LIXO URBANO COMO TEMA SOCIOCIENTÍFICO NO ENSINO DE QUÍMICA
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Ensino de Química
Autores
Borges, D.K.G. (UFAM) ; Souza, K.S. (UFAM) ; Farias, S.A. (UFAM)
Resumo
Este artigo relata um trabalho desenvolvido em uma escola pública de Manaus, no ano de 2016, com alunos do 1º ano do Ensino Médio, sobre os aspectos sociocientíficos do lixo e descreve a análise da percepção do bairro onde estudam e as concepções iniciais relacionadas ao lixo. O tema lixo foi escolhido devido a escola está situada em um bairro, que fora um “lixão”, ao mesmo tempo que tem uma grande relevância social. Os resultados sugerem que o trabalho envolvendo temas sociais evidenciam a importância da introdução de questões sociocientíficos no ensino sob o enfoque CTS e podem favorecer a atividades práticas contextualizadas, aliando a aprendizagem conceitual dos conteúdos com uma postura mais comprometida com o ambiente, contribuindo para formação do cidadão.
Palavras chaves
Ensino de Química; CTS; Lixo
Introdução
Nos dias atuais, atribui-se à ação do homem as mudanças ambientais que vem ocorrendo, o que nos remete a uma crise ambiental e que está relacionada ao modelo econômico e do desenvolvimento científico e tecnológico. Segundo Vasconcellos (2008), esta crise aborda aspectos conservacionistas e preservacionistas, não considerando aspectos culturais, políticos, sociais e históricos, igualmente importantes para o enfrentamento desta crise e necessários à formação do cidadão deste século. Diretamente somos influenciados pela ciência e tecnologia (C&T), quando a consideramos como alavanca do progresso, que proporciona bem-estar social e desenvolvimento da evolução humana (PINHEIRO, SILVEIRA e BAZZO, 2007). Contudo, confiar cegamente na C&T pode ser perigoso, pois pressupõe um distanciamento das questões sociais, éticas e políticas, na qual estão atreladas a C&T (BAZZO, 1998; AULER e DELIZOICOV, 2001). O desenvolvimento científico e tecnológico implica em responsabilidade social, individual e coletiva. Cada cidadão deve ser capaz de avaliar e tomar decisões que envolvam a C&T e contribuam para uma sociedade menos egoísta e individualista. Dessa forma, C&T passaram a ser objeto de debate político. Nesse contexto, emerge o movimento ciência, tecnologia e sociedade (CTS) (PINHEIRO, SILVEIRA e BAZZO, 2007; AULER e BAZZO 2001). O movimento CTS surgiu entre o final dos anos 60 e início dos 70, em um contexto marcado pela crítica ao desenvolvimento científico e tecnológico, que visava formar cientistas. No campo educacional busca contemplar discussões de temas que envolvam a C&T, interligado ao contexto social para que o cidadão possa ter uma visão crítica da sociedade em que vive, e vontade de transformar a realidade para melhor (CEREZO, 1998; BAZZO, VON LINSINGEN e PEREIRA, 2003). Assim, a partir dessas discussões surgiu a ideia de trabalhar questões sociocientíficas, como o lixo, na escola do estudo, pois a escola se encontra em um bairro de periferia da cidade de Manaus que na década de 70, era uma área destinada a deposição de lixo, que com o crescimento da cidade, teve a área ocupada por famílias de baixa renda. Com infraestrutura tardia, crescimento desestruturado e desorganizado foram furados poços artesianos e cacimbas para tentar resolver os problemas de abastecimento de água. Contudo, segundo Rocha e Horbe (2006), o aquífero Alter do Chão, onde está localizado o bairro se encontra contaminado com metais pesados, tornando a água imprópria ao consumo humano, sendo esta apenas uma das muitas problemáticas ambientais do bairro. Desta forma o uso de temas sociais no ensino de química objetivam a contextualização do conteúdo químico, permitindo o desenvolvimento de habilidades essenciais do cidadão, para aplicação em sua vida diária (SANTOS e SCHNETZLER, 2010). Diante do que foi exposto, destaca- se a importância de se abordar temas sociais relacionados a problemas locais que fazem parte do contexto do aluno, no sentido de promover um ensino contextualizado (BUFFOLO, 2014). E Esta abordagem pode ser feita a partir de questões sociocientíficas, que para Santos e Mortimer (2009) aparecem como temas relativos às interações CTS. A compreensão dos aspectos sociocientíficos que envolvem esse problema é importante porque pode proporcionar ao cidadão a reflexão sobre o seu papel como integrante desse contexto e embasar seus posicionamentos. Conhecendo como este lixo pode contaminar o solo, a água e o ar, pode-se trabalhar conceitos químicos que irão auxiliar o aluno a compreender os vários aspectos que envolvem os problemas ambientais, ao mesmo tempo que propicia a aprendizagem de conceitos envolvidos na composição dos materiais e suas propriedades, processos de separação de materiais além dos elementos químicos que compõem estes materiais (MENEZES, et al, 2005). Assim. o objetivos deste trabalho está na inserção de uma problemática ambiental nas aulas de química em uma escola pública de Manaus, com o desenvolvimento do tema Lixo Urbano, para compreender como esta temática pode contribuir para a aprendizagem dos conteúdos químicos na perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), pautando-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN`s), referente ao ensino médio, no sentido de que os conteúdos podem ser abordados a partir de temas que permitem a contextualização do conhecimento (BRASIL, 2002).
