Abordagem científica na produção de jarros para contenção de água

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Química Analítica

Autores

Guizellini, F.C. (INSTITUTO DE QUÍMICA - UNESP - IQAR) ; Trevizan Franzin, B. (INSTITUTO DE QUÍMICA - UNESP - IQAR) ; Mazotti Abra, L. (INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, LETRAS E CIÊNCIAS EXATAS) ; Hojo, O. (INSTITUTO DE QUÍMICA - UNESP - IQAR) ; Fertonani, I.A.P. (INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, LETRAS E CIÊNCIAS EXATAS) ; Ribeiro, C.A. (INSTITUTO DE QUÍMICA - UNESP - IQAR) ; Fertonani, F.L. (INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, LETRAS E CIÊNCIAS EXATAS)

Resumo

Água é o problema iminente para muitas populações do planeta, mesmo em países que dispõem de água, pois, muitas das vezes estas se encontram contaminadas por ação antropogênica ou falta de saneamento básico, elevando os índices de mortalidade/doenças infectocontagiosas. O Brasil é o pioneiro na produção, uso e exportação de produto simples e barato, utilizado para a purificação e refrescamento da água (“filtro de barro” ou “pote de barro”); alternativa datada do século XIX. Neste trabalho, busca-se a eliminação do empirismo nos processos de preparação de massa argilosa e fabricação dos “filtros de barro”. Esta atividade ocorre em parceria com empresa do ramo que detêm a maior fatia do mercado nacional/internacional, e os resultados evidenciam o sucesso na aplicação de técnicas de analise.

Palavras chaves

difratometria; condutometria; argila

Introdução

Água, recurso natural renovável que tem sofrido com o mau uso por séculos, tanto no viés doméstico quanto no industrial, esquecendo-se que sem água o ser humano não sobrevive. No planeta hoje muito países sofrem devido à falta de água e pela qualidade da mesma, seja qualidade ruim frente à própria natureza da fonte ou pela poluição antropogênica. O Brasil é o pioneiro na produção, uso e exportação de um produto simples, de fácil construção e, relativamente, barato, utilizado para a purificação e refrescamento da água (abaixamento de em média 3 ºC na temperatura original). Este produto é, erroneamente denominados, o “filtro de barro” ou “pote de barro”; uma alternativa que data do século XIX. Este produto tem, com os avanços nas tecnologias, se tornado foco de investigações científicas no âmbito da química verde e ambiental (BELLINGIERI, 2005). Os “potes de barro” são de coloração avermelhada e contendo em seu interior a vela, responsável pela filtração/purificação da água. A vela é o elemento principal, para o processo de potabilização da água e tem em sua tecnologia de preparo a diferenciação no produto final. Conforme citado anteriormente, pesquisas científicas, buscando a melhoria da qualidade da água para o consumo humano, vêm sendo desenvolvidas e caminhos alternativos para o tratamento/purificação da água, in loco, estão disponíveis no que tange ao uso de carvão ativado/materiais adsorventes, inseridos nos filtros (orgânicos ou inorgânico) com finalidades diversas (remoção de partículas sólidas e impurezas, íons metálicos tóxicos, mitigação da concentração de cloro, redução de odores e sabores e capacidade microbicida (BAILEY, 1999; JIANG; ASHEKUZZAMAN, 2012). No entanto, os processos de preparação/produção dos “potes de barro”, denominados, no jargão popular de “filtro de barro”, não tem recebido o mesmo olhar científico, no que tange a mudança do processo de produção semi-industrial (semi-artesanal), a partir dos conhecimentos herdados da “velha China” e nas Américas dos Indígenas. Muitas, senão todas, as empresas em território nacional que produzem os “potes de barrão” não investiram de forma maciça no processo de tornar científico o processo, tornando-se independente no processo de fabricação dos potes; avançam 100 anos nas velas e mantém a identidade Indígena no processo. De forma análoga às pesquisas contemporâneas, empregando modelos matemáticos e computacionais, provenientes de planejamento fatorial e controle estatístico (VARELA, 2005), para a produção das velas; contemplando a incorporação de substâncias químicas às mesmas, para a remoção de antibióticos e hormônios, têm se tornado imprescindível tornar-se científico o processo de produção dos “potes de barro”. Torna-se necessário o controle de qualidade dos produtos de entrada (argilas), de todo o processo de preparação do “barro” (composição das argilas, umidificação, secagem, queima, dentre outros), para a fabricação dos “potes de barro” em escala industrial. O material utilizado na fabricação de potes de “barro” trata-se de: silte, argila e areia, desta forma, o foco das investigações levadas a cabo na área é a de tornar cientificamente interpretado e controlado o processo de fabricação dos potes de modo a que se garantir a confiabilidade no produto final. No entanto, há certa dificuldade em se atrelar a pesquisa de cunho científico (teórico) e prático (técnico empírico) devido à reticência dos empresários e seus gerentes/superintendente, a qual está atrelada a falta de visão científica destes importantes elementos. No entanto, este é um excelente combustível motivador para a adequação de métodos eminentemente artesanais em processos cientificamente controlados. A investigação de como os materiais utilizados à composição do produto, “pote de barro”, tem ampla aplicação da química de superfícies e de estado sólido, no bojo da amplitude da ciência de geração de novos materiais. Deve-se aqui considerar as propriedades básicas das argilas, que atuam como: retentoras de partículas, ao se ajusta a porosidade do material; como complexante inorgânico para íons metálicos tóxicos (espaço interlamelar); e pela facilitação no processo de troca de calor entre o meio externo e interno, refrescamento da água, processo entendido a partir dos conceitos de capacidade calorífica da água, dimensionamento de poros gerados na parede do “pote de barro”, pressão e temperatura ambiente. Neste contexto, o objetivo do trabalho é a transformação de um processo empírico de produção do “pote de barro” em processo eminentemente científico; tendo como visão a aplicação de estudos que contemplam: planejamento fatorial; controle estatístico; técnicas refinadas de análise química; dentre outras, levados a cabo no bojo dos conceitos e do rigor metrológicos.

