Pirólise de resíduos ósseos: rendimento e características das frações geradas

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Ambiental

Autores

Perondi, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Manera, C. (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL) ; Junges, J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Piroli Tonello, A. (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL) ; Carvalho Collazzo, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Dotto, G.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Godinho, M. (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL)

Resumo

A determinação do rendimento e a avaliação das características das frações geradas durante a pirólise de ossos residuais foram conduzidas neste trabalho. Os resultados mostraram que o char foi o produto de maior rendimento (> 60 %). O composto predominante na fração gasosa foi o CO2. O ácido hexadecanóico é o principal constituinte da fração líquida obtida a partir da pirólise de osso de gado, enquanto o oleanitrilo é o principal constituinte da fração líquida obtida a partir da pirólise de osso de frango. O char produzido a partir da pirólise de osso de frango apresentou área superficial específica de 18,72 m2/g, enquanto o char produzido a partir de osso de gado apresentou área superficial específica de 90,35 m2/g, indicando o seu potencial como adsorvente.

Palavras chaves

Resíduos ósseos; Pirólise; Material adsorvente

Introdução

O Brasil tem se destacado a nível mundial na produção de carnes. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), no 1º trimestre de 2017 foram abatidas 7,37 milhões de cabeças de gado, contribuindo com um faturamento de exportação de 1080 milhões de dólares. Paralelamente, no mesmo período, foram abatidas 1,48 bilhões de cabeças de frangos. Deste total, a região Sul foi responsável por 59,9% do abate nacional de frangos, seguida pelas regiões Sudeste (20,2%), Centro-Oeste (14,6%), Nordeste (3,7%) e Norte (1,6%), totalizando um faturamento de exportação de 1595,807 milhões de dólares. Se por um lado estes números são interessantes, por representarem uma fatia considerável do PIB Nacional, é necessário considerar que a produção animal gera volumes expressivos de rejeitos. Nas plantas de abate e processamento, são gerados milhões de toneladas de subprodutos não comestíveis, constituídos principalmente por vísceras, sangue, pêlos, sebo, penas e ossos (Agência Embrapa de Informação Tecnológica, 2017). Assim, este cenário conduz ao aproveitamento destes subprodutos não comestíveis, dentre eles os ossos residuais das cadeias produtivas de gado e frango, a fim de obter materiais de maior valor agregado. Uma alternativa para o aproveitamento destes materiais é através da produção de adsorventes, os quais podem substituir os carvões ativados. Para tal, um dos processos utilizados na obtenção de um material poroso de alta qualidade e alto valor agregado é através da pirólise. Durante a pirólise, a matéria orgânica é decomposta em três frações: sólido carbonoso (char), líquida (óleo) e gasosa. Assim, a contribuição científica deste trabalho está na determinação do rendimento e na avaliação das características das frações geradas durante a reação de pirólise conduzida com o objetivo de produzir um char, para posterior utilização em processo de adsorção.

Material e métodos

Os resíduos de osso de gado e osso de frango foram obtidos em propriedades rurais e abatedouros licenciados da região central do Rio Grande do Sul. Posteriormente, foram transportados e armazenados na temperatura de -18 °C. Uma etapa de lavagem e remoção manual das impurezas foi conduzida, seguida pela secagem em estufa até a temperatura de 60 °C por 48 h. Em seguida, as amostras foram cominuídas em um moinho de facas até a granulometria menor do que 1 mm. Finalmente, os resíduos tratados foram armazenados na temperatura de - 4 °C para posterior caracterização e processamento. Para a caracterização das amostras, foi conduzida a análise imediata (determinação dos teores de umidade, matéria volátil, cinzas e carbono fixo) seguindo os procedimentos descritos nas normas NBR8293, NBR8290, NBR8289 e NBR8299. Os ensaios de pirólise foram conduzidos em um reator de bancada, que opera em sistema batelada. Uma descrição detalhada deste equipamento foi reportada recentemente por Perondi et al., 2017. Os experimentos foram conduzidos com a utilização de uma taxa de aquecimento de 10 °C·min-1. Em todos os experimentos foi utilizada uma isoterma de 60 min após ser atingida a temperatura final (800 ºC). A condensação dos vapores de pirólise foi conduzida segundo a norma CEN BT/TF 143 (adaptada). Foram utilizados dez borbulhadores associados em série. Em cada experimento foram adicionados 100 mL de álcool isopropílico em cada borbulhador, com exceção do primeiro e do último (vazios). Todos os borbulhadores foram acondicionados em uma caixa fria (banho de gelo, sal e álcool isopropílico). A amostragem do gás não- condensável foi realizada fazendo-se uso de coletores (traps). As amostras de gás foram coletadas na região não-isotérmica (500, 600, 700 e 800 ºC) e na região isotérmica (15, 30 e 60 minutos após ser atingida a temperatura final). O reator foi então resfriado com nitrogênio até temperatura ambiente e o sólido formado foi coletado, pesado e armazenado para posterior análise de área superficial e tamanho de poros em um analisador da marca Quantachrome Instruments, modelo Nova 1200e. A análise dos gases não- condensáveis (fração gasosa) foi realizada em um Cromatógrafo Gasoso, da marca Dani Master GC, provido de Detector por Condutividade Térmica. Uma coluna capilar da Supelco® Analytical, modelo Carboxen™ 1006, com comprimento de 30 m, 0,53 mm de diâmetro interno e 30 μm de espessura de filme foi utilizada. A análise dos gases condensáveis (fração líquida) foi realizada em um cromatógrafo gasoso acoplado a um detector seletivo de massas (Hewlett Packard: 6890/MSD5973), equipado com o software HP Chemstation e espectroteca Wiley 275. Foi utilizada uma coluna capilar de sílica fundida HP-Innowax com comprimento de 30 m, 0,25 mm de diâmetro interno e 0,50 mm de espessura de filme.

