RESÍDUO QUITINOSO DA INDÚSTRIA PESQUEIRA: MATÉRIA-PRIMA PARA OBTENÇÃO DE QUITOSANA
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Materiais
Autores
Silva, S. (UFPA/FACULDADE DE ENG. DE ALIMENTOS) ; Mello, R. (UFPA/PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA) ; Gobira, R.M. (UFPA/PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA) ; Chagas Junior, G.C.A. (UFPA/PPGCTA) ; Rodrigues, A.M.C. (UFPA/PPGCTA) ; Santos, A.S. (UFPA/PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA) ; Ferreira, N.R. (UFPA/PPGCTA)
Resumo
A quitina é um biopolímero presente no exosqueleto de crustáceos e nas paredes celulares de fungos, insetos e leveduras com função de suporte e proteção nos organismos. É formada por dois monómeros de N-acetilglicosamina contendo grupo acetamida que pode ser modificado através da reação de desacetilação obtendo-se a quitosana. Neste trabalho foram utilizados resíduos do processamento do camarão com etapas de pré-tratamento e posterior determinação do diâmetro médio das partículas por meio de tamisação com peneiras padronizadas. A desacetilação foi realizada com NaOH (40%) por 6 horas a 90 °C. O grau de desacetilação da quitina foi determinado por titulação potenciométrica e análise por espectroscopia no infravermelho médio (IVM) com resultados de 62,0 % e 57,10% respectivamente.
Palavras chaves
Quitina; Quitosana; Desacetilação
Introdução
Os resíduos gerados do processamento do camarão geram custos adicionais às empresas para o seu descarte adequado, reduzindo de certa forma a margem de lucro do sistema de produção. A portaria n° 203 de 03 de abril de 1970 proíbe o lançamento de resíduos de pescados em águas interiores e no mar do território brasileiro, porém esta prática ainda não está totalmente erradicada podendo gerar prejuízos ambientais consideráveis. O produto descartado é constituído em grande parte por quitina que é um biopolímero estrutural do exoesqueleto de crustáceos e pode ser utilizado como matéria- prima para obtenção de outro biopolímero de interesse (quitosana). A matéria prima utilizada neste trabalho é constituída pela cabeça, carapaça e extremidade da calda do camarão. Em crustáceos, a quitina encontra-se associado a proteínas, carbonatos, pigmentos e lipídios, por esse motivo, são necessárias etapas de pré-tratamento tais como: desmineralização, desproteinização e despigmentação. (NEVES et al, 2013). Na área alimentar, os oligômeros de quitosanas, podem atuar como potenciais agentes antimicrobianos, antioxidantes, promotores da qualidade nutricional, aromatizantes, estabilizantes, emulsificantes e clarificantes (FAI et al, 2008). Deste modo, a alternativa em utilizar biomassas de grande disponibilidade como fonte potencial de biomoléculas de alto valor agregado, está em consonâncias as vertentes atuais da pesquisa mundial. Quitina e a quitosana são polímeros biodegradáveis, biocompatíveis e de baixa toxidade. Estas propriedades possibilitam a utilização destes biopolímeros em diferentes aplicações de interesse científico e tecnológico. Ambas as estruturas são constituídas por unidades de 2-acetamida-2-deoxi-D- glicopiranose e 2-amina-2-deoxi-D-glicopiranose unidas por ligações ß glicosídicas. Os dois polímeros se diferem quanto à proporção relativa destas unidades e quanto à solubilidade. A estrutura da quitina é insolúvel na maioria dos solventes orgânicos e predominam unidades de 2-acetamida-2- deoxi-D-glicopiranose enquanto que a quitosana, predominantemente formada por unidades de 2-amina-2-deoxi-D-glicopiranose é solúvel em soluções aquosas diluídas de ácidos orgânicos e inorgânicos (YONES e RINAUDO, 2015). Neste contexto, a quitosana é obtida pela saída do grupo acetamida presente na estrutura da quitina, dando lugar ao grupo amina na mesma posição na cadeia.O objetivo deste trabalho é realizar a extração de quitina proveniente de resíduos industriais do processamento de camarão e sua posterior transformação em quitosana.
