Determinação da composição gravimétrica do rejeito de Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Garibaldi – RS
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Ambiental
Autores
Lazzarotto, I.P. (UCS) ; Ferreira, S.D. (UFRGS) ; Junges, J. (UFRGS) ; Godinho, M. (UCS) ; Bassanesi, G.R. (UCS) ; Gabriel, L. (UCS)
Resumo
O presente estudo reporta a caracterização do rejeito do processo de triagem do sistema de coleta seletiva dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) do município de Garibaldi – RS. Os resíduos foram coletados e quarteados para obtenção da amostra a ser caracterizada. A composição gravimétrica foi determinada mediante a identificação visual dos materiais. Posteriormente, foi selecionada a fração polimérica e encaminhada para laboratório para classificação de acordo com o polímero constituinte do resíduo. Os resultados obtidos na separação dos RSU demonstram que 49,28% dos resíduos encaminhados para disposição final em aterro podem ser considerados resíduos recicláveis e que 21,13% destes resíduos são representados por materiais poliméricos.
Palavras chaves
Resíduos Sólidos Urbanos; Composição Gravimétrica; Polímeros
Introdução
Nos últimos 10 anos a produção mundial de resíduos sólidos urbanos (RSU) aumentou de 680 para 1.300 milhões de toneladas por ano, o que representa um incremento de 0,64-1,2 kg por pessoa ao dia (HOORNWEG; BHADA, 2012). Projeções atuais estimam que até o ano de 2025 o planeta atinja valores de geração de resíduos per capita de 1,42 kg por pessoa ao dia (Couto, Silva, & Rouboa, 2016; Scarlat et al., 2015). De acordo com dados do Panorama Nacional dos Resíduos Sólidos, foram coletados no ano de 2015, aproximadamente 80 milhões de toneladas de RSU e que apenas 42,6 milhões de toneladas (53,3%) possuem disposição final ambientalmente adequada (ABRELPE, 2015). No Estado do Rio Grande do Sul, 57% dos municípios possuem áreas contaminadas, sob suspeita ou áreas com potencial de contaminação, em decorrência da disposição inadequada dos resíduos gerados pelas atividades urbanas (FEPAM; ENGEBIO, 2015). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) na NBR 10004/2004, define os Resíduos Sólidos como sendo resíduos em estado sólido e semissólido, oriundos de atividades de procedência doméstica, industrial, de serviços, de varrição, comercial, agrícola e hospitalar (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004). Os RSU possuem características e quantidades que variam de acordo com a região estudada. Tais variações são dependentes do estilo e dos padrões de vida, da estrutura socioeconômica, consumo de produtos, regulamentações locais, dentre outros (BAAWAIN et al., 2017). Os principais RSU coletados são compostos basicamente de material polimérico, papel, metais, têxteis, resíduos orgânicos, couro, borracha, metais, vidro, cerâmica, materiais do solo e outros materiais diversos (CZAJCZYŃSKA et al., 2017). Uma das principais estratégias para a redução da quantidade de RSU dispostos nos aterros sanitários é a criação de sistemas de coleta seletiva. A coleta seletiva visa recolher os resíduos segregados na fonte e está relacionada com a reciclagem destes resíduos (BRASIL; MINISTÉRIO DA SAÚDE; FUNASA, 2015). Centrais de triagem ou recuperação de materiais visando o processamento de RSU são possíveis estratégias para o gerenciamento destes resíduos. O objetivo principal dessas centrais é o de reduzir, em volume e/ou em massa, os resíduos a serem encaminhados para aterro sanitário. Assim sendo, o foco das centrais de triagem é a separação de materiais recicláveis e não recicláveis e envio dos mesmos para processos corretos de tratamento (VRANCKEN; LONGHURST; WAGLAND, 2017). À luz da Lei Federal n° 12.305/2010, a qual institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), são considerados rejeitos de RSU, os resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada. Define, ainda, que disposição final ambientalmente adequada é a distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (BRASIL, 2010). Com o intuito de atender a referida lei, cerca de 86% dos municípios gaúchos contam com serviço de triagem de RSU (FEPAM; ENGEBIO, 2015). Os rejeitos da triagem dos resíduos recicláveis, como por exemplo a fração polimérica, podem ser utilizados como