Saberes Tradicionais: a utilização de espécies vegetais para confecção de objetos trançados, relatos de artesãos de uma comunidade de Salvaterra, Marajó, PA
ISBN 978-85-85905-23-1
Área
Ambiental
Autores
Palheta Junior, A.R. (UEPA) ; Barros, D.J.P. (UEPA) ; Souza, F.B. (UEPA) ; Machado, D.M. (UEPA) ; Costa, W.C.L. (UEPA) ; Nascimento, L.T. (UEPA) ; Malato, B.V. (UEPA) ; Monteiro, S.R. (UEPA) ; Machado, M.C.G. (UEPA)
Resumo
Este estudo objetivou verificar como procedeu a aprendizagem da técnica de trançar fibras vegetais pelos artesãos da comunidade de Água Boa, quais plantas são usadas nas confecções e o porquê de utiliza-las. Para coleta de dados, utilizou-se o método de entrevistas semiestruturado. Por meio das perguntas proferidas, verificou-se: o aprendizado da técnica do trançado decorreu através da observação e ensinamentos dos pais; nas famílias dos entrevistados não existem ou são poucas as outras pessoas que dominam a técnica e, as matérias-primas mais utilizadas nas confecções são o guarimã (Ischnosiphon arouma) e a jacitara (Desmoncus mitis), devido à resistência que essas espécies apresentam. Neste estudo constatou-se que a técnica do trançado pode se extinguir em Água Boa.
Palavras chaves
Aprendizagem; Artesãos; Entrevistas
Introdução
Os objetos feitos a partir de trançados de fibras vegetais, sempre fizeram parte da cultura material das diversas tribos indígenas existentes no Brasil, sendo ainda uma atividade praticada em comunidades do interior do estado do Pará (SANTOS; CARNEIRO; MARTINS, 2005; SANTOS et al., 2004). Em Água Boa, comunidade situada a 12 km da cidade de Salvaterra-PA, com população estimada de 580 habitantes e economia girando em torno da pesca, agricultura e turismo, residem artesãos que praticam trançados com fibras vegetais, produzindo utensílios comumente empregados no processamento da farinha de mandioca, como o paneiro, a peneira e o tipiti. O conhecimento por traz da arte do trançado transcende o tempo, o que torna esta técnica importante fonte de estudo. O trançado é uma herança da cultura indígena, transferida através da tradição oral, que passa este conhecimento de pai para filho, caracterizando essa atividade como de produção familiar (SANTOS; CARNEIRO; MARTINS, 2005). O desenvolvimento desta prática possibilita a interação sustentável do homem e a natureza, pois para confecção dos utensílios, normalmente são utilizadas espécies vegetais presentes na Amazônia. Segundo Carvalho (2008), a educação em valores socioambientais desenvolve nos indivíduos valores, atitudes, habilidades e comportamentos que lhes permitem tomar decisões responsáveis no que se refere à sua intenção no ambiente, visando a manutenção da qualidade ambiental e o desenvolvimento de sociedades sustentáveis. Este estudo objetivou entrevistar artesões da comunidade de Água Boa, com a finalidade de averiguar a forma como aprenderam a técnica de trançar fibras vegetais para confecção de objetos trançados; quais plantas são usadas para estas confecções e o porquê de utiliza-las.
Material e métodos
Este estudo é de caráter qualitativo conforme Moreira e Caleffe (2006), sendo utilizado para coleta de dados o método de entrevista semiestruturada, aonde adotou-se um questionário aberto como roteiro. Devido os entrevistados não aceitarem a gravação de áudio e/ou vídeo, optou-se pela transcrição das respostas para o roteiro utilizado. A pesquisa abordou quatro artesões da comunidade de Água Boa, zona rural do Município de Salvaterra, arquipélago do Marajó, PA, detentores da técnica do trançado com fibras vegetais para confecção de objetos como paneiro, peneira, tipiti etc. A realização das entrevistas ocorreu de forma individual, sendo cada artesão entrevistado em sua casa. Para a entrevista elaborou-se um questionário contendo quatro perguntas abertas, nas quais indagou-se: P.1) A forma como procedeu a aprendizagem da técnica do trançado com fibras vegetais; P.2) Se haviam outras pessoas na família que praticam a técnica; P.3) Que matéria-prima é mais empregada nas confecções; e, P.4) Por que utilizar tais espécies vegetais para a confecção dos objetos trançados. As perguntas aplicadas foram oralmente respondidas pelos artesões, e sequencialmente registradas pelos pesquisadores em espaços disponíveis no questionário. Os dados coletados foram analisados de forma descritiva e comparativa.