Material e métodos
Tamisação: A matéria-prima foi lavada com água potável para retirada de resíduos de tecido e sujidades em geral, em seguida foi seca à 55°C em estufa durante 6 horas. O material seco foi fragmentado em moinho e foi determinado o diâmetro médio das partículas por análise granulométrica em peneiras padronizadas com abertura de malhas de 589 µm, 417 µm, 351 µm e 246 µm. Desmineralização: Foi adicionada 500 mL de solução aquosa de HCl 0,55M, em 50 g do material seco e moído. A mistura foi mantida em temperatura de 26 °C sob agitação constante. Foram realizados dois ciclos do tratamento ácido com duração de 15 minutos e um terceiro com duração de 1 hora seguido do enxague com água até pH neutro em cada ciclo. Em seguida, o material desmineralizado foi filtrado a vácuo e seco a 50°C por 13 horas. Desproteinação: O material desmineralizado foi adicionado em 400 mL de solução de NaOH 0,3 M com agitação constante em temperatura de 80 °C. Foram realizados três ciclos de 20 minutos de duração cada, seguidos do enxague com água sob filtração a vácuo até pH neutro após cada ciclo. Em seguida foi realizada a secagem a 50°C por 6 horas. Despigmentação: A despigmentação da quitina obtida foi realizada por soxlet com acetona durante 6 horas. O material despigmentado foi seco em estufa a 50°C durante 6 horas. Obtenção da quitosana: A reação de desacetilação foi realizada com 5 g de quitina em 200 mL de solução aquosa de NaOH (40%) durante 6 horas a 90°C. Realizou-se o enxague com água destilada sob filtração a vácuo até pH neutro. O produto obtido (quitosana) foi lavado com 30 mL de metanol e seco em temperatura ambiente de 30°C. Caracterização da quitosana (grau de desacetilação). a) Titulação potenciométrica: Dissolveu-se 0,2 g de quitosana em 25 mL de HCl (0,1M) e aferido a 100 mL com água. A solução titulante foi NaOH (0,2M), previamente padronizada. Foram realizadas medições de pH a cada 0,5 mL do titulante. A titulação foi finalizada em pH 12. b) Análise na região do infravermelho: Espectros de infravermelho foram obtidos a partir de pastilhas amostra/KBr (1:100 m/m). Utilizou-se espectrômetro Shimadzu modelo IRPrestige-21 com transformada de Fourier.
Resultado e discussão
O diâmetro médio das partículas (dmp) determinado por tamisação foi de 379,9
μm e o rendimento de quitina foi de 18,2% em relação a matéria-prima
inicial (material seco e triturado), esse rendimento está proximo ao obtido
por ASSIS e BRITO (2008) que encontrarm um rendimento de 22%. O rendimento
de quitosana foi de 92 % em relação a massa de quitina utilizada na etapa de
desacetilação, o que confere baixa variação em massa e um rendimento
satisfatório. A figura 1 mostra a curva obtida na análise do grau de
desacetilação determinada através da titulação potenciométrica que relaciona
o volume de NaOH (mL) e o pH. Esse método é possível, pois, a quitosana
apesar de ser insolúvel em água é solúvel em soluções aquosas de ácidos
diluídos, portanto, esse fato permite determinar o conteúdo dos grupos
aminos livres usando o método de titulação. O grau de desacetilação foi
calculado segundo a equação 1: GD % = (M (V2 - V1)161 x100)/W (equação 1),
onde: GD é o grau médio de desacetilação; V1 é o volume de base usado na
neutralização de HCl em excesso, expresso em mL; V2 é o volume de NaOH
correspondente à neutralização dos grupos amino presentes no polímero,
expresso em mL; M é a concentração da solução de NaOH e W é a massa da
quitosana em mg. O valor 161 corresponde à massa equivalente a um monômero
