Artefato na Análise de Gases de Efeito Estufa por Cromatografia a Gás

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Química Analítica

Autores

Abruzzi, R. (PUCRS) ; Bonetti, B. (PUCRS) ; Pires, M. (PUCRS) ; Dedavid, B. (PUCRS) ; Bitencourt, A. (PUCRS) ; Ferrarini, S. (PUCRS) ; Peglow, C. (PUCRS)

Resumo

O objetivo desse estudo foi avaliar dois métodos cromatográficos para análise de gases de efeito estufa (GEE) e monóxido de carbono. Para isso amostras gasosas padrão, assim como, diferentes tipos de amostras reais foram avaliadas. Foram utilizados dois métodos cromatográficos variando de um para o outro as condições de análise em especial a coluna. Os testes realizados com amostras reais e mistura gasosa padrão nas condições cromatográficas otimizadas dos dois métodos testados indicaram desempenho adequado para a quantificação de CO2 e CH4. Entretanto, o CO quando analisado na coluna com fase estacionária poli(estireno-divinilbenzeno) (Método 1), sofre um artefato devido a presença de oxigênio nas amostras, apresentando restrições quanto sua quantificação por este método.

Palavras chaves

Gases de Efeito Estufa; Artefato de Análise; Cromatografia a Gás

Introdução

As concentrações atmosféricas globais dos principais gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), advindas principalmente de atividades humanas através do uso de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra, aumentaram acentuadamente com um aceleramento significativo na última década (BESSOU et al., 2011). O CO2 contribui com 77% do total das emissões de GEE (32 Gt CO2 em 2014), sendo que o setor de transporte é responsável por 23% do total das emissões através de combustão (IEA, 2016; WCI, 2007). O metano, 23 vezes mais potente que CO2 (LOPEZ et al., 2013), tem na mineração e beneficiamento do carvão fóssil umas das principais fontes emissoras representando 9% do total (WCI, 2007). Em diversas dessas fontes emissoras o monóxido de carbono (CO) também está presente e pode representar riscos ambientais, mesmo em baixas concentrações (>9 ppm, FEPAM, 2015), quanto ocupacionais (39 ppm, NR15, 2014 e 50 ppm, MSHA, 2001). O CO é considerado um contaminante que pode interferir na eventual separação/controle dos GEE (KAWARAGI et al., 2009), tornando necessário seu monitoramento, concomitante aos dos GEE. A cromatografia a gás (GC) tem sido o método mais comumente usado no monitoramento de GEE no ar ambiente (FRANCO et al., 2014). Dentre os diferentes tipos de detectores utilizados destaca-se o detector por ionização de chama (FID) um detector simples de baixo custo, uso simples, resposta rápida, elevada sensibilidade, linearidade e confiabilidade (KLEE, 2012). Quando associado a um metanador o FID, permite quantificar tanto CH4 como CO e CO2, cataliticamente reduzidos a metano com excesso de hidrogênio, em amplas faixas de concentrações e elevada sensibilidade (CHEN; LU, 2005; KLEE, 2012). Muitas vezes a completa separação cromatográfica dos gases de interesse (CO, CO2, CH4) de gases permanentes como o O2 não é avaliada, visto que não se espera interferência desse último no detetor FID. Dentre os esparsos trabalhos que relatam esse artefato, cabe destacar o estudo de Kaminski et al. (2003) sobre a determinação de CO, CH4 e CO2 em gás de refinaria (CG- FID) com metanador acoplado. Esses autores indicam que a concentração do CO pode ser superestimada, devido tanto a co-eluição do CO com o O2 quanto pela sua produção indesejada no metanador. Se o catalisador se tornar parcialmente carbonizado, devido a altas concentrações de hidrocarbonetos e CO2 que passam através dele, o carbono pode reagir com O2 ou CO2 para formar CO. Esse artefato pode causar erros significativos na determinação do CO por essa técnica sendo necessário assim avaliar com cuidado a coluna e o método utilizados para suas quantificações. As interferências descritas acima são de particular importância e devem ser tidas em conta, quando vestígios de CO têm de ser determinados. Esse é o caso do ar ambiente em minas de carvão onde concentrações significativas de CH4 estão presentes associadas a níveis mais baixos de CO2 e CO, dentre outros gases (HE; LIU; WANG, 1996; BONETTI et al., 2017). Este trabalho tem por objetivo avaliar dois métodos cromatográficos na análise de GEE além, do impacto do artefato causado pelo O2 e a influência do metanador no detector FID para análises de CO. Para isso, amostras gasosas padrão contendo os gases de interesse e potenciais contaminantes, assim como, diferentes tipos de amostras reais foram avaliadas.

