EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA: DISCUSSÃO SOBRE ACIDEZ E BASICIDADE COM DEFICIENTES VISUAIS
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Ensino de Química
Autores
Vargas, G.N. (UFG) ; França, F.A. (UFG) ; Oliveira, M.S.G. (UFG) ; Faria, B.A. (UFG) ; Rodrigues, A.C.C. (UFG) ; Benite, C.R.M. (UFG)
Resumo
Para compreender um conceito não é necessário enxergar. Através da experiência adquirida na comunicação com os videntes e usando e estimulando seus sentidos remanescentes, o deficiente visual tem a capacidade de adquirir as informações para discutir previamente características e, posteriormente os conteúdos das substâncias ácidas e básicas. Nesta investigação, que tem como base metodológica a pesquisa-ação, foi usado o paladar dos alunos para discutir características de substâncias ácidas e básicas. Para o uso deste sentido, o grupo selecionou materiais que pudessem ser ingeridos pelos alunos durante o experimento.
Palavras chaves
Ensino de Química; Experimentação; Deficientes visuais
Introdução
Segundo Vygotsky (1983), a falta da visão não impede que o indivíduo compreenda o conceito, desde que se estabeleça um sólido processo de interatividade entre os sujeitos envolvidos, ou seja, a maior fonte compensatória da cegueira é o uso da linguagem por meio da experiência adquirida na comunicação social com videntes. Ao atuarmos em sala de aula regular com a presença de alunos DV (deficientes visuais) ou em instituições de apoio, surge a possibilidade de investigar quais as demandas desses alunos e quais os conhecimentos necessários à prática pedagógica, saberes essenciais para a constituição docente numa perspectiva inclusiva. Pautados no conhecimento dos princípios legais e éticos sobre a diversidade (GONZÁLEZ, 2002), referentes aos dilemas e valores que fomentam a heterogeneidade escolar, refletimos as interpretações equivocadas dos professores regentes das escolas regulares sobre o comportamento e atitude dos DV nas salas de aula e as dificuldades de percepção e compreensão dos conteúdos químicos devido à forma com que são ensinados: no quadro e giz, com o uso de tabelas e gráficos, recursos que necessitam da visão para serem interpretados. Nesse cenário, orientamos os professores em formação durante o planejamento das ações a explorarem o potencial visual daqueles que possuem baixa visão, todavia aos alunos cegos devem estimular os sentidos remanescentes para aquisição de informações. Nessa investigação, discutimos a importância do uso do paladar de alunos DV para a identificação dos sabores característicos de soluções presentes no cotidiano numa aula envolvendo o conteúdo de acidez e alcalinidade das soluções (ZAPP, et. al. 2015).
Material e métodos
Essa investigação tem como base metodológica a pesquisa-ação, pois prevê a criação de estratégias previamente pontuadas para solucionar problemas diagnosticados no ato de ensinar. Isso porque usufrui da prática diária para problematizar e aprimorar a estratégia de ensino, percebendo que abordagens em sala de aula têm que ser diferentes para atender a sua diversidade (Thiollent, 1994). Quanto à formação docente, a investigação pautada na pesquisa-ação propõe a busca de intervenções para solucionar problemas coletivos, estando centrada na ação participativa e na ideologia de ação coletiva (Baldissera, 2001). Assim, os dados produzidos durante as intervenções são organizados e refletidos pelos envolvidos, de forma assimétrica, permitindo-os ponderar sobre o currículo, a prática pedagógica e a formação docente, contribuindo para o desenvolvimento desses profissionais, professores pesquisadores da própria prática (Mallmann, 2015), e para a aprendizagem dos alunos DV. No CEBRAV (Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual), com a participação de dez alunos, as aulas de química são ministradas por professores em formação inicial e continuada, acompanhados por uma professora de apoio formada em Biologia. Gravadas em áudio e vídeo, as aulas são transcritas para serem refletidas teoricamente pelo grupo.
Resultado e discussão
Concordamos com Zapp e colaboradores (2015) que “o conhecimento de ácidos e
bases faz parte de muitas situações cotidianas dos estudantes, contudo os
meios convencionais da Química para identificação dessas substâncias
utilizam o referencial perceptual da visão para classificação. Mas como os
DV realizarão tal atividade experimental?
A aula foi iniciada incentivando os alunos a descreverem características dos
ácidos e das bases, de acordo com seus conhecimentos prévios.
PFI1: Me digam uma característica das substâncias ácidas.
A7: Elas são azedas.
PFI1: Sim, mas nem todas são e muitas não podem ser ingeridas. E as bases,
como vocês imaginam o sabor?
A11: Para mim é amargo! Alcalino.
PFI1: Vocês já comeram banana que não está nem verde nem madura?
A7; A13: Já!
A13: Ah, é um sabor apertado, meio amargo! É adstringente!
PFI1: Isso, você vai sentir apertando sua boca. Então, essa é uma
característica de alguns ácidos e bases: o sabor.
As falas dos alunos mostram que uma das formas de identificação de
substâncias ácidas e básicas é pelo paladar, sentido alternativo utilizado
pelos professores para a aquisição de informações no experimento. Apesar das
normas básicas de segurança em aulas experimentais não recomendarem a
ingestão de reagentes, foram selecionadas substâncias que atendessem às
necessidades desses alunos.
Tal fato se deve aos DV desenvolverem suas estruturas cognitivas por meio
dos demais sentidos, dentre eles o paladar, que funciona como um canal ou
porta de entrada de dados que serão enviados por substâncias
neurotransmissoras para as terminações nervosas (BRASIL, 2007, p.21), como
presente na fala de A7 sobre o azedume das substâncias ácidas e nas falas de
A11 e A13 sobre o aperto da mucosa bucal seguido de amargor, característico
das substâncias alcalinas.
Conclusões
Apresentamos evidências de que parcerias colaborativas com instituições de ensino (regular ou de apoio) promovem a vivência diária com alunos em situação de deficiência acompanhada por profissionais que atuam com as especificidades, contrapondo-se às ações imediatistas comumente ocorridas na prática docente. A seleção de materiais que pudessem ser ingeridos pelos alunos durante o experimento foi uma alternativa pensada pelo grupo objetivando o uso do paladar como meio de coleta de dados para discutir previamente características e, posteriormente, os conteúdos das substâncias ácidas e básicas.
Agradecimentos
À CNPQ
Referências
BALDISSERA, A. Pesquisa-ação: uma metodologia do “conhecer” e do “agir” coletivo. Sociedade em Debate, v.7, n.2, p.5-25, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Ata da Reunião III, de abril de 2007, Comitê de Ajudas Técnicas, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (CORDE/SEDH/PR), 2007.
GONZÁLEZ, J.A.T. Educação e diversidade: bases didáticas e organizativas. São Paulo: Artmed, 2002.
MALLMANN, E. Pesquisa-ação educacional: preocupação temática, análise e interpretação crítico-reflexiva. Caderno de Pesquisa, v.45, n.155, p.76-98, 2015.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1994.
VYGOTSKY, L.S. Obras escogidas V: fundamentos de defectologia. España: Visor, 1983.
ZAPP, E.; NARDINI, G.S.; COELHO, J.C. e SANGIOGO, F.A. Estudo de Ácidos e Bases e o Desenvolvimento de um Experimento sobre a “Força” dos Ácidos. Química Nova na Escola, v.37, n.4, p.278-284, 2015.