Efeito da utilização de uma tinta intumescente na microestrutura do substrato de aço AISI 1010
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Materiais
Autores
de Sá, S.C. (UFRGS) ; Peres, R.S. (UFRGS) ; Zmozinski, A.V. (UFRGS) ; Ferreira, C.A. (UFRGS)
Resumo
As tintas intumescentes são uma ótima alternativa de proteção de substratos metálicos contra o fogo, principalmente em aplicações de alto desempenho. Elas isolam termicamente o substrato pela sua expansão e formação de uma camada carbonosa protetora. Este trabalho tem como objetivo a avaliar a influência do uso de uma tinta intumescente epóxi na microestrutura do aço AISI 1010. Além disso, comparar esta tinta com o substrato sem nenhum tipo de revestimento e com uma tinta sem propriedades retardantes de chama. A caracterização foi realizada por teste de resistência ao fogo, metalografia por microscopia óptica e microdureza Vickers. A aplicação de uma tinta intumescente epóxi protegeu a microestrutura do aço contra o fogo, impedindo o crescimento de tamanho de grão e a diminuição da dureza.
Palavras chaves
Tinta intumescente; Aço AISI 1010; Microestrutura
Introdução
O aço estrutural é uma matéria prima amplamente utilizada na indústria, incluindo desde setores da construção civil até refinarias e plataformas offshore de petróleo e gás. Essas estruturas ficam expostas a ambientes agressivos, que podem degradar as propriedades estruturais e superficiais do material, afetando a estrutura e podendo causar uma falha catastrófica da mesma (JIMENEZ el al,2006a;YEW et al,2012). Devido ao fato aço começar a perder as suas propriedades estruturais, como a sua resistência mecânica, quando atinge temperaturas na ordem de 450-500°C (ALONGI et al,2015), é importante que ele tenha algum tipo de proteção contra o fogo para o caso de incêndios acidentais. Portanto, é importante o desenvolvimento e aprimoramento de tintas e revestimentos retardantes de chama compatíveis com substratos metálicos. As tintas intumescentes são denominadas como materiais passivos de proteção contra o fogo (ULLAH et al,2013) e elas vêm apresentando grande potencial para a proteção de substratos metálicos contra o fogo (JIMENEZ et al,2006b;BEHESHTI et al,2015). O sistema intumescente é formado por três componentes principais, sendo eles uma fonte de carbono, uma fonte ácida e um agente de expansão. Eles devem ser capazes de reagir e causar a expansão da tinta, formando uma camada carbonosa protetora (ULLAH et al,2013). No momento em que o revestimento intumescente entra em contato com uma fonte de calor, a sua superfície funde e se transforma em um líquido altamente viscoso. O aumento da temperatura desencadeia reações químicas, que levam a produção de gases inertes. Ocorre o aprisionamento destes gases dentro do líquido viscoso, o que causa a expansão da tinta; logo, há a formação da camada carbonosa protetora. Esta camada age como uma camada isolante térmica entre a chama e o substrato (SORATHIA et al,1996). É importante ressaltar que a estrutura de um material está diretamente relacionada com as suas propriedades (CALLISTER,2008). Desta forma, o tamanho de grão do aço tem influência direta nas suas propriedades (mecânicas, elétricas e químicas, principalmente). Um menor tamanho de grão dificulta o movimento das discordâncias, o que resulta em uma baixa tenacidade, alta dureza e elevada resistência ao escoamento. Por outro lado, um maior tamanho de grão oferecem uma menor resistência ao movimento das discordâncias, o que resulta em uma maior tenacidade e em uma maior elongação até a ruptura (COLPAERT,1997). Este trabalho tem como objetivo verificar a eficiência de uma tinta intumescente epóxi na proteção do aço AISI 1010 (aço baixo carbono) contra o fogo através da análise da sua microestrutura. Além disso, verificar o impacto de possíveis modificações estruturais em uma de suas propriedades mecânicas (dureza). Assim, foram avaliadas placas do aço AISI 1010 após o ensaio de resistência ao fogo em três situações distintas (revestida com uma tinta intumescente, revestida com uma tinta sem propriedades retardantes de chama e sem nenhum tipo de revestimento) e depois foi feita a comparação com a placa não ensaiada (como fornecida pelo fabricante). Os ensaios realizados para a caracterização das amostras foram teste de resistência ao fogo, metalografia com microscopia óptica e microdureza Vickers.