Material e métodos
A presente pesquisa está baseada na abordagem qualitativa, pois parte do princípio da interpretação que as pessoas fazem do seu contexto. Ludke e André (1986), ao explicarem sobre pesquisa qualitativa, apontam que na pesquisa qualitativa se desenvolve em um ambiente natural, com fonte direta para coleta de dados, sendo rica em dados descritivos, enfatizando mais o processo do que resultados e a preocupação em retratar a perspectiva dos participantes, pois o comportamento humano é significativamente influenciado pelo contexto em que ocorre. Destacamos que este estudo é um recorte de uma pesquisa maior realizada em uma dissertação de mestrado, a qual foi desenvolvida em uma escola da rede pública de ensino do estado do Amazonas, durante o segundo semestre de 2016, com uma turma de treze alunos do 1º ano do Ensino Médio, na faixa etária de 15-16 anos. Pensando em um tema sociocientífico potencialmente rico para ser desenvolvido sob a perspectiva CTS, levou-se em conta a história do bairro em que a escola está inserida. Assim, elegeu-se o tema “Lixo Urbano” para o desenvolvimento do projeto de ensino. Na apresentação dos resultados, os nomes dos participantes foram resguardados, e quando forem citados ou apresentarem suas respostas, iremos representá-los pelo código – Aluno (A). Para distinção dos alunos descriminaremos por algarismos arábicos. Neste artigo apresentamos os resultados obtidos na primeira etapa desta pesquisa, ou seja, relacionados aos questionários iniciais de conhecimentos prévios para verificar a maneira mais adequada de intervenção, com as seguintes perguntas: 1) Nas figuras abaixo está ocorrendo transformação física ou química da matéria? 2) Dados os materiais abaixo e levando em consideração a composição material, responda quais deles afundam ou não na água. 3) Das opções abaixo, marque um x no material que você acha que pode ser reciclado. 6) A figura ao lado refere-se a uma bateria de celular. Sabe-se que elas podem contaminar lençóis freáticos, solo e alimentação. Qual o cuidado necessário para descarte desta bateria? 9) Tudo o que se joga fora pode ser considerado lixo? 10) O que você entende por lixo e resíduo sólido? Para análise das questões abertas foi utilizada a técnica da análise de conteúdo de Bardin (2011).
Resultado e discussão
Inicialmente, fez-se um levantamento com os alunos sobre o tempo de moradia
no bairro e se conheciam sua história. Dos treze participantes, apenas cinco
não moram no bairro e o tempo de moradia, variou entre 5 e 14 anos. E apenas
quatro participantes afirmam conhecer a origem do bairro.
É importante que os alunos conhecem a realidade onde vivem e que
possam refletir e agir. A maioria das substâncias nocivas encontradas no
bairro, de acordo com as pesquisas de Rocha e Horbe (2006) e Aniceto (2008),
não pode ser eliminadas por tratamentos comuns, nem mesmo os tratamentos
empregados pela companhia de água da cidade seriam eficientes para tornar
esta água potável, já que as mesmas foram contaminadas com metais pesados.