uma promissora matéria prima para produção de energia por meio de processos de conversão termoquímica. Tecnologias para o gerenciamento de RSU encontram-se disponíveis na literatura, tais como: incineração com recuperação de energia, pirólise e gaseificação, gaseificação por arco de plasma, combustível derivado reciclado e biometanação por digestão anaeróbia (OUDA et al., 2015). Os poluentes emitidos no processo de gaseificação são inferiores quando comparados com as técnicas de incineração (combustão direta), além de proporcionarem uma conversão mais rápida se comparada com processos microbiológicos (THAKARE; NANDI, 2015). Dentre os processos de conversão termoquímica, a gaseificação figura como um método promissor na conversão de resíduos para energia (waste to energy – WTE). A gaseificação oferece uma solução atrativa tanto para a disposição/destinação de resíduos sólidos como para os problemas energéticos (COUTO et al., 2017; SIKARWAR et al., 2017). Basicamente, a gaseificação é o processo termoquímico que converte compostos orgânicos, sob condições subestequiométricas de oxigênio, em uma mistura de gases onde predominam o Hidrogênio (H2), monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) (ARAFAT; JIJAKLI; AHSAN, 2015). O presente estudo visa determinar a composição gravimétrica do rejeito dos RSU gerados no Município de Garibaldi – RS, e avalia o seu potencial em processos termoquímicos, especialmente gaseificação a vapor para a produção de hidrogênio.
Material e métodos
A caracterização dos RSU foi realizada na Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Garibaldi (COOCAMREG). Para a execução das atividades de caracterização dos rejeitos, foi estabelecido procedimento de coleta com base no Standard Test Method for Determination of the Composition of Unprocessed Municipal Solid Waste (ASTM INTERNATIONAL, 2016) e na Norma Brasileira para amostragem de resíduos sólidos (ABNT, 2004). O procedimento contempla a realização de 60 amostragens entre os dias 21/03/2017 e 23/03/2017, ao final da esteira de triagem. As 60 amostras foram divididas para cada uma das rotas de coleta estabelecidas pelo serviço de coleta seletiva, tendo sido realizadas 15 amostragens em intervalos de 15 minutos, sendo que cada amostra possui o volume de 0,2 m³. Do montante coletado foi obtida uma amostra de 3,0 m³, a qual passou pelo processo de quarteamento, gerando uma amostra final para caracterização de 0,75 m³. O quarteamento foi realizado para cada grupo de 15 amostras, as quais foram dispostas em uma pilha e separadas em quatro quadrantes. Dos quatro quadrantes foram eliminados dois, em diagonal, e os dois restantes foram agrupados em uma nova pilha, a qual foi novamente dividida em quatro quadrantes. Dois dos quadrantes foram eliminados e dois foram selecionados para realizar a caracterização dos resíduos e determinação de sua composição gravimétrica. O mesmo procedimento foi realizado para a totalidade de amostras coletadas. Após a identificação visual de cada tipo de resíduo sólido presente no rejeito, os mesmos foram separados e pesados, em balança comercial, para determinação da massa de cada uma das frações obtidas. Os resíduos retornaram para a esteira de onde foram retirados, com exceção dos resíduos de materiais poliméricos. A fração polimérica presente no rejeito foi encaminhada para o Laboratório de Energia e Bioprocessos (LEBio) da Universidade de Caxias do Sul, onde foram segregados de acordo com a identificação contida nas embalagens.
Resultado e discussão
De acordo com o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, a coleta seletiva dos resíduos sólidos urbanos de Garibaldi, município com população estimada de 33.384 habitantes (IBGE, 2016), atende 100% da área do município, rural e urbana (PREFEITURA MUNICIPAL DE GARIBALDI, 2012).
Segundo dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente do município de Garibaldi foram coletados no ano de 2016, 7.029 toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos, dos quais 1.710 toneladas na coleta pública seletiva. Os dados mostram, ainda, que 1.190 toneladas de rejeitos foram encaminhadas para a Companhia Rio-grandense de Valorização de Resíduos – CRVR, localizada no município de Minas do Leão (PREFEITURA MUNICIPAL DE GARIBALDI, 2017).