Material e métodos
As matérias-primas utilizadas para o preparo das tintas foram: resina epóxi base solvente Araldite 488 N-40 (Huntsman), trifenil fosfato (TPP) (Tokyo Chemical Industry), ácido bórico (Synth), melamina (Sigma-Aldrich), dióxido de titânio (TiO2) (Polimerum) e um composto vegetal (fornecido na forma de um pó fino) como fonte de carbono no sistema intumescente (Bravine). Foram preparadas duas tintas, sendo uma delas intumescente e a outra sem nenhuma propriedade retardante de chama. A formulação, em massa de tinta seca, da tinta intumescente é: 71,80% de resina, 6,19% de composto vegetal, 6,19% de melamina, 6,19% de ácido bórico, 3,43% de trifenil fosfato e 6,20% de dióxido de titânio. Neste sistema, o composto vegetal atua como fonte de carbono, o ácido bórico como fonte ácida, a melamina como agente de expansão e o trifenil fosfato como retardante de chama (fonte de fósforo). Já a formulação da tinta sem propriedades retardantes de chama é: 71,80% de resina e 28,20% de dióxido de titânio. É importante ressaltar que a formulação da tinta intumescente foi baseada na literatura (ULLAH et al,2013). As tintas foram preparadas em um dispersor de tintas modelo DISPERMAT N1 (WMA-GETZMANN GMBH) a uma rotação de 3000 rpm por 30 minutos, contados após a adição de todos os componentes da formulação, com o auxílio do solvente metil-etil-cetona (MEK) para o ajuste da viscosidade. Os corpos de prova foram preparados em placas de aço AISI 1010 com dimensões de 100 mm x 100 mm x 1 mm. Todas as amostras foram lixadas em ambos os lados com lixa #100 e depois desengraxadas com acetona. No caso das placas revestidas, foi fixado um molde com dimensões 100 mm x 100 mm x 1,5 mm e com uma cavidade circular de 6,5 cm de diâmetro para o ajuste da espessura. A espessura final da camada de tinta seca foi de 1,5 mm. O ensaio de resistência ao fogo foi realizado com um maçarico VersaFlame modelo 2200 (Dremel) por 30 minutos com monitoramento de temperatura. O monitoramento de temperatura foi realizado na parte de trás do substrato metálico com o auxílio de um termopar tipo K (Thermomax). O maçarico de butano gera uma chama que atinge uma temperatura máxima de 1150°C. Em relação ao ensaio de metalografia, a região da placa que teve a temperatura controlada pelo termopar foi cortada com um disco de carbeto de silício com resfriamento, embutida a quente com baquelite, lixada (lixas d´água #100, #220, #320, #460, #600 e #1000) e polidas com alumina 3 μm. O ataque químico seletivo escolhido para a análise das amostras foi Nital 2%. A análise microestrutural das amostras foi realizada através de micrografias obtidas com um microscópio óptico Zeiss axiocam ERC 5s. Por fim, o ensaio de microdureza Vickers foi realizado após o preparo metalográfico das amostras em um microdurômetro Micromet® 2001 (Buehler) com o endentador piramidal de diamante (Vickers). Foram medidos 5 pontos em cada amostra, com uma carga de 0,1 kgf e um tempo de medida de 15 segundos.