Por isso era importante conhecer a procedência da água consumida, destes
15,4% afirmam utilizar água de poço artesiano.
Atualmente as residências são abastecidas por água da rede de abastecimento,
a qual é uma solução para minimizar a possibilidade de consumo de uma água
contaminada, assim como a água mineral, como apontada pela maioria dos
alunos. Como água de poços artesianos carecem de testes para evidenciar a
presença de metais, é preferível que o consumo de água provenientes destes
locais, seja evitada. Para Ravetz apud Giatti et al., (2010), “os efeitos da
exposição de humanos a poluentes ambientais se manifestam, geralmente, a
longo prazo, sendo mascarados por outras causas”. Por isso a importância do
esclarecimento, uma das metas desta pesquisa.
Discutiremos as questões do questionário de conhecimentos prévios que
puderam ser extraídos informações mais importantes para o desenvolvimento do
tema. Na questão 1, os participantes deveriam observar as figuras e
classificá-las como transformação física ou química. Os participantes A1, A5
e A6 parecem compreender os processos que alteram ou não a natureza da
matéria. Os demais participantes ou não souberam responder, como A4 e A11,
ou em algum momento fizeram confusão na classificação, o que demonstra a
necessidade de intervenção.
De acordo com os resultados obtidos pela questão 3 e 6 observou-se que todos
os participantes percebem a existência do processo da separação do lixo e
conseguiam classificar alguns objetos em reciclável e não reciclável, com
certa razoabilidade, como atestam os gráficos 1 e 2. Esse fato pode estar
relacionado com a difusão desta informação na mídia e também com o contato
cotidiano destes materiais. Porém não conseguem perceber se o prego é um
material reciclável, ou seja, não fazem ligação com o tipo de material
(metal).
Dentre os itens não-recicláveis 92,3% afirmaram que a lata de tinta é
reciclável. Os diferentes tipos de lixo têm propriedades físicas e químicas
diferentes. Por isso a importância do conhecimento da composição dos
materiais (SANTOS e MÓL, 2013).
O processo de separação é viável para as grandes cidades, tanto no ponto de
vista econômico, quanto social. Adotar a coleta seletiva significa assumir
uma nova postura para o planeta.
Apenas as questões 2, 9 e 10, geraram categorias a serem analisadas pela
técnica análise de conteúdo, identificadas nas respostas dos alunos
participantes.
A questão 2, sobre a percepção de densidade, todos os participantes
identificaram quais objetos afundam ou não na água, mas alguns não sabem
explicar o motivo. Estes resultados corroboram com o trabalho desenvolvido
por Silva (2015), sobre densidade e flutuação dos objetos, onde os alunos em
sua concepção inicial, apresentam suas hipóteses, mas não apresentam
justificativa. Dos participantes que apresentaram hipóteses, recorreram a
diferentes critérios assistemáticos, que gerou duas categorias:
1. Associado a massa do material: Os alunos basearam-se em suas
experiências do dia-a-dia, as quais serviam como evidências de quais objetos
flutuariam ou não na água.
É comum supormos que os objetos pesados afundem e objetos levem flutuem.
Aparentemente um copo descartável ou uma garrafa são objetos leves, por isso
deveriam flutuar na água. Este foi o pensamento de todos os participantes.
Isso mostra que a massa, isoladamente, não é critério para prever a
flutuação ou não dos objetos. E não depende do material que é feito ou
volume isoladamente (MORTIMER e MACHADO, 2014). A flutuação depende da
propriedade que relaciona massa e volume, ou seja, a densidade.
2. Sem resposta: A maioria dos participantes não apresentaram nenhuma
hipótese como justificativa. Esse resultado realça a importância de se
trabalhar esta propriedade, principalmente porquê nos auxiliará no processo
de identificação dos materiais e nos procedimentos de separação de misturas.
Empresas recicladoras de plásticos originados de coleta seletiva de lixo
usam a água para separar os objetos mais densos, que afundam, dos menos
densos, que flutuam (MORTIMER e MACHADO, 2014).
As questões 9 e 10 referem-se à concepção dos participantes sobre o termo
lixo e resíduo sólido (RS). As quatro categorias foram criadas a partir da
Programa Nacional de Resíduos Sólidos e da definição de lixo (BRASIL, 2010).
