BIOSSÍNTESE E CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA PARCIAL DE UM EXOPOLISSACARÍDEO PRODUZIDO POR FUNGO FILAMENTOSO UTILIZANDO MELAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR COMO FONTE DE CARBONO

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Bioquímica e Biotecnologia

Autores

Fonseca, M.S. (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ) ; Santos, V.A.Q. (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ) ; Cunha, M.A.A. (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ)

Resumo

Este trabalho objetivou a produção de exopolissacarídeo (EPS) por fungo filamentoso utilizando melaço de cana-de-açúcar (como substrato) e sua caracterização química parcial. A bioprodução foi realizada em meio de cultivo composto por meio mínimo de Vogel, melaço bruto clarificado e o inóculo fúngico padronizado, que foi incubado a 28 °C e 150 rpm, durante 144 h, sendo retiradas alíquotas a cada 24 h para avaliação da produção do EPS e biomassa micelial (BM). O fungo foi capaz de utilizar os nutrientes presentes no melaço para crescimento e biossíntese de EPS, sendo os maiores valores de produção do EPS (2,84 g/L) e de BM (2,93 g/L) obtidos em 144 h. A caracterização parcial demonstrou que o EPS tem natureza amorfa, regiões de ligação do tipo β e aspecto de filmes finos.

Palavras chaves

Biomoléculas; Fermentação submersa; Resíduo agroindustrial

Introdução

Exopolissacarídeos (EPS) são biomacromoléculas excretadas para o meio extracelular que atuam como reserva de energia e proteção celular e sua produção está relacionada com o tipo de microrganismo utilizado, que podem ser bactérias, leveduras e fungos filamentosos (CZACZYK; MYSZKA, 2007). Os EPS fúngicos têm sido intensamente estudados por possuírem propriedades bioativas como potencial antioxidante e hipoglicêmico, atividade imunomodulatória e anticarcinogênica e também, por atuarem tecnologicamente como biosensores, estabilizantes, emulsificantes e mimetizadores de gorduras. Tais propriedades biotecnológicas estão intimamente relacionadas às características químicas do EPS (LUNA, 2016). A biossíntese de EPS depende tanto de condições do processo (temperatura, aeração e agitação), como da escolha do substrato para geração de energia. Dentre os substratos mais utilizados estão a glicose, frutose, sacarose e alguns coprodutos industriais como farelo de arroz, farelo de milho e bagaço de cana-de-açúcar (MAHAPATRA; BENERJEE, 2013; PHILIPPINI, 2017). Resíduos agroindustriais são destinados a produção de ração animal e a geração de energia, mas grande parte é descartada tornando-se um problema ambiental. Uma aplicação alternativa é sua utilização como substrato para a bioprodução de moléculas de interesse industrial, via fermentação microbiana, devido à alta carga de nutrientes presentes em sua composição estrutural, os quais incluem açúcares, proteínas e lipídios (PHILIPPINI, 2017). Deste modo, o presente trabalho tem como objetivo a bioprodução sustentável de EPS por fungo filamentoso isolado de casca de palmeira, utilizando melaço de cana-de-açúcar como substrato de baixo custo e ainda, realizar a caracterização química parcial do polímero obtido.