Resultado e discussão
A importância do uso de uma tinta intumescente é preservar as propriedades
do substrato em que ela está aplicada para evitar que uma falha catastrófica
da estrutura ocorra (ULLAH et al, 2013). Assim, a avaliação da
microestrutura do substrato de aço após o ensaio de resistência ao fogo é
primordial para verificar a eficiência de uma tinta com propriedades de
proteção contra o fogo. Isto pelo fato da microestrutura de um material
estar diretamente relacionada com as propriedades dele (CALLISTER, 2008).
Desta forma, foi realizado o ensaio de microdureza Vickers para verificar o
impacto de possíveis mudanças na microestrutura do aço AISI 1010 em uma das
suas propriedades mecânicas. Como descrito anteriormente, três amostras de
aço foram submetidas ao ensaio de resistência ao fogo: a placa sem
revestimento, a placa revestida com a tinta sem propriedades retardantes de
chama e a placa revestida com a tinta intumescente epóxi. Estas amostras
foram, então, comparadas com a placa não ensaiada (da forma que veio do
fabricante). A Figura 1 mostra o perfil de temperatura obtido no ensaio de
resistência ao fogo das amostras. A placa sem revestimento apresentou as
maiores temperaturas, que oscilaram entre 450 e 490°C no decorrer do ensaio.
Além disso, a placa ensaiada ficou incandescente no ponto de encontro com o
maçarico e flambou durante o ensaio. Já a placa com a tinta sem propriedades
retardantes de chama apresentou temperaturas na faixa de 400°C. A tinta
começou a pingar e escorrer assim que a chama entrou em contato, restando
apenas parte do dióxido de titânio entre a chama e o substrato. Aqui também
ocorreu a flambagem da placa de aço, mas para o lado contrário ao
apresentado pela placa sem revestimento. Em relação ao comportamento com o
uso da tinta intumescente, não houve nenhum tipo de deformação na placa
ensaiada e as temperaturas chegaram, no máximo a 150°C. Houve a formação da
camada carbonosa protetora, que isolou termicamente o substrato, não
permitindo que a temperatura se elevasse muito. A Figura 2 apresenta as
micrografias referentes às quatro amostras. Em primeiro lugar, todas elas
possuem uma microestrutura típica de um aço baixo carbono, ou seja,
predominância de grãos de ferrita (regiões claras) com pequenas regiões mais
escuras referentes a perlita (COLPAERT,1997). Em termos microestruturais,
praticamente não houve alteração quando é feita a comparação entre a amostra
não ensaiada e a amostra revestida com a tinta intumescente, o que confirma
a proteção do substrato metálico com o uso deste tipo de tinta. No entanto,
houve um aumento no tamanho de grão nas amostras sem revestimento e com a
tinta sem propriedades de retardamento de chama, sendo mais acentuado na
placa sem revestimento. Provavelmente o fenômeno de aumento de grão foi mais
acentuado na placa sem revestimento, pelo fato do dióxido de titânio ser um
óxido termicamente estável, então ele acabou protegendo um pouco a placa de
aço. Quando o aço é submetido, por longos períodos de tempo, a temperaturas
mais elevadas, é esperado que ocorra o aumento do tamanho de grão
(CALLISTER,2008;COLPAERT,1997). Por fim, a microdureza Vickers foi medida a
uma carga de 0,1 kgf e com um tempo de medida de 15 s. A amostra de aço
original não ensaiada apresentou uma dureza de 125±2 HV, a amostra com a
tinta intumescente 124±2 HV, a amostra com a tinta sem propriedades
retardantes de chama 113±1 HV e a amostra sem revestimento 106±1 HV. Essas
medidas confirmam os resultados obtidos referentes a microestrutura das
amostras, já que quanto maior foi o aumento do tamanho de grão, maior foi a
diminuição da dureza. Com o uso da tinta intumescente, a dureza do aço ficou
muito próxima da original, estando dentro do desvio padrão. Já nas outras
duas amostras, houve uma diminuição da dureza (mais acentuada na placa sem
revestimento, que apresentou o maior tamanho de grão após o ensaio de
resistência ao fogo). Estes resultados são condizentes com a literatura, já
que o tamanho de grão influencia diretamente nas propriedades do aço. A
diminuição do tamanho de grão resulta em uma queda em propriedades como
resistência mecânica e dureza (CALLISTER,2008;FORTIS,2011;COLPAERT,1997).