1. Reciclado ou Reutilizado: Quatro alunos entendem o termo lixo como
algo que pode ser reciclado e dois alunos referem-se ao lixo como algo que
pode ser reutilizado ou algo que não podemos mais reutilizar. Semelhantes
resultados foram apresentados pela pesquisa de Latini et al., (2013) e
Menezes, et al., (2005), onde as respostas dadas pelos alunos eram que lixo
era tudo que não podia ser reciclado ou reutilizado, ou tudo o que não
presta, sem valor.
Como os termos “reciclado” e “reutilizado”, fazem parte da realidade de
muitos alunos, essas concepções provavelmente emergem do seu contexto,
influenciado suas respostas. Moraes (2008) apud Buffolo (2014), cita que “o
cotidiano das pessoas é definido pelo contexto, pelo discurso cultural e
pela linguagem que os alunos dominam”.
Alguns alunos fazem generalização ao afirmar que reciclar é o mesmo que
reutilizar, necessitando intervenção para conceitos de transformação da
matéria além da propriedade específicas do material, bem como a aprendizagem
atitudinal, com o consumo sustentável ao desenvolver a cultura do “ser” em
detrimento a cultura do “ter”, a qual perpassa pela Política dos 5 Rs
(erres).
2. Aquilo que não presta: Cinco participantes afirmaram que lixo era
tudo aquilo que não presta. De acordo com Menezes, et al., (2005),
respostas como essas, indicam uma não consciência do valor do lixo e da
importância da sua reciclagem e reutilização, levando a crê que se trata de
uma “sociedade consumista, desinformada e despreocupada com a repercussão de
suas ações no meio ambiente”. É por isso seria importante que o conceito de
lixo fosse revisto.
3. Compostagem: Apenas uma participante citou que lixo poderia virar
adubo, onde restos de alimentos seria útil como adubo, seja numa horta ou em
plantações de forma geral. Esses resultados corroboram a importância se
investigar o conhecimento prévio que cada aluno possui sobre determinado
tema a ser estudado, o qual pode ser aproveitado no processo de ensino e
aprendizagem. Zabala (1998) afirma que os alunos possuem um conhecimento e
que este deve aflorar em todos os momentos da intervenção pedagógica.
4. Sem compreensão para Resíduo Sólido: Foi possível observar que
apesar de dois participantes trazerem uma definição sobre RS, nenhum deles
havia escutado esse termo. Estes se basearam na palavra “sólido” e
arriscaram uma definição. Segundo Demajorovic (1995) resíduos sólidos são
produtos que agregam valor monetário, por possibilitar o reaproveitamento no
próprio processo produtivo. E dez participantes não responderam o conceito
de resíduos sólidos. O que demonstra a importância de se reforçar na sala de
aula temas sociais que emergem na sociedade, e que podem ser permeados no
ensino de química por meio das relações CTS.
FONTE: Os autores (2017)
FONTE: Os autores (2017)
Conclusões
O lixo, pela quantidade produzida e sua toxicidade, representa uma grave ameaça à vida no planeta. O consumo compulsivo é responsável pela contínua produção de lixo. Em virtude disso, as cidades e seus cidadãos precisam considerar a problemática gerada pelos resíduos sólidos (RS), tendo conhecimento para que possam agir de acordo com as exigências legais e morais da sociedade, cobrando das autoridades e fazendo seu papel. Assentimos com Santos, Machado e Brasileiro (2010), quando dizem que a educação é o ponto de inicial para resolução de problemas sociais. Nesse sentido, o conhecimento de tudo aquilo que pode lhe afetar se faz necessário e por isso educar para compreensão da necessidade da coleta seletiva e reciclagem, bem como trabalhar a ideia de redução do lixo produzido, para assim evitar problemas futuros. Esses resultados iniciais permitiram uma análise dos conhecimentos prévios dos alunos e mostraram que há confusão em relação as transformações que ocorrem nos materiais, que não clareza sob a definição do que é lixo e como ele pode ser tratado, e mostraram a relevância de se trabalhar o tema sociocientífico lixo urbano no bairro pelo desconhecimento do histórico e das questões ambientais a ele atribuídas, fornecendo dados que ajudaram na intervenção das ações didáticas que permearam o projeto de dissertação.
Agradecimentos
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Amazonas (FAPEAM) Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM) A Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
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