Simbolismo espiritual: Um estudo sobre o ritual de preparação do Santo Daime no cenário religioso do Centro Eclético Flor do Lótus Iluminado - CEFLI

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Produtos Naturais

Autores

Nascimento, A.E.S. (UFAC) ; Carvalho, C.E.G. (UFAC) ; Nascimento, S.S. (UFAC) ; Machado, L.J. (IFAM) ; Araújo, J.R.S. (UFAC) ; Carioca, C.F. (UFAC) ; Pinho, U.M.F. (IFAC) ; Sobrinho, E.S.C. (UFAC) ; Oliveira, B.G.C. (UFAC) ; Ribeiro, C.F. (UFAC)

Resumo

A religião Daimista foi fundada no Brasil, por Raimundo Irineu Serra, possuindo fundamentos cristãos. O Santo Daime é uma bebida preparada na forma de decocto empregando as folhas da Psychotria viridis e o cipó da Banisteriopsis caapi. O trabalho estudou o ritual de preparação do Santo Daime realizado pelo Centro Eclético Flor do Lótus Iluminado (CEFLI). Foram entrevistados membros da igreja com acompanhamento de todas as etapas da produção do Daime, que consistiu na obtenção de 100 L. Constatou-se que a cerimônia de preparo é carregada de simbolismo espiritual, obedecendo rigorosas regras ritualísticas, revelando-nos a importância dos conhecimentos tradicionais deixados pelo fundador, com o intuito de disseminar e preservar a cultura e religiosidade iniciada no estado do Acre.

Palavras chaves

Santo Daime; Amazônia; Feitio

Introdução

A religião do Santo Daime caracteriza-se por ser uma doutrina sincrética e brasileira, surgida a partir da incorporação da ayahuasca (GOULART, 2004), fundada em meados da década de 1930, no Acre, por Raimundo Irineu Serra, chamado pelos adeptos de mestre Irineu. Após sua morte, em 1971, a religião do Santo Daime foi se expandindo e adquirindo cada vez mais simbologias e fundamentos nos rituais. Em 1998 seu seguidor Luiz Mendes do Nascimento, fundou o Centro Eclético Flor do Lótus Iluminado - CEFLI, localizado na zona rural de Capixaba-Acre, colônia Fortaleza, acompanhado por um grupo de pessoas que possuíam como objetivo uma integração harmoniosa com a natureza, cultivando os valores espirituais, morais e ecológicos deixados por seu mestre. Atualmente, o CEFLI possui duas igrejas no Acre e filiais nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná, e no exterior, Canadá, França, Holanda e Estados Unidos. Durante os rituais de preparação da bebida do Santo Daime, utiliza-se o cipó da espécie Banisteriopsis caapi, conhecido popularmente como Jagube ou Mariri, e folhas da Psychotria viridis, popularmente conhecida como folha rainha ou Chacrona, adicionadas com água ao fogo, tendo como base o conhecimento tradicional.

Material e métodos

A pesquisa foi realizada durante um mês, na comunidade Fortaleza, localizado no projeto de Assentamento São Gabriel, Zona rural de Capixaba/Acre, através de entrevistas e acompanhamento de todo o processo de preparação do Santo Daime. O material para preparação do Daime foi coletado em áreas de plantios da própria comunidade. A Banisteriopsis caapi foi colhida sem danificar a árvore hospedeira, com o corte do cipó em diagonal a uma altura de no mínimo 30 cm do solo. Já a colheita das folhas da Psychotria viridis foram realizadas sem a destruição dos galhos, colhidas uma a uma, mantendo os brotos. Tais medidas são tomadas visando à garantia da regeneração natural nas respectivas áreas, além de assegurar a sustentabilidade dos plantios. O cipó passa pelo processo de higienização, posteriormente martelado pelos homens, com marretas de madeira, procedimento esse conhecido pelos seguidores como “bateção”. As folhas da Psychotria viridis também são higienizadas, que se juntam ao cipó para serem aquecidas em água em ebulição, utilizando fornalha a lenha. Essa primeira parte é retirada e colocada em outro recipiente (panela) com uma nova quantidade do cipó macerado e folhas para mais um “cozimento”. Após esse procedimento, o Daime está praticamente pronto, realizando-se a filtração por meio de panos e posterior armazenamento em recipientes de plástico ou vidro (garrafões). A estocagem de todo o Daime produzido é destinado a um local especifico da igreja, conhecido como “quartinho do Daime”.

