CONTEXTUALIZAÇÃO, UM ENSINO CTS, EXEMPLIFICAÇÃO, OU APENAS COTIDIANIDADE? Algumas significações e perspectivas de professores de química

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Ensino de Química

Autores

dos Santos, R.V.P. (IFRJ-NILÓPOLIS) ; Messeder, J.C. (IFRJ-NILÓPOLIS)

Resumo

O presente artigo apresenta em sua divisa uma investigação realizada com professores da rede pública estadual, que teve como objetivo averiguar quais as suas concepções sobre as abordagens de contextualização, cotidiano e possíveis interfaces entre um ensino de química e A perspectiva educacional CTS. Buscou-se verificar se em tais situações de contextualização, existem ajustes e adaptações para as realidades de sala de aula. Os resultados encontrados nas entrevistas realizadas inferem que os professores fazem uso da contextualização, e entendem o seu papel no ensino da química. Porém, o grande problema enfrentado pelos docentes, vai além dos conteúdos disciplinares, e reside no fato de um contexto desmotivador em que vivem em suas escolas, com problemas sociais e falta de infraestrutura.

Palavras chaves

contextualização; Aulas de Química; Prática Docente

Introdução

A problemática das dificuldades encontradas pelos professores para se ensinar química tem sido motivo de discussões em diversos trabalhos de pesquisa em ensino, ao longo dos anos. Vários autores discorrem sobre os contextos de falta recursos e de interesse dos alunos, o que torna uma temática repetitiva, quando se apresentam melhorias para este ensino, quer num viés de sala de aula, quer num viés de políticas educacionais. Para Silva (2011), das disciplinas ministradas, tanto no ensino fundamental como no ensino médio, a Química é citada pelos alunos como uma das mais difíceis e complicadas de se estudar, e que sua dificuldade aumenta por conta de ser abstrata e complexa. Os alunos alegam a necessidade de memorizar fórmulas, propriedades e equações químicas, e, principalmente, quando dizem para os professores: “o que isso vai servir para a minha vida futura?” Com o interesse de oferecer um melhor diálogo e a participação dos alunos em sala de aula, muitos professores optam por utilizarem propostas de articulações entre ciência, tecnologia e sociedade, onde se mostram como a ciência e a tecnologia estão ligadas de forma direta e indireta ao mundo do aluno. De acordo com Anele (2007), mesmo quando se trabalha em uma escola pública, onde os recursos são escassos, a troca de informações ocorre, de forma que gerem a construção de novas ideias e compreensão de novos conceitos, e que é fundamental pôr em prática uma abordagem diferenciada em sala de aula, criando condições para sua realização. Se fizermos uma análise nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), veremos que existe uma preconização de que ao contextualizar o conteúdo nas aulas, com os alunos, os professores devem ter em mente que todo conhecimento, ao ser adquirido, abarca uma relação entre sujeito e objeto. Segundo estes documentos, a contextualização aparece como uma estratégia de ensino, que, se conseguida, possibilita uma aprendizagem mais significativa (BRASIL, 2000). O termo contextualização é muitas das vezes distorcido, em sua real compreensão. Faz-se necessário que os professores se apropriem de estudos que favoreçam entendimentos mais elaborados que possam ajudam na diferenciação entre cotidiano e contextualização. Wartha, Silva, e Bejaramo, (2013) apontam que tal diferenciação deva ocorrer principalmente quando a contextualização é abordada nos trabalhos característicos de um ensino alicerçado em um ensino de ciências com ênfase em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Pode-se ressaltar que um ensino em CTS “significa o ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu meio tecnológico social”, onde os estudantes fazem relações do mundo natural com o construído pelo homem, juntamente com a sua realidade cotidiana (SANTOS, 1997). Desde os trabalhos pioneiros sobre o ensino CTS, se discute a necessidade e os benefícios de uma investigação científica e tecnológica dentro de sala de aula. Roger Bybee (1987) em suas pesquisas mostrou que com este tipo de investigação a participação dos alunos se torna mais ativa, na obtenção de informações, de solução de problemas e de tomadas de decisão. Santos e Mortimer (2000) corroboram nesse sentido, trazendo que “a educação tecnológica no ensino médio vai muito além do fornecimento de conhecimentos limitados de explicação técnica do funcionamento de determinados artefatos tecnológicos” (p.118). Diante destes vieses, o presente trabalho teve como objetivo investigar as significações e perspectivas de professores de química sobre os termos cotidiano e contextualização. Buscou-se também, averiguar como tais professores costumam adaptar situações que fazem parte do seu cotidiano, em suas discussões com os alunos, e como desenvolvem aulas que possam oferecer ao aluno um conteúdo disciplinar voltado para um contexto social e tecnológico.