Material e métodos

As identificações e quantificações das amostras gasosas foram realizadas em um cromatógrafo a gás (PerkinElmer, Clarus 580), com detector FID (detector por ionização de chama), equipado com metanador. O gás de arraste utilizado foi o Hélio (10 mL min-1) e no metanador foi utilizado Hidrogênio (45 mL min-1) para a redução do CO e CO2 a CH4. Para a análise das amostras foram testadas duas colunas, com o intuito de verificar a interferência da fase estacionária e avaliar o desempenho quanto à determinação e quantificação das amostras de mistura gasosa padrão e de amostras reais de GEE. No Método 1, a coluna utilizada foi a megabore Elite Plot Q com 0,53 mm interno, 20 µm de espessura de filme de fase estacionária poli(estireno- divinilbenzeno) 30 m de comprimento. A temperatura utilizada no forno foi de 50 °C (isotérmico). A temperatura do injetor e detector foram respectivamente 200 e 350 °C. No Método 2, a coluna utilizada foi a megabore Carbonex 1010 com comprimento de 30 m, 0,53 mm de diâmetro interno e fase estacionária de peneira molecular de carbono. A rampa de aquecimento do forno foi de 35 ºC (6 min), e taxa de 20 °C min-1 até 150 ºC (2 min). A temperatura do injetor e do detector foram 200 e 400 ºC respectivamente. As curvas de calibração foram construídas utilizado para isso as misturas gasosas padrão A1 (CO 5.000 ppm, CO2 10.000 ppm e CH4 50.000 ppm) e A2 (CO 503 ppm e CH4 504 ppm). A fim de avaliar os Métodos 1 e 2 foram realizados testes com amostras das misturas gasosas padrão. Nessas análises a razão de fluxo do gás (split) foi de 1:10, e foram realizadas modificações na seringa utilizada na injeção das amostras no cromatógrafo a gás. Por possuir agulha removível, foi adaptado na seringa uma válvula na qual permite que a amostra não seja contaminada com ar externo. Em ambos os métodos (1 e 2) para verificação da presença de artefato nas análises foram injetadas amostras da mistura gasosa padrão A1 diluída 100x. Em seguida para a verificação da influência da presença do oxigênio na determinação de CO, foram injetadas amostras do padrão gasoso A3 (ar sintético; 21% O2 e 79% N2) que contêm O2 e diferentes volumes do padrão gasoso A4 (O2). Testes com o padrão gasoso A5 (N2) também foram feitos em função do seu uso como gás de balanço e da ausência de CO2 nesse padrão, o que permitiu a verificação da possível contaminação das amostras pelo CO2 do ar ambiente, durante o procedimento de injeção. Para avaliar o comportamento de amostras reais com teores maiores de CO e CO2, foram realizados testes com gás proveniente do escapamento de um automóvel (Ford Fiesta 2008, motor 1.0), abastecido com gasolina comum (27% de álcool etílico anidrido) em ambos os métodos. Para a amostragem foram utilizados frascos previamente evacuados com septo de Borracha butílica/PTFE que foram cheios com as amostras gasosas (15 mL) com o auxílio de uma seringa, sendo coletados em diferentes momentos, de acordo com a intensidade da aceleração do veículo.