Resultado e discussão

Na Figura 1 estão apresentados os resultados da análise imediata (matéria volátil, cinzas e carbono fixo) das amostras estudadas. É possível verificar que, a amostra de osso de gado apresentou um teor de cinzas de 57,21 % em massa, e que a amostra de osso de frango apresentou um teor de cinzas de 40,44 % em massa. Para fins de comparação, Purevsuren et al., 2004 reportaram a análise imediata de ossos de gado e o teor de cinzas apresentado por eles foi de 64,7%. Ossos de uma maneira geral são formados por hidroxiapatita, carbonatos e baixos teores de material orgânico (Souza, 2010). Uma composição mineral do osso de gado foi reportada por Filho (2006). De acordo com o autor, os maiores componentes das cinzas são cálcio e fósforo. Com relação ao teor de voláteis, a amostra de osso de gado apresentou um teor menor (39,33% em massa) do que a amostra de osso de frango (43,97% em massa). Para Purevsuren et al., 2004 este teor foi de 28,9%. Os teores de voláteis estão associados a presença de proteína nos ossos (Souza, 2010). Observa-se que tanto o osso de gado, quando o osso de frango, apresentam potencial para aplicação no processo de pirólise.Na Figura 2 (a) estão apresentados os rendimentos dos produtos obtidos a partir da pirólise das amostras de osso de gado e osso de frango. Os resultados mostraram que o char foi o produto de maior rendimento para ambas as amostras. Os rendimentos obtidos foram de 62,82% para a amostra de osso de gado e 64,62% para a amostra de osso de frango. A fração líquida foi a que apresentou menor rendimento (4,09% para a amostra de osso de gado e 11,03% para a amostra de osso de frango). Para fins de comparação, Purevsuren et al., 2004 obtiveram um rendimento de alcatrão a partir da pirólise de osso de gado de 4,92% em massa. Finalmente, a fração de gás não-condensável, apresentou rendimento de 33,09% para a amostra de osso de gado e 24,35% para a amostra de osso de frango. Rojas-Mayorga et al., 2013 conduziram um estudo de otimização das condições de pirólise, bem como das propriedades de adsorção dos chars produzidos a partir de ossos, com o objetivo de remover flúor de água. A matéria precursora utilizada para a produção do char foi fêmur de gado e os seguintes parâmetros foram avaliados: temperatura (650, 700, 800, 900 e 1000 ºC), taxa de aquecimento (5 e 10 ºC.min-1) e tempo de residência (2 e 4 horas). Os rendimentos de char reportados pelos autores variaram entre 70,53 e 75,41% e indicaram que as condições de pirólise testadas não possuem efeito significativo sobre o rendimento de char. No entanto, um incremento do tempo de residência resultou em um decréscimo de aproximadamente 3% no rendimento de char. De acordo com os autores, os rendimentos de char obtidos por eles foram maiores (isto é, > 70%) do que os obtidos por Kawasaki et al., 2009, cujo utilizaram como precursores ossos de gado, porco, frango e peixe. Kawasaki et al. 2009 obtiveram rendimentos de char entre 37,1 e 70,9%, sob diferentes temperaturas (800 e 1000 ºC). Adicionalmente, Rojas-Mayorga et al., 2013, reportaram que embora a temperatura de pirólise não exerça efeito significativo sobre o rendimento de char, ela exerce efeito significativo sobre as propriedades de adsorção do flúor, enquanto a taxa de aquecimento e o tempo de isoterma não alteram significativamente o desempenho dos chars. Figura 2 (a). Rendimentos de pirólise das amostras de osso de gado e osso de frango. A influência da temperatura sobre a produção dos gases não-condensáveis para as amostras de osso de gado e osso de frango está apresentada nas Figuras 2 (b) e (c). Os resultados da fração molar dos gases não-condensáveis estão expressos em base livre de nitrogênio. Figura 2. Influência da temperatura sobre a produção dos gases não- condensáveis. (b) Amostra de osso de gado. (c) Amostra de osso de frango. Para ambas amostras, o composto predominante foi o dióxido de carbono (CO2). Marculescu e Stan, 2014 também observaram esta tendência. Os autores pirolisaram resíduos de uma indústria de processamento de aves. De acordo com eles, a predominância do dióxido de carbono pode ser explicada pela evaporação de compostos de baixo peso molecular, além das reações de decomposição/quebra das ligações C-C. Na temperatura de 800 ºC, devido às condições parciais de gaseificação criadas pelo aumento da temperatura e pela presença do oxigênio contido na amostra, além da presença dos vapores d’ água formados pela reação, a produção de hidrogênio foi favorecida (Marculescu and Stan, 2014). Os resultados das análises de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (CGMS) indicaram que, o ácido hexadecanóico (também conhecido como ácido palmítico), é o principal constituinte da fração líquida obtida a partir da pirólise de osso de gado (18,3% de participação), enquanto o oleanitrilo é o principal constituinte da fração líquida obtida a partir da pirólise de osso de frango (19,26% de participação). O ácido hexadecanóico é um ácido graxo saturado. Além de ser o principal componente do óleo de palma, ele é encontrado na carne bovina. As aplicações do ácido hexadecanóico são desde a manufatura de sabões até a utilização destes sabões como antioxidantes em tintas, como impermeabilizantes na indústria de tecido, na fabricação de vela, juntamente com a parafina e preparação de cristal líquido utilizado na indústria eletrônica (Sales, 2006). O oleanitrilo é produto da reação do ácido oleico, sendo este um ácido graxo de cadeia longa (18 carbonos). Uma caracterização cromatográfica dos principais ácidos graxos em amostras de sebo bovino e óleo de frango foi reportada por Bellaver e Zanotto (2004). Os autores encontraram um percentual de 29,10% de ácido palmítico no sebo bovino e 43,50% de ácido oleico no óleo de frango, indicando assim a origem dos principais compostos encontrados na fração líquida obtida pela pirólise dos ossos deste trabalho. Com relação aos chars obtidos, pode-se inferir que as isotermas de adsorção de nitrogênio apresentaram comportamento do tipo II, sendo este comportamento característico de materiais mesoporosos. De acordo com a análise de área superficial, o char produzido a partir da pirólise de osso de frango apresentou área superficial específica de 18,72 m2/g, enquanto o char produzido a partir de osso de gado apresentou área superficial específica de 90,35 m2/g. Ambos os valores foram obtidos a partir do modelo proposto por Braunauer, Emmet e Teller (BET). A distribuição do tamanho de poros por meio do método de DFT, indicou que os poros de ambos os chars apresentam diâmetro compreendido entre 32 e 96 Å. Assim, de acordo com a convenção da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), estes poros estão classificados como mesoporos. De acordo com Campos, 1996, os mesoporos são muito importantes na acessibilidade das moléculas de adsorbato para o interior das partículas, especialmente nas aplicações em fase líquida. Assim, as características dos chars obtidos a partir da pirólise de osso de gado e frango indicam o seu potencial como adsorvente em fase líquida.