Material e métodos

Cabe ressaltar que o trabalho apresentado neste texto foi uma atividade de pesquisa desenvolvida como prática pedagógica, numa disciplina de um curso de Licenciatura em Química, ao longo do primeiro semestre de 2017. Tal atividade contemplou a Prática como Componente Curricular (PCC) exigida para as licenciaturas (BRASIL, 2015). Neste tipo de atividade prática, preconizada no Projeto Político Pedagógico (PPC) do curso (BRASIL, 2015a, p. 43), ocorrem discussões coletivas no âmbito da disciplina Pesquisa em Ensino de Química (PEQ), e que servem de subsídios para que os licenciandos possam pensar e repensar a prática pedagógica, com inserções de propostas de atividades que possibilitam, em um curso formação de professores, a procura de um ensino de química mais diversificado. A pesquisa desenvolvida teve caráter qualitativo, visto que seu objetivo foi interpretar a realidade investigada (GASKEL, 2010), e foi construída através de entrevistas realizadas com dois professores de química do ensino médio de uma escola da rede pública estadual de ensino, localizada no município de Nilópolis, uma cidade situada na baixada fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro. Para conduzir as entrevistas com os professores, foram realizadas quatro perguntas, que objetivam questionar sobre a contextualização de situações do cotidiano, caso existisse, eram inseridas no contexto das aulas. Buscou-se também, que os dois professores pudessem explicitar suas dificuldades para realizar uma abordagem com este formato, expondo os resultados de aprendizagem dos alunos, obtidos durante uma aula química com contextualizações de fatos do dia a dia. Na busca de preservar as identidades e as falas dos entrevistados, foram escolhidos dois nomes fictícios para os professores: João e Maria. Solicitou-se aos professores que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), considerando-se a importância da ética na pesquisa e os direitos do entrevistado. Foi perguntado aos docentes o tempo de magistério, formação acadêmica e idade, além das quatro perguntas: o(a) senhor(a) costuma contextualizar suas aulas de Química com as situações do seu cotidiano?; se sim: qual a maior dificuldade na hora de contextualizar um assunto?; se não: o que lhe impede de trabalhar com essa contextualização?; essa contextualização da realidade garante melhor compreensão e rendimento do aluno?; quais são as dificuldades diárias em sala de aula e como é possível saná-las? As entrevistas ocorreram na escola, individualmente, sendo gravadas através de um celular, onde as falas foram transcritas na íntegra.