Resultado e discussão

As análises do Padrão A1 na coluna Elite Plot Q (Método 1) resultou em uma boa separação dos analitos e na simetria dos picos, características necessárias para a obtenção de um cromatograma adequado. De acordo com a Figura 1a é possível identificar três picos que são referentes aos três gases presentes no Padrão A1, onde as áreas dos picos são proporcionais às concentrações conhecidas desses compostos. Quando analisadas amostras de ar ambiente na cidade de Porto Alegre (Brasil) por este mesmo método, observou-se que os valores das concentrações de CO obtidas eram significativamente superiores (~40 ppm) que a média reportada para a atmosfera urbana nas estações de monitoramento (0,4 ppm, FEPAM, 2015). Conforme indicado previamente, esse artefato foi reportado por Kaminski et al. (2003). Assim, foram realizadas injeções com amostras do Padrão A3 (ar sintético) para verificar o comportamento deste possível artefato. Os resultados (Figura 1b) mostram que há o surgimento de picos fantasmas não esperados nas análises desses gases com detector FID. Esse comportamento pode afetar a precisão da determinação dos gases de interesse, como por exemplo, o CO que apresenta tempo de retenção similar ao do pico fantasma P1. Também foi possível identificar o aparecimento de um segundo pico (P2) com o mesmo tempo de retenção do CO2. Esses picos não eram esperados já que o detector FID só é sensível a presença de gases combustíveis. Novas análises foram realizadas onde foram injetadas amostras dos padrões A5 (N2) e A4 (O2), variando o volume das injeções. Cabe indicar que, no momento da transferência das amostras dos frascos de coleta ao cromatógrafo a gás, pode haver contaminação de ar ambiente conforme o uso da seringa. Assim, foi realizada a adaptação de uma válvula na seringa utilizada nas análises. Utilizando as adaptações na seringa, observou-se que os valores do P2 diminuíram consideravelmente (de 50 para 12 µV.s) nas análises de 300 µL do padrão A5, indicando desta forma que esta variação pode ser associada a contaminação decorrente deste mecanismo. As análises com Padrão A4 (O2) resultaram em um aumento considerável do Pico 1 (29-95 µV.s) de acordo com o volume injetado (50-300 µL), principalmente quando comparando este com os resultados dos testes relacionados ao pico fantasma P2 (4-12 µV.s). Devido a este comportamento, este artefato (P1) pode tanto estar relacionado a questões do mecanismo de injeção, como discutido por Van Rensburg; Botha e Rohwer (2007), quanto a problemas analíticos associados ao metanador e/ou detector FID. De acordo com Kaminski et al. (2003), a co-eluição de CO com o P1 ocorre de forma mais significativa geralmente em amostras de ar ambiente devido à alta concentração de O2. O carbono depositado na superfície do catalisador de metanação, em presença do O2 ou CO2 pode ser convertido em CO, causando aumento de sinal no FID para esse gás. Essas interferências são de particular importância e devem ser tidas em conta, quando concentrações baixas de CO têm de ser determinadas. Isso porque os tempos de retenção referentes ao CO e ao P1 são próximos. Realizando uma comparação entre as áreas destes picos fantasmas (P1 e P2) e as áreas dos picos de CO e CO2 em amostra do padrão A1 diluída 100x (injetadas na mesma condição, 300 µL) pode-se verificar a contribuição dos artefatos nas quantificações dos compostos de interesse. Por exemplo, a média da área dos picos P1 e CO são 95 e 65 µV.s e as dos picos P2 e CO2 são de 11 e 150 µV.s, respectivamente. Dessa forma, de acordo com os valores de interferência de cada gás sobre as amostras, nota-se que o valor de P1 pode comprometer de forma mais importante a quantificação do CO do que o P2 a quantificação do CO2. A fim de avaliar o comportamento desses gases em outras condições cromatográficas, foi realizada a troca da coluna de separação (Carbon molecular sieve phase, Método 2). A Figura 2a apresenta o cromatograma resultante da injeção do padrão A1. Conforme pode ser observado, assim como no Método 1, houve a separação dos picos dos gases de interesse, onde as áreas dos picos dos três gases são proporcionais às concentrações desses gases na amostra padrão. Também foram realizados testes com outros padrões (A3; Ar sintético) a fim de verificar o comportamento dos picos fantasmas (P1 e P2) por este método de análise. Conforme pode ser observado na Figura 2b, o tempo de retenção do P1 (2,923 min) e do CO são diferentes, o que indica que há a separação desses dois compostos quando analisados por este método. Quanto a presença do pico P2 (tempo de retenção similar ao CO2, Figura 2 a e b), devido a problemas de contaminação conforme já mencionado anteriormente, foi realizado novas análises injetando o padrão A5 (N2) sem e com a adaptação da válvula na seringa. De acordo com a Figura 2 (c e d), realizando a adaptação na seringa, pode-se confirmar que o surgimento deste pico é referente a contaminação de ar externo visto que quando modificado o mecanismo de injeção, os picos fantasmas não são observados. Sabendo que as análises realizadas no Método 2 não comprometem a quantificação das amostras que contém CO, verificou-se seu limite de detecção (LD) neste método. Os testes indicaram que o LD é de 13 ppm, valor este que está abaixo do estabelecido para esse composto (39 ppm, NR-15, 2014). Visando verificar o comportamento de amostras de ar ambiente com presença de CO e CO2, nos dois métodos, foram realizadas com amostras do escapamento de um veículo. Os resultados obtidos indicaram boa concordância para as concentrações de CO2 (método 1, 4.419 e 8308 ppm e método 2, 5.085 e 8.288 ppm). Já para o CO (método 1, 383 e 1.927 e método 2 466 e 2.486) verificou- se diferenças significativas, principalmente para as amostras com menores concentrações desse gás. Esses resultados confirmaram a influência do artefato causado pela co-eluição e detecção simultânea do CO e de composto(s), gerados provavelmente em reações indesejáveis entre o oxigênio presente na amostra e carbono acumulado no catalisador do metanador, detectáveis no FID. O uso do Método 1 não é recomendado para a análise de CO em amostras de ar ambiente ou que contenham oxigênio, em função do artefato descrito anteriormente. A quantificação precisa de CO, nessas condições, só é possível se sua concentração estiver acima de 185 ppm. Nessas condições a interferência do artefato equivale a 3 vezes o valor do ruído, valor similar a precisão geral do método. Quando da ausência do oxigênio na amostra, o limite de detecção desse método para o CO é 5 de ppm. Já para o CO2 em baixas concentrações, recomenda-se que seja analisado minunciosamente o sistema de injeção, pois o surgimento do P2 está diretamente associado a este mecanismo de contaminação. O Método 2 é indicado para análise simultânea de todas os gases analisados neste trabalho pois, nas condições testadas, não foi verificado nenhuma interferência na quantificação dos analitos de interesse. Entretanto, cabe indicar que esse método apresenta um limite de detecção para o CO de 13 ppm, o que pode restringir seu uso em algumas aplicações que necessitem maior sensibilidade. Cabe destacar que o Método 1 tem como principal vantagem o curto tempo de análise (5 min). Além disso, por ser um método isotérmico, permite o encadeamento direto entre análises, o que aumenta a produtividade. Já o Método 2 apresenta um tempo maior de análise (13 min) e por utilizar um gradiente de temperatura no forno necessita um tempo suplementar de equilíbrio entre duas injeções (+ 10 min). O tempo maior de análises gera um aumento no custo final utilizando esse método. Finalmente cabe salientar que o uso de colunas do tipo utilizada no Método 1 é bastante usual. Não há indicação clara nos estudos avaliados, se a presença potencial do artefato foi levada em consideração.