Material e métodos

Biossíntese do Exopolissacarídeo Uma cepa de fungo filamentoso, isolado de casca de palmeira da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Pato Branco, foi mantida em meio ágar Sabouraud com cloranfenicol a 4 °C para manutenção celular. O inóculo foi preparado pelo repique do micélio fúngico para frascos contendo 100 mL de meio de cultivo composto por 2 mL de meio mínimo de Vogel (MMV) e 10 g/L de glicose. Os frascos foram incubados a 28 °C e 150 rpm por 48 horas e, em seguida, a pré-cultura foi centrifugada (1500 x g) por 20 minutos e ressuspendida em água destilada para obter uma suspensão celular com absorbância de 0,4 a 400 nm. A biossíntese do EPS foi realizada em frascos contendo 150 mL de meio cultivo, composto por 3 mL de MMV, 20 g/L de melaço bruto clarificado e 5 mL de inóculo previamente padronizado. Os frascos foram incubados em agitador orbital a 28 °C e 150 rpm durante 144 horas, sendo retiradas alíquotas a cada 24 horas para avaliação da produção do EPS e biomassa micelial. Para isso, o caldo de cultivo foi separado da biomassa por centrifugação (1500 x g, 20 min.). O EPS produzido foi precipitado do caldo de cultivo com 3 volumes de etanol absoluto a 4 °C, overnight, e posteriormente foi dialisado por 72 horas e então liofilizado. A biomassa micelial foi lavada três vezes com água a 60 °C e seca em estufa a 60 °C até massa constante. Caracterização parcial do Exopolissacarídeo Solubilidade em água Uma solução de 1 mg/mL do exopolissacarídeo produzido foi centrifugada a 1500 x g por 10 minutos e o sobrenadante foi coletado e submetido a determinação de açúcares totais pelo método fenol-sulfúrico (DUBOIS et al., 1956). Análise química instrumental O exopolissacarídeo liofilizado foi analisado pelos métodos de absorção molecular na região do infravermelho com transformada de Fourier (400 a 4000 cm-1), utilizando espectrofotômetro (Vertex 70, Bruker; EUA), com resolução de 2 cm-1 e número de acumulações de 16 varreduras. Para a difratometria de raios-X, foi utilizado difratômetro MiniFlax 600 (Rigaku, USA) usando fonte de radiação de cobre (CuKα = 1,5418 Å), corrente de 15 mA, voltagem de 40 kV, faixa de varredura de 10° a 60° (2θ), velocidade de varredura de 5° min- 1 e passo de 0,02° (2θ) e para a microscopia eletrônica de varredura (ampliações de 100, 200, 500 e 800 X) foi utilizado microscópio eletrônico de varredura de bancada TM3000 (Hitachi, USA).

Resultado e discussão

Biossíntese do exopolissacarídeo A cepa fúngica estudada foi capaz de utilizar os nutrientes presentes no melaço de cana de açúcar para crescimento e biossíntese de EPS. Nas primeiras 24 horas de fermentação, não foram verificadas produção de EPS e biomassa micelial visível, possivelmente devido ao maior tempo de adaptação do microrganismo às condições nutricionais do meio de cultivo a base de melaço. Conforme demonstrado no Grafico 1, durante as primeiras 96 h de cultivo o pH final do meio fermentativo sofreu redução de 5.5 (pH inicial) para 4. Nestas condições, foram verificados valores de produção de EPS de 1,03 g L-1 (48 h); 1,85 g/L (72 h) e 1,95 g/L (96 h) e biomassa micelial de 1,58 g/L (48 h); 1,93 g/L (72 h) e 2,08 g/L (96 h). Após 120 h de cultivo, o pH final sofreu leve aumento (pH 5) e foram verificados valores de produção de EPS e biomassa micelial de 2,49 g/L e 2,46 g/L, respectivamente. Ao final da fermentação (144 h), foram verificados os maiores valores para produção de EPS (2,84 g/L) e biomassa micelial (2,93 g/L) com aumento do pH final do meio de cultivo para 6. Os resultados obtidos no presente estudo são similares aos descritos por Fonseca (2017). Este autor utilizou meio de cultivo a base de sacarose como fonte de carbono e peptona como fonte de nitrogênio para avaliar a produção de EPS pelo mesmo fungo filamentoso isolado de casca de palmeira (durante 96 h de cultivo submerso) e verificou valores de 1,9 g/L para EPS e 0,88 g/L para biomassa micelial. Caracterização parcial do EPS O EPS produzido em meio a base de melaço apresentou solubilidade em água de 17,7%. A solubilidade é um importante parâmetro, pois está diretamente associada a funcionalidade biológica e consequentemente a aplicação do EPS. O espectro de infravermelho (IV-TF) do EPS apresentou bandas típicas de polissacarídeos na região de 4000 a 400 cm-1. Foram observadas bandas na região de 3337 cm-1, que indicam estiramento OH e na região de 1640 cm-1 que denotam vibração de estiramento do anel de glicose. Bandas na região de 1068 cm-1 e 886 cm-1 indicam ligação C-O característico do anel de piranose e configuração β presente na molécula, respectivamente (ALZORQI et al., 2016; WANG et al., 2009). A difratometria de raios-X demonstrou que o EPS apresenta picos finos de alta intensidade, observados em 5,39°, 21,08° e 23,46° em 2θ indicando estrutura amorfa com regiões semicristalinas. A microscopia eletrônica de varredura (MEV) demonstrou que o EPS apresenta superfície formada por filmes translúcidos com tamanho entre 179 μm e 230 μm e filamentos com algunas regiões lisas e rugosas e outras com dobras. Grânulos heterogêneos em tamanho (5,53 μm a 8,64 μm) e forma também foram observados (Figura 1). Fonseca (2017) ao caracterizar o EPS produzido com sacarose como fonte de carbono observou bandas similares aos retratados neste trabalho bem como idêntico perfil difratométrico em alguns picos. Quanto a MEV, o EPS produzido em meio a base de melaço de cana-de-açúcar apresentou grânulos maiores quando comparados aos observados pelo mesmo autor utilizando meio a base de sacarose.


