ATIVIDADE MIMÉTICA DE CATALASE DE COMPLEXOS DE COBRE (II) E NÍQUEL (II) TRATADOS POR AJUSTE DE LINEWEAVER-BURK

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Química Inorgânica

Autores

Silva, F.P. (UFRJ) ; Moura, F.S. (UFRJ) ; Dionízio, T.P. (UFRJ) ; Casellato, A. (UFRJ)

Resumo

Decorrente de seu extensivo uso, a preocupação ambiental leva ao estudo de catalisadores que decomponham o peróxido de hidrogênio (H2O2). Neste estudo, são mostradas a síntese, caracterização e atividade de dois complexos, um de cobre (II) e outro de níquel (II), na degradação do poluente. Usando o ajuste de Lineweaver-Burk, dentre outras, foram obtidas constantes de especificidade (KM/kcat) de 0,46 e 0,22 L.min-1.mol-1 para os complexos de cobre (II) e níquel (II), respectivamente. Com um KM/kcat desta magnitude, entende-se que o complexo de cobre (II) é mais eficiente catalisador que o de níquel (II) para a decomposição do H2O2.

Palavras chaves

bioinorgânica; catalase; compostos de coordenação

Introdução

O peróxido de hidrogênio (H2O2) é um metabólito natural em muitos organismos vivos, formado na água através da luz solar em presença de material orgânico, em cadeias respiratórias e fotossintéticas de transporte de elétrons, assim como subproduto da atividade de enzimas oxidases (CHEN et al., 2012a; CHEN et al., 2012b), gerando oxigênio molecular e água quando decomposto (RODWELL et al., 2017; MATTOS et al., 2003). É um composto extremamente versátil, tendo grande aplicabilidade nas indústrias. Como oxidante, é superior (E0= 1,77 V) ao permanganato de potássio (KMnO4) (E0= 1,7 V) e ao cloro (Cl2) (E0=1,4 V). Porém, a depender do pH do meio, ele também pode atuar como agente redutor (E0= -0,15 V), o que faz com que sua produção mundial aumente cada vez mais a cada ano desde que começou a ser comercializado (MATTOS et al., 2003). Dentre a gama de aplicações que o H2O2 pode ter, ganham destaque a fabricação de antissépticos, síntese de medicamentos, cosméticos, higiene, bem como na área alimentícia e na etapa de branqueamento nas indústrias de papel, celulose e têxtil (MATTOS et al., 2003; CHEN et al., 2012a). Frente a sua importância e extensivo uso, um quadro de poluição ambiental surge, tornando necessária a remediação deste poluente (DIONÍZIO, 2015). Sua degradação pode ocorrer à temperatura ambiente, porém a uma velocidade de reação muito baixa, requerendo o uso de um catalisador para que ocorra com maior expressividade. Como opção, as catalases, metaloenzimas do grupo das oxirredutases encontradas em organismos aeróbicos, são atraentes (MATOS, 2011; RODWELL et al., 2017). Duas são as famílias de catalases conhecidas. No caso da composta por um grupo heme, a denominada Catalase Típica é classificada como monofuncional, pois atua apenas na decomposição do H2O2, enquanto que a Catalase Peroxidase é classificada como bifuncional, pois também reduz os peróxidos utilizando várias substâncias orgânicas como aceptores de elétrons através de reações mais complexas. No grupo não- heme, a Manganês Catalase trabalha utilizando o H2O2 como oxidante em uma etapa do processo e redutor na outra, apresentando diferença significativa no mecanismo de reação (ZAMOCKY et al., 2008; RODWELL et al., 2017). Imitando a função de substâncias biologicamente produzidas, compostos biomiméticos são desenvolvidos a partir de todo um estudo da estrutura ou função em conjunto com os mecanismos e processos que ocorrem com substâncias naturais, obtendo-se produtos similares como resultado ao usar mecanismos artificiais (MATOS, 2011). Compostos de coordenação como modelo funcional da enzima catalase têm sido abordados em diversos trabalhos, como por Matos et al. (2011), Kupcewicz et al. (2012), Alves (2013), Noritake et al., (2013), Ibrahim et al. (2014), Bussi, (2014), Pires et al. (2015), dentre outros, o que demonstra o interesse de grupos de pesquisa pelo estudo de sistemas miméticos. Ante o exposto, o presente trabalho traz os resultados para a síntese, caracterização por técnicas espectroscópicas e eletroquímica, bem como de ensaios qualitativos para verificação de atividade mimética e ensaio cinético de Mn-Catalase de um complexo metálico de cobre (II) (LiNO2-Cu) e níquel (II) (LiNO2-Ni).

