Gaseificação da fração polimérica contida no rejeito dos Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Garibaldi – RS
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Ambiental
Autores
Lazzarotto, I.P. (UCS) ; Ferreira, S.D. (UFRGS) ; Junges, J. (UFRGS) ; Godinho, M. (UCS) ; Bassanesi, G. (UCS) ; Gabriel, L. (UCS)
Resumo
Resíduos Sólidos Urbanos são uma fonte em potencial para a produção de gás de síntese, e de outros gases, em substituição a fontes não renováveis. O presente estudo reporta a gaseificação a vapor da fração polimérica contida no rejeito do processo de triagem do sistema de coleta seletiva dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) do município de Garibaldi – RS. A partir das amostras caracterizadas foram conduzidos experimentos de gaseificação a uma temperatura de 900 °C utilizando vapor d’água como agente de gaseificação. O gás produzido é composto majoritariamente por Hidrogênio (76,4%).
Palavras chaves
Gaseificação; Resíduos Sólidos Urbanos; Polímeros
Introdução
O gerenciamento, tratamento e disposição de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são preocupações comuns em todos os países (ZHENG et al., 2016). Em decorrência da combinação de fatores como o crescimento populacional acelerado, a rápida urbanização e o desenvolvimento sócio econômico, nos últimos dez anos a geração mundial de RSU duplicou, sendo previsto que as quantidades sejam triplicadas para a próxima década (COUTO; SILVA; ROUBOA, 2016; SOLTANI; SADIQ; HEWAGE, 2016). Os RSU possuem características e quantidades que variam de acordo com a região estudada. Tais variações são dependentes do estilo e dos padrões de vida, da estrutura socioeconômica, consumo de produtos, regulamentações locais, dentre outros (BAAWAIN et al., 2017). Os principais RSU coletados são compostos basicamente de material polimérico, papel, metais, têxteis, resíduos orgânicos, couro, borracha, metais, vidro, cerâmica, materiais do solo e outros materiais diversos (CZAJCZYŃSKA et al., 2017). De acordo com dados do Panorama dos Resíduos Sólidos, no Brasil, foram coletados no no ano de 2015, 79,9 milhões de toneladas de RSU e 42,6 milhões de toneladas (53,3%) possuem disposição final ambientalmente adequada (ABRELPE, 2015). No Estado do Rio Grande do Sul, 57,14% dos municípios possuem áreas contaminadas, sob suspeita ou com potencial de contaminação, em decorrência da disposição inadequada dos resíduos gerados pelas atividades urbanas (FEPAM; ENGEBIO, 2015). Tecnologias para o gerenciamento de RSU, são amplamente utilizadas, como: incineração com recuperação de energia, pirólise e gaseificação, gaseificação por arco de plasma, combustível derivado reciclado e biometanação por digestão anaeróbica (OUDA et al., 2015). Os poluentes emitidos no processo de gaseificação são menores quando comparados com as técnicas de incineração e é uma conversão mais rápida se comparada com processos microbiológicos (THAKARE; NANDI, 2015). A gaseificação é a transformação termoquímica de biomassa sólida ou líquida em uma mistura de monóxido de carbono (CO), hidrogênio (H2), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), tar, água, sulfito de hidrogênio e outras espécies (em quantidades traço), cujas frações são determinadas por variáveis operacionais tais como: características do material utilizado, agente de gaseificação, temperatura e pressão do reator (SIKARWAR et al., 2017; ARAFAT; JIJAKLI; AHSAN, 2015). A gaseificação é um método de conversão de resíduos para energia (waste to energy – WTE) que oferece uma solução atrativa tanto para a disposição/destinação de resíduos sólidos como para os problemas energéticos (COUTO et al., 2017; SIKARWAR et al., 2017). Hofbauer; Wilk (2013) estudaram a gaseificação de polímeros diversos com uma produção de gás de 1,2 Nm³/kgPOLIETILENO com concentração de hidrogênio de cerca de 40%. Erkiaga et al (2013) verificaram que a temperatura é um fator importante na avaliação do rendimento e da composição do gás no processo de gaseificação, tendo sido observada uma máxima produção de hidrogênio na temperatura de 900°C (60,3%). He et al (2009), estudaram a gaseificação dos resíduos de polietileno e obtiveram gás com concentração de hidrogênio de 36,98%, a uma temperatura de processo de 900°C. O presente estudo visa avaliar a gaseificação a vapor da fração polimérica contida no rejeito do processo de triagem do sistema de coleta seletiva dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) do município de Garibaldi – RS, buscando uma alternativa econômica e ambientalmente correta para destinar este resíduo produzindo um gás rico em H2 para produção de energia.