Gráfico 1. Produção de biomassa micelial e produção de EPS durante 144 h de cultivo submerso.


Figura 1. Micrografias do EPS produzido com aumento de 100 x (A) evidenciando o aspecto de filme fino e irregular e (B) aspecto dos grânulos em 800 x

Conclusões

Os resultados obtidos indicam que a cepa fúngica foi capaz de utilizar os nutrientes presentes no melaço de cana-de-açúcar para crescimento e biossíntese de EPS e os maiores valores de produção do biopolímero e de biomassa foram obtidos com 144 h de cultivo. Os testes de caracterização parcial demonstraram que o EPS produzido com melaço apresenta regiões de natureza amorfa como também semicristalinas (regiões típicas de polissacarídeos) e arranjo em forma de filmes finos e translúcidos contendo grânulos heterogêneos em tamanho e forma.

Agradecimentos

Os autores agradem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – câmpus Pato Branco.

Referências

ALZORQI;, I., SUDHEER, S., LU, T. J., MANICKAM, S. Ultrasonically extracted β - D - glucan from artificially cultivated mushroom , characteristic properties and antioxidant activity. Ultrasonics Sonochemistry, v. 35, p. 531–540, 2017.
CZACZYK, K.; MYSZKA, K. Biosynthesis of Extracellular Polymeric Substances (EPS) and Its Role in Microbial Biofilm Formation. Polish Journal of Environmental Studies, v. 16, n. 6, p. 799–806, 2007.
DUBOIS, M.; GILLES, K.A.; HAMILTON, J.K.; REBERS, P.A.; SMITH, F. Colorimetric Method for Determination of Sugars and Related Substances. Analytical Chemistry, v. 28, p. 350-356, 1956.
FONSECA, M. S. Produção e caracterização de exopolissacarídeo sintetizado por fungo filamentoso isolado de palha de coqueiro. 2016. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Química) – Departamento de química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Pato Branco, 2016.
LUNA, W. N. S. Acetilação do exopolissacarídeo (1-6)-β-D-Glucana (Lasiodiplodana): Derivatização química e caracterização. 2016. 79 p. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Pato Branco, 2016.
MAHAPATRA, M.; BANERJEE, D. Fungal Exopolysaccharide: Production, Composition and Applications. Microbiology Insights, Microbiology Insights, v. 6, p. 1–16, 2013.
PHILIPPINI, R.R. Produção do exopolissacarídeo lasiodiplodana a partir de hidrolisados de subprodutos agrícolas. 2017. 133 p. Tese – Programa de Pós-Graduação Biotecnologia Industrial, Universidade de São Paulo. Lorena, 2017.
WANG, J.; ZHANG, L. Structure and chain conformation of five water-soluble derivatives of a β-D-glucan isolated from Ganoderma lucidum. Carbohydrate Research, v. 344, n. 1, p. 105–112, 2009.

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