,000 e (2) 233,000 > 160,000; para DCPMU observou-se (1) 218,909 > 126,900 e (2) 218,909 > 161,800. Diuron-d6 foi utilizado como padrão interno para ambos analitos. A transição considerada foi 238,983 > 78,000. Os dados foram analisados pelo software Analyst 1.6.3.

Resultado e discussão

Os valores obtidos nos ensaios de fortificação pós-extração mostraram efeito de matriz de +43 % para DCPMU enquanto diuron sofreu supressão de sinal analítico de 10 %. O método proporcionou recuperações de 88 % para diuron e de 70 % para DCPMU. O limite de quantificação foi de 0,04 e 0,11 ng L-1 para diuron e DCPMU, respectivamente. Diuron foi quantificado em todas as amostras de água marinha analisadas. Este biocida tem sua ocorrência atribuída, em grande parte dos casos, ao seu uso como agente antiincrustação e tem sido identificado em áreas de tráfego de embarcações em diversas partes do mundo (ALI et al., 2014; ANSANELLI et al., 2017; BALAKRISHNAN, TAKEDA e SAKUGAWA, 2012; BATISTA-ANDRADE et al., 2016; DINIZ et al., 2014; Saleh et al., 2016; SALEH, SHEIJOONI FUMANI e MOLAEI, 2014). Apesar de seu uso como herbicida na agricultura também ser bastante difundido, os pontos amostrais considerados neste estudo estão fora de áreas agricultáveis, de modo que a contribuição deste tipo de atividade nos resultados pode ser considerada irrelevante, assim como foi desconsiderada por Diniz et al. (2014) que avaliou, pela primeira vez, este biocida no Maranhão. A maior concentração de diuron foi observada em uma amostra proveniente do Cais da Praia Grande, 14,43 ng L-1. Neste ponto de amostragem há um movimento constante de entrada, saída e atracação de barcos de médio porte, principalmente de transporte de passageiros, o que corrobora os resultados obtidos. Além disso, durante a coleta de amostra, havia atracação de barcos de transporte de passageiros. No Terminal da Ponta da Espera, onde o nível de diuron foi de 2,49 ng L-1, o tipo de atividade desenvolvida é similar, uma vez que se trata de área de tráfego de ferry boats que transportam passageiros e também automóveis. Atividades de pintura e raspagem de cascos de embarcações, que são fatores chave para a detecção deste tipo de biocida em amostras de água, são predominantes no Porto da Vovó e Estaleiro-escola, onde foram detectados 7,33 ng L-1 e 3,56 ng L-1, respectivamente do herbicida. Esses mesmos pontos amostrais foram os únicos nos quais o produto de degradação DCPMU foi detectado: 1,28 ng L-1 no Estaleiro e 0,72 ng L-1 no Porto da Vovó. Nesses dois locais, o predomínio é de barcos pequenos, utilizados por pescadores que moram nas adjacências. Diuron também foi detectado e quantificado no município de Raposa, em concentração máxima de 1,79 ng L-1. A atividade de embarcações de pequeno porte é intensa, na sua maioria relacionados à pesca. No Porto do Itaqui a concentração máxima de diuron (2,45 ng L-1) foi observada numa amostra do berço 106. Segundo dados da Empresa Maranhense de Administração Portuária (EMAP), que administra o porto, esse berço se trata de um pier que possui 420 m de comprimento e 19 m de profundidade. Neste mesmo berço operacional observou-se o maior nível médio de diuron (1,64 ng L-1). A presença de diuron foi observada em todas as demais amostras do porto, e sua concentração nessas águas variaram entre 0,07 e 2,37 ng L-1. Apesar das movimentações intensas de navios de grande porte, no Porto do Itaqui foi onde se foram detectadas as menores concentrações médias de diuron dentre todas as amostras avaliadas. Em investigação realizada por Diniz et al. (2014) em amostras de água marinha do Porto do Itaqui, a frequência de detecção de diuron foi menor do que a obtida neste trabalho, porém o nível máximo de diuron é cerca de 93 vezes maior do que o máximo reportado neste estudo. Assim, o que se observa é uma diminuição drástica da quantidade desse herbicida no Porto do Itaqui, o que pode estar ligado à proibição do uso desse composto em alguns países europeus, já que o tráfego de embarcações de outros países responde por boa parte do transporte na área portuária. Os demais pontos de coleta de água marinha em São Luís estão localizados em áreas abertas e com intensa troca de água, assim, a diluição dos analitos nessas condições é bastante provável. Levando este fato em consideração, os níveis detectados de diuron e seu produto de degradação podem estar subestimadas devido às condições dos pontos amostrais. De fato, diversos autores relatam altas concentrações de agentes antiincrustantes em locais com alto fluxo de embarcações e troca de água limitada, enquanto áreas portuárias apresentam concentrações mais baixas. Além disso, as coletas foram realizadas na época chuvosa em São Luís. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o mês de abril foi o de maior precipitação (mm) no primeiro semestre de 2018 (http://clima1.cptec.inpe.br/monitoramentobrasil/pt), assim, este é mais um fator que pode ter contribuído para a possível diluição dos analitos na água do mar. De modo geral, as concentrações médias de diuron encontradas neste trabalho variam conforme o tipo de embarcações presentes na área de amostragem (Figura 1). Nas amostras do Porto do Itaqui, onde o predomínio é de navios de grande porte, os níveis biocida foram os mais baixos de todos e diminuem continuamente a partir do berço 106 (1,64 ng L-1) até o berço 101 (0,61 ng L-1). Considerando os outros pontos de amostragem, as concentrações aumentam conforme aumenta a predominância de pequenas embarcações. Assim, em Raposa e no Ferry, os níveis médios (1,74 e 2,49 ng L-1, respectivamente), são menores do que aqueles encontrados no Estaleiro-escola e Porto da Vovó (3,49 e 7,05 ng L-1, respectivamente). Além disso, o produto DCPMU foi detectado somente nestes dois pontos. O único sítio de amostragem que foge do padrão estabelecido é o Cais da Praia Grande, porém esse fato pode estar ligado à atracação de embarcações na área durante a coleta de água.

Figura 1

Distribuição do biocida diuron (azul) e de seu produto de degradação DCPMU (laranja) em amostras de água marinha.

Conclusões

Concentrações acima do limite de quantificação de diuron foram observados em todas as 27 amostras de água marinha coletadas em áreas sujeitas a fluxos de embarcações ao redor da Ilha de São Luís. As concentrações do biocida obtidas neste trabalho são menores do que as concentrações já detectadas na região, porém é um indicativo preciso do seu uso contínuo em formulações antiincrustantes. Foi observado também um gradiente de concentrações influenciado pelo porte das embarcações presentes em cada ponto, indicando maiores níveis do biocida em áreas onde o predomínio é de pequenas embarcações, enquanto em áreas de tráfego de grandes navios, como no Porto do Itaqui, as concentrações foram inferiores. DCPMU, produto de degradação de diuron foi quantificado em duas amostras: uma do Porto da Vovó e uma do Estaleiro-escola em níveis mais baixos do que a substância pai. O comportamento dessa substância, bem como sua ocorrência ainda são pouco estudados. Assim, este trabalho representa os primeiros esforços no sentido de identificar este produto de degradação em águas marinhas de São Luís.

Agradecimentos

Agradecemos à FAPEMA, pela bolsa de Estágio Internacional concedida ao mestrando José Lucas Martins Viana (BEST-EXT-00901/18); ao ICRA (Girona, Espanha), e à FINEP.

Referências

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