Material e métodos

O material utilizado, argilas, é procedente da região denominada de Taquaral-SP; o material extraído dessa região é fornecido por uma empresa de extração de areia, as margens do rio Tietê, município: Rincão. As amostras de argilas são extraídas de pontos distintos, originando diferentes amostras. Após a coleta de cada uma das amostras de argila, disponibilizada no pátio da empresa (fabricante dos “potes de barro”), procedia-se ao quarteamento e homogeneização das mesmas. A massa de amostra preparada para laboratório era de 30 g. As amostras foram analisadas em duas condições: 1- sem pré-tratamento; 2- pós- tratamento (Δ = 800 o C/ 24 horas, β = 2,5 o C min-1). Todas as amostras foram investigadas empregando-se as técnicas: 1- TG/DTA simultânea; 2- difratometria de raios X; 3- fluorescência de raios X (WDXRF e UniQuant); 4- microscopia (diferentes aumentos: 50 a 1500 X); 5- condutometria. Para o ensaio de condutividade eletrolítica foram utilizados cinco tipos de argilas extraídas, uma mistura e uma para ajuste de cor (padrão de cor) em suspensão na proporção 1:1 m/m (argila:água). As medições de: 1- condutividade das amostras preparadas na proporção de 1:1 (m/m) de argila e água, foram feitas após agitação mecânica por 10 minutos, empregando o equipamento DM-32 da Digimed; calibrado com MRC (1408,0±4,0) μS cm-1; e 2- medições de XRD foram efetivadas em equipamento Rigaku Mini Flexll 600 (condições experimentais: de (5,0 ≤ 2θ ≤ 60,0) o; velocidade de varredura de 1o min-1 e stepsize de 0,1o.