Resultado e discussão

Para análise dos resultados optou-se por uma abordagem mais livre, uma vez que, as entrevistas semi-estruturadas produzem um volume muito grande de dados. De acordo com Alves e Silva (1992) “a análise qualitativa se caracteriza por buscar uma apreensão de significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em que eles se inserem e delimitada pela abordagem conceituai (teoria) do pesquisador, trazendo à tona, na redação, uma sistematização baseada na qualidade, mesmo porque um trabalho desta natureza não tem a pretensão de atingir o limiar da representatividade” (p. 65). Quando os professores foram perguntados sobre como costumam contextualizar suas aulas de Química com as situações do cotidiano, os dois professores tiveram respostas parecidas. A professora Maria mencionou que depende muito dos conteúdos que está trabalhando com a turma, e que quando consegue adaptar o assunto, sempre opta pela contextualização. O professor João mencionou que sempre tenta trazer coisas do dia a dia do aluno para explicar, mas nem sempre obtém êxito. Para Silva (2011) a abordagem do conteúdo deve ser sempre contextualizada, independente do assunto da aula. Os docentes foram questionados sobre qual a maior dificuldade na hora de contextualizar um assunto. Ambos deram ênfase na dificuldade de trazer termas que fossem de real interesse dos alunos. O professor João citou a dificuldade em contextualizar assuntos relacionados aos aspectos das microestruturas químicas, como no caso de modelos atômicos. Ele mencionou que em muitas das vezes as analogias utilizadas nos livros didáticos estão fora do contexto atual do aluno, como por exemplo, o “modelo do pudim de passas”. Esta fala do professor João é corroborada por diversos trabalhos de pesquisa que investigam as analogias em livros de química. O modelo atômico do cientista Inglês Joseph John Thomson (1856 – 1940), conhecido como “pudim de passas”, é questionado como forma de analogia em diversos trabalhos como, por exemplo, no de Lopes e Martins (2009), que indicam que “[...] a analogia necessita ser familiar ao aluno para que seja considerada um modelo de ensino útil. Quem conhece um pudim de ameixas ou um pudim de passas no Brasil?”(p. 9). A professora Maria destacou a complexidade em complementar o tema da aula (seja qual for) em discussão com conteúdos que os alunos possam levar para suas vidas. Nesta fala foi possível verificar a importância dada à necessidade de que os conteúdos disciplinares sejam contemplados em sua totalidade nas aulas. Sente-se a dificuldade do professor em relacionar temas sociais com os temas químicos que constituem a base da maioria das aulas no ensino médio. Foi verificado, que a atenção aos temas puramente químicos é o norteamento das aulas. Eles não indicaram que é possível que um tema social possa despertar o aprendizado da química, e a partir desse mote, possa se estabelecer um ensino diversificado, onde os temas químicos possam ser trazidos como consequência, caracterizando um ensino CTS. De acordo com Santos e Mortimer (2002) a abordagem de temas sociais na sala de aula favorece a alfabetização científica dos alunos por meio de suas vivências sociais que atribuem significado aos conteúdos científicos para além da simples conceitualização. Se formos analisar pelo viés da Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT), veremos que ainda é algo que o professor, mesmo conhecendo, não traz em suas práticas de sala de aula. O que prima é apenas abordagem de conteúdos disciplinares. Gérard Fourez (2003), afirma que os currículos de Ciências devem ser organizados de tal maneira que os alunos possam participar mais efetivamente de projetos educativos, e assim sendo, possam utilizar dos conhecimentos científicos para resolver problemas que os cercam no cotidiano de suas vidas. O autor ainda afirma que devemos nos preocupar com os cursos de licenciaturas, pois, “[...] a formação dos licenciados está mais centrada sobre o projeto de fazer deles técnicos de ciências do que de fazê-los educadores. Quando muito, acrescenta-se à sua formação de cientistas uma introdução à didática de sua disciplina”. Durante a terceira pergunta, os docentes foram indagados se o uso da contextualização nas aulas de química garante melhor compreensão e rendimento dos alunos. Os dois professores apresentaram respostas antagônicas; o professor João foi bem objetivo em mencionar que a contextualização não garante totalmente uma melhoria na aprendizagem, mas colabora muito, enquanto que a professora Maria respondeu “[...] depende muito do interesse do aluno, apesar dos alunos acabarem se interessando mais pela contextualização [...]; [...] não que isso vá facilitar, pode ajudar, mas não torna o conteúdo mais fácil [...]”. Averiguando, percebe-se que a professora Maria defende uma parcela de interesse do aluno para que haja eficácia, já o professor João acredita que somente a aplicação da contextualização garante que haja um melhor resultado. Pode-se perceber que os dois professores não destacaram o tipo de avaliação da aprendizagem que é realizado durante uma intervenção pedagógica. Então, infere-se outro agravante, no que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem: o processo de avaliação. Em uma aula que se espera que a contextualização seja adotada com estratégia didática, deve-se esperar também que o professor busque diferentes métodos avaliativos, e obtenha assim, uma melhor aferição do rendimento escolar (RAMOS; MORAES, 2010). No final da entrevista os docentes são perguntados sobre as principais dificuldades encontradas diariamente, no contexto da sala de aula. Ambos deram ênfases às diferentes dificuldades, apesar de que elas possam estar ligadas indiretamente. A professora Maria destacou o contexto social de sua sala de aula, onde mencionou que há pouco interesse do aluno em enxergar que o ensino é legal, interessante e necessário. A professora destacou que o desinteresse do seu aluno pela na escola está no fator socioeconômico, e citou que em sua turma há casos de alunos envolvidos no tráfico de drogas: “[...] tenho alunos que são traficantes e envolvidos direto com o tráfico; não tenho medo deles pois são os mais tranquilos, apesar disso é muito difícil impor na cabeça dessa criança que a escola é importante, que estudar é importante, que a Química vai fazer importância na vida dele de alguma maneira [...]”. O professor João dá importância à abstração dos alunos por conta do uso de smartfones durante as aulas, e complementa, relatando que existe também certa barreira dos alunos quanto à química, e que este quadro é potencializado devido à deficiência da maioria dos alunos quanto aos fundamentos matemáticos exigidos. Diante deste quadro, mostrado pelos professores, pode-se verificar um distanciamento por parte dos alunos, uma vez que a atenção de todos está centrada, quase que exclusivamente em atividades que fogem ao contexto escolar. A professora Maria enfrenta problemas de falta de interesse dos alunos em suas turmas, lidando diariamente com alguns adolescentes inseridos em um contexto social criminoso. Enquanto que o professor João enfrenta certo preconceito por parte dos alunos, em relação às dificuldades inerentes do aprendizado da Química, e ainda relata a falta de rendimento escolar, provenientes de uma problemática ligada ao uso excessivo de tecnologias sociais. Quando analisamos as falas dos dois professores de química vemos que há uma consonância no que diz respeito aos dilemas e sentimentos comuns enfrentados suas salas de aulas. Corrêa (2013) sistematizou algumas destas dificuldades comuns apontadas pelos professores, e dá destaque à falta de controle de classe e ao domínio do conteúdo, todos associados à indisciplina e ao desinteresse discente. Os resultados mostraram a importância de definirmos o que vem a ser exemplificação, com abordagem de situações do cotidiano, e a contextualização de fato. Acreditamos que tais incongruências, ainda hoje, são as dominantes em nossas salas de aula.