Resultado e discussão

No Acre, as igrejas do CEFLI possuem aproximadamente 70 pessoas filiadas e em média comparecem 20 visitantes a cada cerimonia. Os rituais são chamados de “trabalhos”, obedecendo a um calendário anual e estão divididos em três categorias: trabalhos de concentração, festejos e trabalhos de cura. A preparação da bebida é denominada pelos adeptos como “feitio”, sempre realizados na fase lunar correspondente a lua nova, sendo realizados mensalmente, em local especifico, conhecido como “Casa do feitio”. Na preparação de Daime, constatou-se que 117,2 kg do cipó da Banisteriopsis caapi, 17 Kg de folhas da Psychotria viridis e 336 L de água, produziram 100 L de Daime. O processo de maceração do cipó realizado por 12 homens durou cerca de 4 h, e o cozimento do material durou 36 h, com medida de temperatura de aproximadamente 98Cº. Durante o cozimento e apuração do Daime, observa-se uma concentração total dos adeptos que utilizam grandes tridentes de madeira para pressionar o bagaço, objetivando o controle da fervura, impedindo que o líquido derrame, queime o material ou ultrapasse o ponto visual adequado de concentração da bebida. Durante a preparação, as mulheres podem participar somente da coleta das folhas, enquanto os homens podem participar de todas as etapas. Do ponto de vista espiritual, fruto do resultado de todo processamento ritualístico, a bebida Daime é considerada um sacramento, um veículo para a manifestação do Ser Divino, responsável pela sua luz e efeito espiritual. Já do ponto de vista material, ela é um produto florestal, um chá́ de propriedades psicoativas, produzida e distribuída sob responsabilidade da Igreja (ALVERGA,1992). Segundo os dados repassados o CEFLI produz mensalmente em média de 80 a 300 L de Daime, de modo que o consumo anual é de 1000 L.

Bateção o cipó Banisteriopsis caapi

Imagem 1: Maceração do cipó Banisteriopsis caapi com marretas de madeira, procedimento esse conhecido pelos seguidores como “bateção”.

Santo Daime

Imagem 2: A bebida Daime está praticamente pronta, faltando apenas o processo de armazenamento em recipientes.

Conclusões

O estudo do processamento da bebida e o acompanhamento de todas as etapas de produção do Santo Daime realizado no CEFLI nos revelou a importância dos conhecimentos tradicionais deixados pelo Mestre Raimundo Irineu Serra. Constatou-se que é uma cerimônia carregada de grande simbolismo espiritual, obedecendo rigorosas regras ritualísticas, com máximo respeito, silêncio, devoção e esforço físico, espiritual e mental. A pesquisa revelou esclarecer, mesmo que de forma técnica, alguns procedimentos para desmitificar muitas das vezes falsas opiniões sobre essa religião.

Agradecimentos

Ao mestre Raimundo Irineu Serra, ao mestre conselheiro Luiz Mendes do Nascimento, a Comunidade Fortaleza, à Emílio Mendonça Furtado e à toda irmandade do CEFLI.

Referências

ALVERGA, Alex Polari de. O guia da floresta. Rio de Janeiro: Record, 1992.
GOULART, Sandra Lúcia (2004) O contexto de surgimento do culto do Santo Daime: formação da comunidade e do calendário ritual. In: LABATE, B.C. e ARAÚJO, W.S. (org) O uso ritual da ayahuasca. 2a.ed. São Paulo: Mercado de Letras/FAPESP.

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