Material e métodos
Os RSU foram coletados conforme o Standard Test Method for Determination of the Composition of Unprocessed Municipal Solid Waste (ASTM INTERNATIONAL, 2016) e na Norma Brasileira para amostragem de resíduos sólidos (ABNT, 2004). A fração polimérica presente no rejeito foi encaminhada para o Laboratório de Energia e Bioprocessos (LEBio) da Universidade de Caxias do Sul, onde foram segregados de acordo com a identificação contida nas embalagens. Os resíduos foram cominuídos em moinho de facas e posteriormente se realizou a análise imediata, onde a amostra foi submetida aos procedimentos descritos na norma ASTM D1762. O reator utilizado para os ensaios de gaseificação opera em leito estacionário por sistema de batelada. O vapor d’água utilizado como agente de gaseificação foi produzido através de um boiller, a temperatura de 168°C e 7 bar de pressão. Inicialmente, o forno foi aquecido com uma taxa de 30 °C/min até atingir a temperatura final de 900 °C, sob fluxo de gás inerte N2 (0,5 mL/min). Após alcançar a temperatura desejada, o fluxo de vapor foi ajustado em 0,3 kg/h e a amostra (30 g) foi inserida no interior do reator. A condensação dos vapores formados foi conduzida seguindo a norma CEN BT/TF 143 (adaptada), fazendo-se uso de cinco borbulhadores (impingers). Em cada borbulhador foram adicionados 70 mL de álcool isopropílico, com exceção do primeiro e do último borbulhador, que permaneceram vazios. Todos os borbulhadores foram acondicionados em uma caixa com banho de gelo, sal e álcool isopropílico, com o intuito de manter os borbulhadores sob baixa temperatura. Um gasômetro foi utilizado para determinar o volume dos gases gerados ao longo dos experimentos de gaseificação. O momento em que a amostra foi inserida no interior do reator foi considerado como t0 = 0 min. As amostras dos gases gerados foram coletadas entre os tempos 0–90 min, totalizando 12 coletas por experimento. Após transcorridos os 90 minutos de reação, o aquecimento foi suspenso, cessado o fluxo de vapor d’água e retornada ao fluxo de N2 para resfriamento do sistema até a temperatura ambiente. Os gases não-condensáveis (CO, CO2, CH4, H2) foram analisados por cromatografia gasosa (marca Dani Instruments Spa., modelo Master GC) provido de detector por condutividade térmica (TCD – Thermal Conductivity Detector). A coluna capilar utilizada foi do modelo Carboxen 1006 (Supelco), com comprimento de 30 m, 0,53 mm de diâmetro interno e 30 μm de espessura de filme.
Resultado e discussão
Os resultados obtidos pela análise imediata da amostra apresentaram os valores a seguir, reportados em percentuais mássicos (%m/m): 93,2 – matéria volátil, 3,3 – cinzas e 3,5 – carbono fixo (obtido por diferença). Hofbauer; Wilk (2013) verificaram que amostras compostas por diferentes materiais poliméricos (industriais) apresentaram resultados para matéria volátil próximos a 99 % e resultados de cinzas abaixo de 1 %. He et al (2009) obtiveram, para amostras de resíduos de polietileno, valores de matéria volátil de 99,85 % e cinzas de 0,15 %. Considerando que neste trabalho foram utilizados resíduos sólidos na forma direta, a presença de matéria orgânica promove a variação de resultados frente aos encontrados na literatura, onde os artigos utilizam os materiais para uso industrial e não os resíduos destes.
A produção de gases não condensáveis durante o experimento foi de 2,23 Nm³/kgamostra. A composição deste gás (H2/CO/CO2/CH4), em frações molares, está representada na figura 01. É possível verificar que o Hidrogênio é o gás majoritário presente, sendo que o pico de produção de hidrogênio se deu em 6 minutos de reação (84,87 %). Zheng et al (2016) produziram um gás não condensável, a partir da gaseificação de polietileno, com concentrações de hidrogênio próximas a 35%. He et al (2009) obtiveram um gás, a partir da gaseificação do polietileno, com fração mássica de hidrogênio igual a 36,98 %. Estes resultados mostram que a mistura de diversos materiais poliméricos promovem a produção de um gás rico em hidrogênio. Ainda, conforme Couto et al (2016) o uso de vapor d’água como agente de gaseificação resulta na decomposição de hidrocarbonetos e o aumento do teor de hidrogênio.
Durante o experimento, as taxas médias de produção obtidas para cada um dos gases analisados foi de: 1,55 mmolH2/min.gRSU, 0,26 mmolCO/min. gRSU, e 0,15 mmolCO2/min. gRSU. Estas taxas demonstram que a produção de hidrogênio é majoritária frente aos demais gases (CO/CO2/CH4). Os valores para o metano não foram considerados, devido às baixas concentrações produzidas nos ensaios. A figura 2 apresenta a taxa de produção dos gases ao longo da reação. De acordo com os valores apresentados na figura 2 é possível verificar que as taxas de produção decrescem à medida que a reação ocorre, demonstrando que a reação produz maiores quantidades de gás nos primeiros 20 minutos de reação. Decorrido este tempo, as taxas de produção tendem a zero em razão de o resíduo já ter sido consumido.
Variação da fração molar dos componentes dos gases não condensáveis em função do tempo
Variação da taxa de produção de gases não condensáveis em função do tempo
Conclusões
Resíduos Sólidos urbanos representam um problema ambiental para os gestores responsáveis pela sua coleta e destinação. A destinação em aterro de resíduos que ainda possuem alternativas viáveis de tratamento ferem o disposto na Política Nacional de Resíduos Sólidos, tendo em vista que somente devem ser enviados para disposição final após esgotadas todas as possibilidades de tratamento. Nos experimentos de gaseificação foi possível verificar uma produção de volumes significativos de gases a partir de massas reduzidas de resíduos. A qualidade deste gás, por ser um gás rico em hidrogênio, também é fator positivo a ser considerado quando da escolha desta tecnologia para tratamento de resíduos sólidos. A conversão termoquímica, através da gaseificação, mostrou-se apropriada para a destinação destes resíduos, contudo demais variáveis podem ser exploradas de forma a complementar os dados experimentais reportados neste trabalho.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e ao PGEPROTEC da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Referências
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