Conclusões

Neste artigo, procurou-se apresentar as perspectivas dos docentes, participante da pesquisa, quanto o uso da contextualização social- tecnológica em suas turmas de colégio público, frente aos problemas associados à cotidianidade vivida pelos professores. Partindo das constatações feitas, com base nas entrevistas realizadas, pode-se analisar que dentro de um contexto com problemas sociais e falta de infraestrutura, os professores de química utilizam a contextualização dos temas como uma grande aliada, apesar desse tipo de metodologia não conseguir ser aplicada em todo conteúdo da disciplina. Para o professor João, por exemplo, os professores com menos tempo de formação são os que mais costumam trabalhar a contextualização, visto que segundo ele, as universidades estão se preocupando mais em preparar os futuros docentes para trabalharem com tais contextualizações. Cabe destacar ainda o papel de grande importância da contextualização nas vidas dos alunos, visto que a metodologia em si não apenas facilita a maneira de se trabalhar conceitos químicos, mas prepara o aluno para interpretar fenômenos da química inseridos no seu dia a dia, por menores que sejam. Assunto que vão desde “como funciona o processo de um detergente’, ou até mesmo “as consequências de um impacto ambiental causado por poluentes industriais”. A contextualização prepara o aluno para o mundo, e pode ser exercitada na prática dos professores, já que os campos e contextos experimentados pelos alunos e pela escola são inumeráveis, e que podem ser aproveitados para dar razão e sentido ao conhecimento.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos ao IFRJ, por fomentar o projeto de pesquisa desenvolvido.

Referências

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