Os rejeitos provenientes da triagem dos resíduos da coleta seletiva do município de Garibaldi – RS representam aproximadamente 17% dos RSU coletados no município. Este montante fica acima do valor apresentado no Plano Estadual de Resíduos Sólidos do estado do Rio Grande do Sul (FEPAM; ENGEBIO, 2015), o qual é de 15% para municípios com até 50.000 habitantes.
Estes rejeitos apresentaram quantidades significativas (aproximadamente 50%) de materiais recicláveis. Contudo, estes materiais são comumente encaminhados para disposição final em aterro sanitário, tendo em vista o baixo valor comercial para realização de sua separação na esteira de triagem (Figura 1) da COOCAMREG.
As tipologias e as quantidades de resíduos caracterizados a partir do rejeito estão elencados na Tabela 1. Na tabela são apresentados os resultados em separado para cada coleta e o resultado final com base no somatório da totalidade de resíduos coletados.
O rejeito da triagem de RSU provenientes da coleta seletiva de resíduos do município de Garibaldi – RS apresenta predominância de resíduos não recicláveis, tendo apresentado como componente majoritário resíduo orgânico e sanitário (27,18%), seguido por resíduos de material têxtil (23,54%). Analisando a fração reciclável obtida foi possível observar que a fração polimérica representa 29,77% dos rejeitos enviados para aterro sanitário.
A fração polimérica caracterizada possui a composição apresentada na Tabela 2. Tais resultados demonstram que os resíduos contidos no rejeito da triagem da coleta seletiva do município de Garibaldi, ainda possuem alternativas para evitar o envio destes para disposição em aterros.
A fração polimérica apresentou como material majoritário o polipropileno (28,77%), seguido do poliestireno (23,53%) e polietileno (16,67%; PEAD+PEBD). O material com menor representatividade foi o policloreto de vinila (2,30%).
O município de Garibaldi possui uma geração per capita de resíduos sólidos urbanos de 0,577 kg/hab.dia, dado que se encontra abaixo dos valores apresentados no Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul (FEPAM; ENGEBIO, 2015) para municípios com menos de 50.000 habitantes (0,65 kg/hab.dia). Considerando-se o total de resíduos coletados anualmente pelo sistema de coleta seletiva foi possível verificar que 586,432 toneladas de resíduos recicláveis tem sido encaminhados para aterro sob forma de rejeito. Destes, 251,447 toneladas representam a fração polimérica identificada durante a execução da caracterização.
Resíduos Sólidos Urbanos são um exemplo de material a ser utilizado na produção de gases por meio de processos termoquímicos (SIKARWAR et al., 2017). HU et al (2015), estudaram a gaseificação de resíduos sólidos urbanos contendo 43% de resíduos poliméricos e reportaram gases com concentração de Hidrogênio superior a 40%. Wilk/Hofbauer (2013) estudaram a gaseificação de materiais poliméricos presentes em RSU, obtendo resultados na faixa de 2,1 Nm³gás/kgpolímero, com concentrações de Hidrogênio próximas a 50%. ZHENG et al., 2016 estudaram a gaseificação de resíduos de polietileno, tendo sido obtido gás de síntese com concentração de Hidrogênio próxima a 40%.
Esteira de triagem de resíduos provenientes da Coleta Seletiva do município de Garibaldi – RS
Tabelas 1 e 2
Conclusões
O presente trabalho determinou a composição gravimétrica dos resíduos sólidos urbanos provenientes do sistema de coleta seletiva no município de Garibaldi. O rejeito obtido no processo de triagem possui quantidades significativas de resíduos recicláveis (49,28%) que podem ser destinados para outras finalidades, tais como a geração de energia. Conclui-se que, um considerável montante de resíduos recicláveis tem sido simplesmente depositado em aterro. A fração polimérica contida neste rejeito, representa cerca de 21% dos resíduos coletados pelo serviço público de coleta seletiva. Isso demonstra que este resíduo apresenta quantidades significativas de fração polimérica que podem ser utilizadas como matéria prima em tecnologias de conversão termoquímica. O processo de gaseificação figura como um dos mais promissores para a conversão de resíduos em energia. Ainda, estudos específicos para o aproveitamento destes resíduos em processos termoquímicos devem ser realizados.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e ao PGEPROTEC da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Referências
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