ESTRATÉGIAS DE ALIMENTAÇÃO NO CULTIVO DE Rhodotorula mucilaginosa PARA OBTENÇÃO DE LIPÍDIOS

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Bioquímica e Biotecnologia

Autores

Pereira, R.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE) ; Silveira, J.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE) ; Ores, J.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE) ; Burkert, C.A.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE)

Resumo

Neste trabalho, foi avaliada a influência da estratégia de alimentação no cultivo em batelada-alimentada sobre o acúmulo de lipídios pela levedura Rhodotorula mucilaginosa, utilizando glicerol bruto como fonte de carbono. Na batelada simples, os resultados obtidos para conteúdo lipídico, biomassa e lipídios totais produzidos foram de 42,9 ± 0,8%, 8,16 ± 0,36 g/L e 3,50 ± 0,14 g/L, respectivamente. O melhor resultado foi para batelada- alimentada com alimentação em 96 h de 20 mL de meio de cultivo, sendo obtidos valores de 41,4 ± 2,2%, 14,30 ± 0,60 g/L e 5,92 ± 0,56 g/L, respectivamente, para os parâmetros citados. Desta forma, verificou-se que o processo em batelada-alimentada favoreceu o crescimento microbiano e, consequentemente, a produção total de lipídios.

Palavras chaves

Batelada-alimentada; Glicerol; Leveduras oleaginosas

Introdução

Diante da necessidade de se buscar soluções mais limpas e renováveis para o mercado de combustíveis, tem aumentado a produção de biodiesel em todo o mundo. Como sua principal matéria-prima é de origem vegetal, esta questão tem gerado discussões decorrentes da competição por terras aráveis entre a produção de alimentos e de biocombustíveis. Desta forma, os óleos microbianos são vistos como uma alternativa promissora como matéria-prima, não só para o biodiesel, como também para o uso em suplementos alimentares (CHANG et al., 2013; LIANG et al., 2010; RATLEDGE, 2004). Diferentes micro- organismos são capazes de acumular lipídios em seus organismos, contudo as leveduras oleaginosas, capazes de acumular teores superiores a 20%, apresentam algumas vantagens sobre os demais, pois são capazes de crescer em diversos substratos, e ainda, apresentam maiores taxas de crescimento (MOLINÉ; LIBKIND; BROOCK, 2012). Neste contexto, alguns estudos têm utilizado glicerol bruto oriundo do processo de produção de biodiesel como substrato para o crescimento microbiano (KITCHA; CHEIRSILP, 2011; SPIER, 2014; LIANG et al., 2010; SAENGE et al., 2011; THIRU et al., 2011), agregando valor à cadeia produtiva do biodiesel, contribuindo assim para a sua competitividade. Diversos fatores podem influenciar no acúmulo de lipídios, como pH, aeração, agitação e o modo de cultivo (AGEITOS et al., 2011; ANGERBAUER et al., 2008). Este último pode ser em batelada, batelada-alimentada ou modo contínuo. No processo em batelada-alimentada as alimentações são intermitentes ao longo do cultivo, sendo que a principal vantagem é a possibilidade de se regular a alimentação do substrato, impedindo a ação inibitória do mesmo sobre o crescimento de biomassa e o acúmulo de lipídios (SHULER; KARGI, 2012). O presente trabalho propõe avaliar diferentes estratégias de alimentação no cultivo em batelada-alimentada da levedura silvestre Rhodotorula mucilaginosa em meio à base de glicerol bruto, verificando os efeitos sobre a biomassa, o teor de lipídios e os lipídios totais produzidos.

Material e métodos

Nos cultivos, foi utilizada a levedura silvestre Rhodotorula mucilaginosa, isolada pela equipe do Laboratório de Engenharia de Bioprocessos da FURG em estudo anterior (OTERO, 2011) e depositada na Fundação André Tosello (sob o nº 7688). Esta levedura foi transferida para tubos de ensaio com ágar inclinado YM (Yeast Malt) composto por (g/L): 10 glicose, 5 peptona, 3 extrato de malte, 3 extrato de levedura, 20 ágar bacteriológico. Para o crescimento, os tubos foram incubados em estufa a 25°C. O glicerol bruto foi proveniente da empresa BS Bios Indústria e Comércio de Biodiesel Sul Brasil S/A, obtido da produção de biodiesel a partir do óleo degomado de soja por via metanólica. O pré-inóculo foi preparado com a raspagem de dois tubos da cultura microbiana reativada, sendo adicionado em cada tubo 10 mL de água peptonada 0,1%, para remoção das células dos micro-organismos e as mesmas foram transferidas para um frasco Erlenmeyer contendo 180 mL de caldo YM. Posteriormente, foi incubado a 30°C em incubadora rotatória (Tecnal TE-424, Brasil) a 180 rpm. Após 48 h, 20 mL do pré-inóculo foi transferido para o meio de inóculo, com a mesma composição e condições de temperatura e agitação, monitorando-se o cultivo por contagem em câmara de Neubauer até atingir no mínimo 1x108 células/mL (SPIER, 2014). Os cultivos foram realizados em batelada e batelada-alimentada, conduzidos em frascos Erlenmeyer com volume inicial de 200 mL de meio, dispostos em incubadora rotatória (Tecnal TE-424, Brasil) a 180 rpm. A composição do meio e as condições de cultivo utilizadas foram as propostas por Spier (2014): 30 g/L glicerol; 5,0 g/L KH2PO4; 1,0 g/L Na2HPO4; 3,0 g/L MgSO4.7H2O; 1,2 g/L extrato de levedura; pH inicial 4,5; temperatura 25°C; concentração inicial de 107 células/mL. Para os processos em batelada- alimentada, foram avaliadas quatro estratégias de alimentação: alimentação de 20 mL de meio em 96 h (BA1); alimentação de 20 mL de meio em 96 h, 10 mL de meio em 144 h e 10 mL de meio em 192 h (BA2); alimentação de 20 mL de meio em 96 h e 10 mL de meio em 144 h (BA3); alimentação de 10 mL de meio em 96 h e 10 mL de meio em 144 h (BA4). As concentrações nas alimentações foram dez vezes superiores aquelas do meio de cultivo inicial. A biomassa foi determinada conforme o método descrito por Choi e Park (2003). A determinação de lipídios foi através do método de Bligh e Dyer (1959), modificado por Manirakiza, Covaci e Schepens (2001), ao final dos cultivos. O cálculo para determinação de lipídios totais produzidos foi através da Equação 1. Lipídios totais(g/L)=[Teor de lipídios(%) × Biomassa Final (g/L)]/100 (Equação 1) Os experimentos foram realizados em triplicata, empregando-se o teste de Tukey para verificação de diferenças significativas entre as condições de cultivo testadas, a 95% de confiança (p ≤ 0,05).