Monitoramento da temperatura do substrato de aço AISI 1010 durante o ensaio de resistência ao fogo.
Micrografias do corte transversal das amostras (a) Placa virgem, (b) Placa sem revestimento, (c) Tinta sem proteção e (d) Tinta intumescente.
Conclusões
A aplicação de uma tinta intumescente epóxi como mecanismo de proteção do aço AISI 1010 contra o fogo é eficiente. A microestrutura se manteve muito semelhante a original (placa não submetida ao ensaio de resistência ao fogo) e a microdureza Vickers ficou dentro do desvio padrão de medida. É importante ressaltar que a placa sem nenhum tipo de revestimento foi a mais afetada pelo fogo. Houve um aumento significativo de grão, que se refletiu em uma queda de dureza (de 125 HV para 106 HV). Esses efeitos ocorreram, mas de forma mais branda, na placa revestida com a tinta sem propriedades de retardamento de chama, que apresentou uma dureza de 113 HV (antes a dureza era 125 HV) e o aumento de grão em algumas regiões da amostra. Essas mudanças microestruturais se devem às maiores temperaturas atingidas por estas amostras e mantidas durante o decorrer do ensaio de 30 minutos de resistência ao fogo (entre 450 e 490°C para a placa não revestida e em torno de 400°C para a placa com o revestimento sem propriedades retardantes de chama).
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro e bolsas de estudo proporcionados pela CAPES, FAPERGS e CNPq.
Referências
ALONGI, J.; HAN, Z.; BOURBIGOT, S. Intumescence: Tradition versus novelty. A comprehensive review. Progress in Polymer Science, n°51, 28-73, 2015.
BEHESHTI, A.; HERIS, S. Z. Experimental investigation and characterization of an efficient nanopowder-based flame retardant coating for atmospheric-metallic substrates. Powder Technology, n°269, 22-29, 2015.
CALLISTER, WILLIAM D. Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Introdução. 7ª edição. Editora LTC, São Paulo, 2008.
COLPAERT, HUBERTUS. Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns. 3ª edição. Editora Edgard Blücher Ltda., São Paulo, 1997.
FORTIS, C. E.; KISS, F. J. Metalografia e tratamentos térmicos de aços e ferros fundidos. Gráfica UFRGS, Porto Alegre, 2011.
JIMENEZ, M.; DUQUESNE, S.; BOUBIGOT, S. Multiscale experimental approach for developing high-performance intumescent coatings. Industrial & Engineering Chemistry Research, n°45, 4500-4508, 2006.
JIMENEZ, M.; DUQUESNE, S.; BOURBIGOT, S. Intumescent fire protective coating: toward a better undestanding of their mechanism of action. Thermochimica Acta, n°449, 16-26, 2006.
SORATHIA, U.; ROLLHAUSER, C. M.; CHARLES, M.; HUGHES, W. A. Improved fire safety of composites for naval applications. Fire and Materials, n°16, 119-125, 1992.
ULLAH, S.; AHMAD, F.; YUSOFF, P. S. M. M. Effect of Boric Acid and Melamine on the Intumescent Fire-Retardant Coating Composition for the Fire Protection of Structural Steel Subtrates. Journal of Applied Polymer Science, n°128, 2983-2993, 2013.
YEW, M. C.; RAMLI SULONG, N. Fire-resistive performance of intumescent flame-retardant coatings for steel. Materials & Design, n°34, 719-724, 2012.