Material e métodos

Síntese do complexo de cobre (II): O complexo foi obtido utilizando um ligante preparado adicionando-se 2-hidroxi-5- nitrobenzaldeído, solubilizado em metanol, a uma solução da etanolamina (1:1) e que, ao serem misturados, ficaram sob agitação magnética por 2 h. Fez-se, então, a adição de uma solução metanólica de acetato de cobre monohidratado à anterior (1:2) que permaneceu sob agitação magnética por mais 2 h. A solução foi filtrada e mantida em repouso. Síntese do complexo de níquel (II): Para a síntese do complexo de níquel (II), foi utilizado o mesmo ligante, mas com a adição de uma solução de acetato níquel tetrahidratado à mistura obtida. A solução foi filtrada e mantida em repouso. Caracterização: Ambos os complexos foram caracterizados por espectroscopia no infravermelho (IV), ultravioleta- visível (UV-Vis) e voltametria cíclica (VC). No caso da análise por VC, foi utilizada uma cela voltamétrica de 3 eletrodos sendo: de referência (ECS), de trabalho (carbono vítreo) e um contra eletrodo de platina. As análises foram realizadas em atmosfera de N2 em uma solução metanólica de TBAPF6 0,05 mol.L-1. Ensaios de reatividade variando o pH: Foram realizados ensaios reacionais nos pHs 3,5, 7,0 e 9,5. Adicionou-se à cubeta 1,50 mL de uma solução tampão (0,10 mol.L-1), 1,20 mL de água, 0,20 mL de uma solução do complexo (10-3 mol.L-1) e 0,10 mL de uma solução de H2O2 (10,07 mol.L-1). Em seguida, foi realizado novo ensaio no meio mais ativo variando o pH de 0,5 em 0,5. Ensaios de influência do efeito da concentração do H2O2: Para este experimento foi fixado o valor de pH, aquele em que o complexo teve maior atividade catalítica. Para os ensaios, foram adicionados a uma cubeta 1,50 mL de uma solução do tampão CHES (0,10 mol.L-1), água, 0,20 mL de uma solução de complexo (10-3 mol.L-1) e a solução de H2O2 (10,07 mol.L-1). O volume de H2O2 adicionado nas cubetas variaram de 0,01 a 1,0 mL. A quantidade de água adicionada foi calculada a fim de completar um volume total de 3,0 mL. Ensaios para levantamento de parâmetros cinéticos: Usando o pH ótimo determinado em etapas anteriores, foram realizados os experimentos, medindo-se o volume de oxigênio (O2) liberado, produto da reação, utilizando-se um Erlenmeyer lacrado de 25,0 mL que continha 5,0 mL de tampão CHES no pH escolhido, 0,7 mL de complexo (concentração final no Erlenmeyer de 1,0 x 10-3 mol.L-1) e volumes variando de 0,1 a 1,0 mL de H2O2 10,07 mol.L-1, completando-se com água até um volume final de 10,0 mL, e estava conectado a uma bureta de 50,0 mL preenchida com água, que era deslocada com o desprendimento gasoso. Os dados obtidos foram tratados pelo modelo de Lineweaver-Burk.