Resultado e discussão

Para avaliação das fases mineralógicas, presentes nas amostras originais e posterior ao tratamento térmico, foram obtidos os espectros de XRD (Figura 1) juntamente com as micrografias correspondentes. Estas micrografias e XRD são representativas para um número considerável de repetições, mesmas amostras (ensaio de repê), e novas amostras depositadas no pátio da empresa ao longo do tempo. As imagens de microscopia ótica são utilizadas para diferenciação visual dos materiais, anterior e posterior ao processo térmico e complementação na avaliação das fases dos materiais presentes. Uma avaliação da Figura 1 permite se observar significativas diferenças, para os materiais preparados (misturas das diferentes argilas), anterior e posterior ao aquecimento (800 o C/24h). Os XRD obtidos após a queima fornecem evidências para afirmar que umas séries de reações termoquímicas aconteceram ao se comparar com os XRD obtidos para as amostras anteriores a queima, de modo que as fases mineralógicas características denotadas a partir das raias presentes em: 2θ = 12,4; 18,5; 25,1 e 62,5o, encontram-se ausentes após o aquecimento e, se fazem presentes, novas raias em: 2θ = 8,8 e 53,4o aparecem. Desta forma, dentre as principais raias que se apresentam ausentes, após o aquecimento, estão o de valores de 2θ = 12,4 e 25,1o; tais raias são características da fase atribuída ao mineral caulinita. Esta fase sofre, com o aquecimento, uma transformação irreversível de caulinita para a fase metacaulinita; deve-se observar que para se alcançar a fase de mulita, a amostra deverá ser aquecida à temperatura de superior a 950 º C; obtenção da cerâmica (BISH; VON DREELE, 1989). Ainda, observando-se os difratogramas da Figura 1, considerando-se as duas condições experimentais, é possível verificar-se para 2θ = 53,4o a presença de uma fase atribuída à presença da espécie química Fe2O3, hematita, cuja cor característica, visualmente, é vermelha (vide detalhe: setas amarelas-imagem inseridas na Figura 1, pós-queima); cor característica das peças, queimadas, observadas a olho nu (TSIREL'SON et al., 1988). Por outro lado, para 2θ = 18,5o, observa-se a raia a qual corresponde à possível fase mineralógica da goethita – FeO(OH) (ZEPEDA-ALARCON et al., 2014). Outra fase importante a se avaliar a partir dos XRD é a fase com 2θ = 26,6o, a qual é atribuída à presença do quartzo. A partir da imagem de microscopia apresentada na Figura 1, vide setas de cor preta, pode ser visualizada a presença das partículas de quartzo; considere-se a presença de partículas de distintos tamanhos, distribuídas sobre a superfície da amostra, pós queima. A presença de elevada quantidade de quartzo pode ser aquilatada a partir da referida imagem. A presença do quartzo é naturalmente importante na preparação da estrutura física, macroscópica do “pote de barro”, carga. Além desta função, a presença do quartzo nas diferentes amostras de argilas permitiu se estabelecer uma importante correlação entre as intensidades relativas das fases, XRD, do mineral caulinita e do quartzo, e os resultados das medições de condutividade elétrica. Esta correlação foi obtida a partir da aplicação de tratamento quimiométrico (empregando Análise e Classificação por Componentes Principais) aos resultados das medições. Os resultados obtidos do tratamento quimiométrico e das medições de condutâncias das amostras de argilas são apresentados na Figura 2. Assim, a partir da correlação apresentada na Figura 2 foi possível a elaboração de procedimento para a escolha da melhor composição de argilas para a preparação de um produto confiável; eliminando- se, assim, as etapas de empíricas de tentativa e erro e ganhando na qualidade final do produto. Tais etapas conduziam ao retrabalho, sinônimo de elevação de custo para o produto final. No que tange as medições de condutividade elétrica das argilas, Figura 2, Tabela 1, inserida na Figura 2, e, em conformidade com Smith e Doran (1996), os solos são classificados de acordo com sua salinidade e, para as argilas em análise, os resultados encontram-se dispersos entre os valores, apontados pelos autores, como fracamente salino (EC 4 < 8 mS cm-1) até moderadamente salino (EC 8 < 16 mS cm-1). As argilas sob investigação apresentam valores para EC classificada como fracamente salinas, o que não se constitui em problema para a fabricação das peças. No entanto, para salinidade média ou elevada sérios problemas ocorrem: 1- eflorescência (MENEZES et al., 2006); e 2- expansão térmica dos sais solúveis, levando a formação de trincas, escamas, desintegração e quebra do produto no aquecimento (BUYS; OAKLEY, 2014). Entretanto, como apresentado anteriormente, ao se avaliar as propriedades das argilas (intensidade da reflexão para as fases, caulinita e quartzo) juntamente com os valores individuais da EC (Figura 2, tabela) fica evidente a tendência de separação entre as mesmas, como evidenciado a partir da Análise e Classificação por Componentes Principais. Logo, as argilas A1, A2 e A3 são as que apresentam maior quantidade de quartzo, ou seja, as denominadas, no jargão empírico, como argilas magras. Entretanto, a utilização da areia na composição da massa é benéfica, tanto para o processamento quanto para a qualidade final do produto. Isto indica que é necessária a presença de quantidades significativas de quartzo nas massas argilosas, porém, sendo o excesso prejudicial no processo de resfriamento do produto, por se tratar de um componente não-plástico vitrificante (QUEIROZ; MONTEIRO; VIEIRA, 2010). Os resultados de analise das argilas por fluorescência de raios X não evidenciaram a presença de metais tóxicos ou outros que pudessem comprometer a qualidade da massa argilosa.