Resultado e discussão

Os resultados obtidos para o processo em batelada para conteúdo lipídico, biomassa e lipídios totais produzidos foram 42,9 ± 0,8%, 8,16 ± 0,36 g/L e 3,50 ± 0,14 g/L, respectivamente. Estes resultados são semelhantes aos obtidos pelas leveduras T. spathulata e K. ohmeri, que também apresentaram a capacidade de crescer em glicerol bruto, sendo que resultaram em uma concentração de biomassa de 9,17 g/L e 10,45 g/L e de lipídios totais de 3,85 g/L e 3,17 g/L, respectivamente (KITCHA; CHEIRSILP, 2011). Papanikolaou e Aggelis (2002) observaram o crescimento da levedura Y. lipolytica em glicerol bruto, apresentando uma concentração de biomassa de 8,1 g/L, conteúdo lipídico de 43% em massa seca e lipídios totais de 3,5 g/L, sendo estes resultados próximos aos obtidos neste trabalho. Diante disso, evidencia-se o potencial da levedura R. mucilaginosa para a obtenção de lipídios. A alimentação de meio de cultivo em 96 h (BA1) resultou em um aumento de biomassa e, consequentemente, de lipídios totais quando comparados com o processo em batelada (Tabela 1). O aumento foi de aproximadamente 75% na concentração de biomassa, enquanto que nos lipídios totais foi de aproximadamente 69%. Isto se deve ao aumento da disponibilidade da fonte de carbono e nitrogênio em função da alimentação, permitindo um maior crescimento microbiano. Saenge et al. (2011) compararam o crescimento da levedura R. glutinis utilizando glicerol bruto entre o modo de cultivo em batelada e em batelada-alimentada, verificando um aumento na produção de biomassa de 8,17 g/L para 10,05 g/L e, consequentemente, um aumento nos lipídios totais de 4,33 g/L para 6,10 g/L. Para R. mucilaginosa TJY15a, utilizando-se hidrolisado de alcachofra como fonte de carbono, foram obtidos 14,4 g/L e 19,5 g/L de concentração de biomassa e 48,6% e 52,2% de conteúdo lipídico, para os processos em batelada e batelada-alimentada, respectivamente (ZHAO et al., 2010). Para as estratégias BA2, BA3 e BA4, o melhor resultado foi para BA3 (Tabela 1), pois o conteúdo lipídico e os lipídios totais foram maiores significativamente (p ≤ 0,05) que os demais cultivos. Contudo, a biomassa obtida foi igual para todas as estratégias. Neste caso, é possível afirmar que novas alimentações posteriores ao tempo de 144 h (BA2) não se mostraram necessárias, visto que não favoreceu o acúmulo de lipídios. Assim como, pulsos com volumes reduzidos (BA4) não exerceram influência positiva sobre o acúmulo de lipídios, nem sobre o crescimento microbiano. As curvas de crescimento microbiano estão apresentadas na Figura 1. Ao se comparar essa melhor estratégia BA3 com BA1, observou-se que estas são estatisticamente iguais (p ≥ 0,05), ou seja, não houve mudança de parâmetros ao ser introduzida uma nova alimentação em 144 h (Tabela 1). Este comportamento indica que o micro-organismo não foi capaz de crescer ainda mais com a nova alimentação de substrato, possivelmente não sendo capaz de consumir mais substrato para o seu desenvolvimento. Desta forma, a alimentação apenas em 96 h se demonstrou mais eficaz, visto que outras alimentações no cultivo não se mostraram eficientes.

TABELA 1 - Cultivos em batelada-alimentada.



FIGURA 1 - Curvas de crescimento microbiano.



Conclusões

Este estudo demonstrou que emprego do processo em batelada-alimentada permitiu um maior crescimento microbiano, quando comparado com o processo em batelada simples. Além disso, foram avaliadas diferentes estratégias de alimentação com diferentes pulsos (BA1, BA2, BA3 e BA4). Destas, a alimentação de meio de cultivo em 96 h (BA1) se mostrou a melhor estratégia, levando a um incremento de 75% na produção de biomassa e 69% nos lipídios totais produzidos.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos órgãos de fomento: FURG, CAPES e CNPq.

Referências

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