Resultado e discussão

Sínteses: Após um repouso de uma semana, foram obtidos cristais e materiais sólidos verdes microcristalinos. No caso do complexo de cobre (II), o material tinha um tom bastante escuro, enquanto que o de níquel (II) apresentava coloração mais clara. Caracterização: Os espectros no infravermelho obtidos em KBr para cada um dos complexos (Figura 1 (a)) mostraram bandas características dos grupos funcionais presentes no ligante (LiNO2), com algum deslocamento, o que pode ser atribuído a maior rigidez das ligações, pela influência da ligação dos átomos coordenantes (N,O) ao metal. Uma banda em 1662 cm-1 no espectro do LiNO2 foi atribuída a υ C=N, já para o LiNO2-Cu esta banda teve um deslocamento para 1648 cm-1 e para 1647 cm-1 no caso do LiNO2-Ni. A υ C-Ofenol em 1222 cm-1 no ligante também foi deslocada para 1103 cm-1 no LiNO2-Cu e para 1105 cm-1 no LiNO2-Ni. Já a δ O-Hfenol no ligante em 684 cm-1, não foi encontrada nos complexos, o que sugere a coordenação do O ao Cu, no caso do LiNO2-Cu, e ao Ni, no caso do LiNO2-Ni. Os espectros eletrônicos dos complexos (Figura 1 (b) e (c)) apresentaram uma banda por volta de 647 nm, no caso do LiNO2-Cu, e 600 nm, no caso do LiNO2-Ni, atribuídas à transição d-d do íon Cu(II) e do Ni(II), respectivamente. As bandas entre 355 e 269 nm, caso LiNO2-Cu, e entre 350 e 220 nm, LiNO2-Ni, foram atribuídas às transições intraligantes π–π* e transferência de carga do ligante para o metal. O estudo eletroquímico, através da VC, revelou a presença de dois picos em ambos os voltamogramas. No caso do LiNO2-Cu, foi observado um pico de redução em -0,75 V no voltamograma, possivelmente proveniente do LiNO2. Em 0,1 V pôde-se observar um processo redox reversível, provavelmente do cobre (CuII-CuI / CuI- CuII). No caso do LiNO2-Ni, um processo redox irreversível é mostrado, onde ocorre a oxidação do Ni(II) a Ni(III) em 0,7 V. Uma segunda onda em - 1,0 V vs ECS pode ser atribuída a redução Ni(III) a Ni(II). Reatividade variando o pH: Os complexos sintetizados e caracterizados mostraram-se bastante ativos qualitativamente em pHs acima de 9,0 e, por esse motivo, optou-se por utilizar pH 10,0 para obtenção dos dados que seriam tratados, por ensaios semelhantes realizados por integrantes do Grupo de Pesquisa serem nesse pH. Influência do efeito da concentração do H2O2: Observou-se um maior desprendimento gasoso na cubeta que tinha concentração maior de H2O2, o que pode ser explicado pelo fato de que, em reações enzimáticas, existe uma tendência a velocidade reacional aumentar com o aumento da concentração do substrato até que os sítios ativos da enzima estejam todos preenchidos, onde a velocidade é máxima e a quantidade de substrato não mais oferecerá influência (BIANCONI, 2006). Obtenção dos parâmetros cinéticos: Tendo feito as devidas considerações, foi possível adquirir a velocidade inicial (V0) para ambos os complexos, interessante para plotar o gráfico característico da cinética de Lineweaver-Burk (Figura 2). Os coeficientes de determinação (R2) obtidos para cada ajuste de Lineweaver-Burk, foram de 0,9932 (LiNO2-Cu) e de 0,997 (LiNO2-Ni). Por ser um modelo linear, a equação da reta retornou valores de coeficientes angular e linear que permitiram o cálculo dos parâmetros. Assim, para LiNO2-Cu, a velocidade máxima (Vmáx) obtida foi de 1,85x10-3 mol.L-1.min-1, a afinidade enzimática (KM) foi de 4,05 mol.L-1, o número de renovação (kcat) de 1,85 min-1, uma constante de especificidade (KM/kcat) de 0,46 L.min-1.mol-1. Já para LiNO2-Ni, a velocidade máxima (Vmáx) obtida foi de 1,27x10-3 mol.L-1.min-1, a afinidade enzimática (KM) foi de 5,63 mol.L-1, o número de renovação (kcat) de 1,27 min-1, uma constante de especificidade (KM/kcat) de 0,22 L.min-1.mol-1. Para efeitos comparativos, a partir dos valores obtidos é possível afirmarmos que o valor máximo de velocidade inicial que LiNO2-Ni consegue chegar quando todos seus sítios ativos estão ocupados, é menor que o de LiNO2-Cu. Numericamente, é sabido que KM é a concentração de substrato quando a velocidade inicial é igual a metade da Vmáx e mede afinidade da enzima pelo substrato, sendo o do LiNO2-Cu o menor, ele tem uma ligação mais forte pelo H2O2 (substrato). Quanto ao kcat, ele mede número de moléculas de substratos convertidas em produto por unidade de tempo por uma única enzima saturada com o substrato, mas não é a melhor maneira de se medir a eficiência catalítica, e sim pela constante de especificidade (KM/kcat). Esta é maior para o caso do LiNO2-Cu, o que indica que ele é mais eficiente catalisador que o LiNO2-Ni para a reação de degradação do peróxido de hidrogênio, como já vinha sendo evidenciado.

Figura 1.

Espectros obtidos.

Figura 2.

Gráfico de 1/[H2O2] x 1/V0 obtido para cada complexo (a) de cobre (II); (b) de níquel (II).

Conclusões

Foi possível sintetizar dois complexos, um de cobre (II) e um de niquel(II) e caracterizá-los por técnicas espectroscópicas e eletroquímica. A partir dos testes qualitativos feitos e parâmetros cinéticos obtidos, é possível sugerirmos que ambos os complexos são catalisadores promissores, possuindo atividade como mimético de catalase, porém, o LiNO2-Cu apresentou constantes significativamente melhores. A partir dos resultados descritos neste trabalho, será possível a comparação com outros complexos da mesma série, a serem obtidos pelo grupo de pesquisa, bem como com outros de estrutura análoga, a fim de sabermos qual(is) o(s) mimético(s) mais eficiente(s) como catalisador(es) na degradação do peróxido de hidrogênio.

Agradecimentos

Ao Instituto de Química da UFRJ, ao CNPq e à CAPES.

Referências

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