Figura 1.

Análise imediata das amostras de osso de gado e osso de frango.

Figura 2

(a)Rendimentos de pirólise das amostras de osso de gado e osso de frango.(b)(c)Influência da temperatura sobre a produção dos gases não- condensáveis.

Conclusões

A partir dos resultados de caracterização, pode-se concluir que tanto a amostra de osso de gado, quanto a amostra de osso de frango, apresentam altos teores de cinzas. Estes valores estão associados a composição dos ossos, formados principalmente por hidroxiapatita e carbonatos. Os teores de voláteis, associados a presença de proteína nos ossos, foram de 39,33% em massa para a amostra de osso de gado e 43,97% em massa para a amostra de osso de frango.Especificamente com relação a reação de pirólise, pode-se destacar que char foi o produto de maior rendimento para ambas as amostras (> 60%). A fração líquida foi a que apresentou menor rendimento (4,09% para a amostra de osso de gado e 11,03% para a amostra de osso de frango). Finalmente, a fração de gás não-condensável, apresentou rendimento de 33,09% para a amostra de osso de gado e 24,35% para a amostra de osso de frango. Com relação as características das frações geradas, o composto predominante na fração gasosa foi o dióxido de carbono (CO2). Na temperatura de 800 ºC, a produção de hidrogênio foi favorecida. Para a fração líquida, o ácido hexadecanóico é o principal constituinte da fração obtida a partir da pirólise de osso de gado, enquanto o oleanitrilo é o principal constituinte da fração obtida a partir da pirólise de osso de frango. Adicionalmente, o char produzido a partir da pirólise de osso de frango apresentou área superficial específica de 18,72 m2/g, enquanto o char produzido a partir de osso de gado apresentou área superficial específica de 90,35 m2/g. A distribuição do tamanho de poros, para ambas as amostras, indicou que os chars estão classificados como mesoporosos, indicando o seu potencial como adsorvente em fase líquida.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq).

Referências

Associação Brasileira de Normas Técnicas. Carvão mineral - Determinação de umidade. NBR8293 (MB1893), 1983.
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Associação Brasileira de Normas Técnicas. Carvão mineral - Determinação do carbono fixo. NBR8299 (MB1899), 1983.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Carvão mineral - Determinação do teor de cinzas. NBR8289 (MB1891), 1983.
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