Resultado e discussão
Na primeira pergunta os participantes responderam a forma que procedeu sua
aprendizagem da técnica de trançar fibras vegetais para confecção de
paneiro, peneira, tipiti etc., estando ilustrado no Quadro as repostas
pronunciadas. Neste, verifica-se que os artesões aprenderam a técnica ainda
jovens, sendo seus pais os principais responsáveis pelos ensinamentos.
Segundo Amaral (2010) o processo de aprendizagem de um artesão ocorre
geralmente por intermédio da transmissão de conhecimento e informações de
pais aos filhos, que, por sua vez, aprenderam com seus pais e avós. O autor
relata ainda que o artesanato é uma prática fundamental no processo de
aprendizado e educativo de grupos sociais. Ao perguntar se haviam mais
pessoas em suas famílias que dominavam a técnica do trançado, dois dos
participantes relataram que não, uma citou o marido e o outo os irmãos,
nenhum mencionou filhos ou netos. Vilhena-Potiguara (1987) relata que em
algumas localidades, a atividade artesanal como os trançados está se
extinguindo gradativamente, por vários motivos, entre eles a falta de
matéria-prima vegetal, rara em função do desmatamento generalizado, e o
desinteresse dos jovens em se dedicarem a tal atividade. Questionados sobre
qual a planta mais utilizada para confecção dos utensílios, todos os
participantes citaram o guarimã (Ischnosiphon arouma) e a jacitara
(Desmoncus mitis Mart). Indagados o porquê de utiliza-las, relataram que é
devido serem mais resistentes ao comparadas a outras espécies. De acordo com
Santos et al. (2004) a planta guarimã é tida como excelente matéria-prima
para a confecção de objetos trançados, pois se destaca por suas qualidades
de durabilidade e resultado estético, onde suas talas possuem alta
flexibilidade e uma cor tendendo para o dourado quando seca.
Respostas a primeira pergunta feita durante a entrevista
Conclusões
Por meio deste estudo verificou-se que a prática do trançado com fibras vegetais pode extinguir-se na vila de Água Boa, uma vez que a transmissão do conhecimento às novas gerações não está ocorrendo, sendo um dos motivos o desinteresse dos jovens em aprender a técnica, fato este a se lamentar, pois este conhecimento além de ser uma arte cultural passada de gerações a gerações, é um dos meios a qual o homem interage com a natureza fazendo uso de plantas, que através do conhecimento popular foram selecionadas para confecção de utensílios utilizados em atividades do cotidiano da comunidade.
Agradecimentos
Referências
AMARAL, A. J. P. Artesanato Quilombola: identidade e etnicidade na Amazônia. Revista Cadernos do Ceom, v. 23, n. 32, p. 61-76, 2010.
CARVALHO, E. A. F. Artesanato, ciência e educação sócio-ambiental. Curitiba-PR, 2008. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/Ciencias/Artigos/artesanato_ciencia.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2018.
MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.
SANTOS, N. S. S.; CARNEIRO, S. C. P.; MARTINS, H. S. Utilização do trançado de palha como estratégia para o desenvolvimento sustentável do setor moveleiro. In: XII SIMPEP - Simpósio de Engenharia de Produção. Bauru-SP, nov., 2005.
SANTOS, N. S. S.; DIAS, B. D. S.; DIAS, B. D. N.; SILVA, L. A. W. O desenvolvimento sustentável de comunidades ribeirinhas utilizando espécies vegetais na produção de artesanato. In: Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável. 2004, Florianópolis, SC. Anais eletrônicos... Florianópolis: ICTR, 2004. Disponível em: <https://www.ipen.br/biblioteca/cd/ictr/2004/ARQUIVOS%20PDF/11/11-037.pdf >. Acesso em: 09 jul. 2018.
VILHENA-POTIGUARA, R. C.; ALMEIDA, S. S.; OLIVEIRA, J.; LOBATO, L. C. B.; LINS, A. L. F. A. Plantas fibrosas. I: Levantamento botânico na microrregião do Salgado (Pará, Brasil). Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Nova serie Botánica, v. 3, n. 2, p. 279-301, 1987.