do polímero. A curva apresenta dois pontos de inflexão, sendo o primeiro
relacionado à neutralização do excesso de HCl na solução e o segundo ponto
referente a neutralização dos grupos amino protonados. O grau de
desacetilação calculado foi de 62%. Este resultado classifica o produto como
quitosana, normalmente considerado acima de 50%. As medidas das área dos
sinais nos espectros de infravermelhos foram obtidas na absorção das
amostras de quitosana correspondentes aos grupos funcionais de amina (1350
cm-1) e CH2 (1465 cm-1) como mostrado na figura 2. O
grau de acetilação foi calculado utilizando-se a equação 2 com auxílio de
sistema computacional para a determinação das áreas, segundo trabalho
publicado por BARRAGÁN e colaboradores (2016): A1350/A1465= 0,3822 + 0,0313
GA (equação 2), logo: 1024,78/594,07 = 0,3822 + 0,0313 GA, onde GA =
42,901%. Assim, GD= 100,00 – 42,90 = 57,10%. Onde: GA = Grau de acetilação
(%). Grau de desacetilação (GD) = 100 - DA. A1350 (Área sob a curva da banda
do espectro infravermelho com um número de onda de 1350 cm -1).
A1465 = Área sob a curva da banda do espectro infravermelho em um número de
onda de 1465 cm -1.Os resultados obtidos pelos dois métodos
apresentaram valores com diferença relativa de 8,7%. Acredita-se que este
valor pode ser minimizado a partir da obtenção de quitosanas com maior grau
de desacetilação.
Curva de titulação potenciométrica da quitosana.
Bandas de infravermelho obtidas na absorção das amostras de quitosana correspondentes aos grupos funcionais de amina (1350 cm-1) e CH2 (1465 cm-1)
Conclusões
O rendimento de 18% de quitina em relação a matéria-prima bruta está de acordo com o que era esperado. O ponto mais relevante foi o rendimento de 92% de quitosana após desacetilação, e neste contexto, a produção de quitosana mostrou-se potencialmente positiva em comparação aos resultados apresentados na literatura. A titulação potenciométrica apresenta-se como um método de fácil determinação não exigindo equipamentos sofisticados e que pode ser facilmente implantada como rotina na determinação do grau de desacetilação (GD). A análise de infravermelho colaborou para melhor acuidade do resultado do GD, apesar da diferença relativa de 8,7%. Estudos futuros serão necessários para aumentar o grau de desacetilação por meio da variação de parâmetros como: concentração de NaOH, temperatura e tempo de reação, a otimização desses itens são de suma importância para a qualidade do produto final.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES, à PROPESP-UFPA e ao LABISISBIO.
Referências
ASSIS O.B.G; BRITO. D. Processo básico de extração de quitina e produção de quitosanas a partir de resíduos da carnicultura. Revista Brasileira de Agrociências v.14, n.1, p.91-100, 2008.
BARRAGÁN, C.A.R; FORNUÉ, E.D; ORTEGA, J.A.A. Determinación del grado de desacetilación de quitosana mediante titulación potenciométrica, FTIR Y RAMAN. Journal CIM, v.4, n.1, 2016.
FAI, A.E.C; STAMFORD, T.C.M; STAMFORD, T.L.M. Potencial biotecnológico de quitosanas em sistemas de conservação de alimentos. Revista Iberoamericana de Polímeros, v.9, n.5, p.435-451, 2008.
NEVES, A.C; SCHAFFNER, R.A; KUGELMEIER, C.L; WIEST, A.M; ARANTES, M.K. Otimização do processo de obtenção de quitosana a partir de resíduos da carnicultura para aplicações ambientais. Revista Brasileira de Energias Renováveis, v.2, p.34-47, 2013.
YOUNES, I; RINAUDO, M. Chitin and chitosan preparation from marine soucer: structure, properties and applications. Marine Drugs, v.13, p.1133-1174, 2015.