Figura 1

Difratogramas de raios X das alíquotas de matéria- prima e queimada a 800 o C

Figura 2

Análise e Classificação por Componentes Principais das amostras A1-A5, M3 e PC e correlação entre quartzo, caulinita e condutividade

Conclusões

As principais fases presentes nas argilas brutas foram caracterizadas por XRD, caulinita e quartzo, permitindo ajustar-se um padrão de qualidade para a preparação da massa argilosa e obtenção do produto após a queima a 800 o C. Isto permitiu confirmar que: 1- argilas com elevado teor de quartzo favorecem a uma mistura mais “magra”, corroborando mais para a formação de poros no material e, por outro lado, ocasionando o aumento de microtrincas durante o resfriamento; 2- maiores teores de caulinita favorece a uma mistura mais “gorda”, no jargão empírico (LEITE, 2004), efetivamente, mais plástico, favorecendo a modelagem das peças, porém, se presente grandes quantidades dessa fase compromete-se a secagem da massa argilosa. O estudo de condutividade eletrolítica evidenciou tratarem-se as argilas de argilas com baixa condutividade elétrica, minimizando o fenômeno de eflorescência e da possibilidade de trincas e quebras causadas por dilatação térmica. As combinações dos resultados dos ensaios de XRD e de condutividade elétrica permitiram, numa ação sinérgica, evidenciada pela Análise e Classificação por Componentes Principais a elaboração de protocolo para a preparação de massa argilosa que garanta a qualidade do produto final.

Agradecimentos

Ao Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Química de Araraquara- SP (IQAr/Unesp) e à Empresa Cerâmica Stéfani S/A.

Referências

BAILEY, Susan E. et al. A review of potentially low-cost sorbents for heavy metals.Water research, v. 33, n. 11, p. 2469-2479, 1999.

BELLINGIERI, Julio Cesar. As origens da indústria cerâmica em São Paulo. Revista Cerâmica Industrial, São Paulo, v. 10, n. 3, 2005.

BISH, D. L.; VON DREELE, R. B. Rietveld refinement of non-hydrogen atomic positions in kaolinite. Clays and Clay Minerals, v. 37, n. 4, p. 289-296, 1989.

BUYS, Susan; OAKLEY, Victoria.Conservation and restoration of ceramics.Routledge, 2014.

JIANG, Jia-Qian; ASHEKUZZAMAN, S. M. Development of novel inorganic adsorbent for water treatment. Current Opinion in Chemical Engineering, v. 1, n. 2, p. 191-199, 2012.

LEITE, Edson R. et al. (Org.). Técnica e Arte em Cerâmica: ARTESÃO. Apostila desenvolvida em parceria entre CMDMC, Fapesp, CEPID, UFSCar, USP, Unesp, Ipen, CCB e lcp Visual. 2004.

MENEZES, R. R. et al. Sais solúveis e eflorescência em blocos cerâmicos e outros materiais de construção-revisão. Cerâmica, v. 52, p. 37-49, 2006.

QUEIROZ, L. F. T.; MONTEIRO, S. N.; VIEIRA, C. M. F. Effect of the use of sand in the processing and properties of red ceramics.Cerâmica, v. 56, n. 339, p. 279-284, 2010.

SMITH, J. L.; DORAN, J. W. Measurement and use of pH and electrical conductivity for soil quality analysis.Methods for Assessing Soil Quality.Soil Science Society of America (SSSA).Special Publication, n. 49, 1996.

TSIREL'SON, V. G. et al. Electron density distribution and electric field gradient in hematite at 153 K determined from precision X-ray diffraction data. In: Soviet Physics Doklady. 1988. p. 89.

VARELA, M. L. et al. Otimização de uma metodologia para análise mineralógica racional de argilominerais. Cerâmica, v. 51, p. 387-391, 2005.

ZEPEDA-ALARCON, Eloisa et al. Magnetic and nuclear structure of goethite (α-FeOOH): a neutron diffraction study. JournalofAppliedCrystallography, v. 47, n. 6, p. 1983-1991, 2014.

Patrocinadores

Capes CNPQ Renner CRQ-V CFQ FAPERGS ADDITIVA SINDIQUIM LF EDITORIAL PERKIN ELMER PRÓ-ANÁLISE AGILENT NETZSCH FLORYBAL PROAMB WATERS UFRGS

Apoio

UNISC ULBRA UPF Instituto Federal Sul Rio Grandense Universidade FEEVALE PUC Universidade Federal de Pelotas UFPEL UFRGS SENAI TANAC FELLINI TURISMO Convention Visitors Bureau

Realização

ABQ ABQ Regional Rio Grande do Sul