Figura 1. Cromatogramas para a mistura gasosa padrão analisada pelo mé

Figura 1. Cromatogramas para a mistura gasosa padrão analisada pelo método1 para: a) padrão A1, e b) Padrão A3.

Figura 2. Cromatograma para padrões analizados pelo método 2 para: a)

Figura 2. Cromatograma para padrões analizados pelo método 2.

Conclusões

Um artefato na análise cromatográfica devido a co-eluição do CO com um pico fantasma (P1) e a interferência desse no sinal do detector FID, tornou necessário o estudo mais aprofundado do método padrão utilizado (Método 1, coluna de fase Poli(estireno-divinilbenzeno) e a proposta de um método alternativo de análise (Método 2, coluna de fase peneira molecular de carbono). Por meio desse estudo, conclui-se que o Método 1 não é adequado para a análise de CO em amostras com baixas concentrações deste gás devido a interferência do oxigênio. O Método 2 é indicado para análise simultânea dos gases de interesse, não tendo havido nenhuma interferência na quantificação desses analitos. Entretanto, o elevado limite de detecção para o CO (13 ppm) e o maior tempo de análise (20 min), quando comparado ao Método 1 (5 min), pode restringir seu uso em aplicações que necessitem maior sensibilidade e/ou rapidez.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq pelo financiamento do projeto, a FAPERGS, CAPES e PUCRS pela concessão de bolsas.

Referências

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