Extração, processamento e identificação química de fibras dietéticas antioxidantes do bagaço de uva Alicante Bouschet do Semiárido brasileiro
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Alimentos
Autores
Barcelos, T. (UEZO) ; Almeida, P.S. (UEZO) ; Tonon, R.V. (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA DE ALIMENTOS) ; Godoy, R.L.O. (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA DE ALIMENTOS) ; Santiago, M.C.P.A. (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA DE ALIMENTOS) ; Beres, C. (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA DE ALIMENTOS) ; Braga, E.C.O.B. (UFRJ) ; Mellinger-silva, C. (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA DE ALIMENTOS)
Resumo
O bagaço de uva é rico em compostos bioativos e fibras dietéticas que podem ser recuperados e valorados. O objetivo deste estudo foi avaliar a extração, processamento e identificação das fibras antioxidantes do bagaço de uva Alicante Bouschet do Semiárido brasileiro. Após extração aquosa à quente, o extrato obtido (12,3 g/100g) foi fracionado por membrana e as frações geradas foram avaliadas quanto aos polissacarídeos, compostos bioativos e atividade antioxidante. Foi observado que os compostos antioxidantes estão, majoritariamente, complexados com os polissacarídeos, caracterizando as fibras antioxidantes. Polissacarídeos pécticos de parede celular compõem o extrato e os principais fenólicos encontrados são ácido gálico, catequina, epicatequina e quercetina.
Palavras chaves
Bagaço de uva; fibras alimentares; atividade antioxidante
Introdução
A uva é uma das frutas mais consumidas no mundo, com grande produção agrícola e movimentação econômica. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial e a uva é a quarta fruta mais cultivada no país (GONZÁLLEZ-CENTENO et al., 2014). Além do consumo da fruta in natura, a uva também é matéria-prima para o desenvolvimento de outros produtos, como sucos, geleias e o vinho, dentre outros. O vinho é o principal produto obtido da uva e essa produção gera uma grande quantidade de resíduo agroindustrial que, no Brasil, gira em torno de 290.000 toneladas por temporada de produção (SOUZA et al., 2014). Esses resíduos são constituídos de casca, engaço e sementes que são, molecularmente, compostos por água, proteínas, lipídeos, carboidratos, vitaminas, minerais e compostos com propriedades biológicas, como fibras, vitamina C e compostos fenólicos (AHMAD and ALI SIAHSAR, 2011).Esta rica composição do bagaço, o qual se estima reter 70% dos compostos bioativos da uva in natura, apresenta-se como uma matéria-prima interessante para obtenção de compostos bioativos, fibras alimentares, corantes e preservantes naturais (CAPA et al., 2015). Nas últimas décadas, muitos estudos já abordam a obtenção de compostos bioativos do bagaço de uva por meio de extrações sólido-líquido, especialmente por meio de soluções hidroalcoólicas. Esses extratos são ricos em metabólitos secundários com diferentes atividades biológicas (BERES et al., 2016) e, certamente, são ingredientes altamente valorados para usos alimentícios, cosméticos e/ou nutracêuticos.Nota-se, no entanto, que depois da recuperação destes compostos de baixa massa molar, ainda resta um grande volume de bagaço que permanece sem aproveitamento e sem destino definido. Conhecendo a composição desse material, percebeu-se que o mesmo ainda contém grandes quantidades de compostos bioativos que permanecem no resíduo, além de altas quantidades de fibras alimentares (BERES et al., 2016).Fibras alimentares podem ser classificadas quanto à solubilidade em água em solúveis ou insolúveis. As fibras solúveis são, atualmente, reconhecidas por modularem várias respostas biológicas em estudos pré-clínicos e clínicos. Estão associadas, principalmente, no controle da constipação intestinal, de síndromes metabólicas, como Diabetes ou Dislipidemias, além da imunomodulação. São tidas como fibras mais nobres e as pectinas, ramnogalacturonanas, arabinogalactanas, xiloglucanas, glucanas e mananas são os principais representantes da classe. Já as fibras insolúveis, como a celulose, lignina, e xilanas lineares são reconhecidas, principalmente, pela capacidade de regular o trânsito intestinal (TORRI et al., 2015). Estudos recentes apontam o estudo das fibras alimentares em uma nova direção, que avalia a capacidade destes polímeros de se associarem a moléculas antioxidantes, estabilizando-as e apresentando propriedade antioxidante, sendo então, nomeadas de “fibras antioxidantes”. Fibra dietética antioxidante é definida como “um concentrado de fibra dietética contendo quantidade significativa de antioxidantes naturais associados com compostos não digeríveis” (SAURA-CALIXTO, 1998). Diante do exposto, este estudo visou a extração, o processamento e a identificação de fibras antioxidantes recuperadas do bagaço de uva Alicante bouschet, da região do Semiárido brasileiro.
Material e métodos
O bagaço da uva Alicante Bouschet, proveniente da região do Semiárido brasileiro, foi gerado pela Vinícola Rio Sol, do Grupo ViniBrasil (Lagoa Grande, PE). O bagaço é resultante da produção de vinho tinto, portanto, foi fermentado juntamente com o processo de obtenção do vinho, por 15 dias. O bagaço foi seco e moído na Embrapa Semiárido (Petrolina, PE) e enviado ao Rio de Janeiro (Embrapa Agroindústria de Alimentos) por transporte aéreo. Essa farinha bruta do bagaço (FB) foi inicialmente caracterizada quanto à composição centesimal (AOAC, 2016), sendo então submetida à extração aquosa a quente para recuperação das fibras solúveis. A extração aquosa foi realizada em tanque encamisado com agitação, a 80ºC, durante 3 horas, utilizando-se uma relação sólido:líquido de 1:7. O extrato obtido foi filtrado em malha de nylon e mantido congelado até o uso. Foram utilizados 10 kg de bagaço e o volume final de extrato foi de 30 L.O extrato aquoso bruto (EA) foi fracionado por ultrafiltração em membrana de cerâmica com limite de exclusão de 20 kDa. O extrato bruto, bem como as amostras, retida (RET) e permeada (PER) desse processo foi analisado quimicamente. Por fim, o extrato foi seco por atomização. Para a caracterização parcial dos polissacarídeos que compõem o extrato e as frações retida e permeada do processo de ultrafiltração, as análises químicas realizadas compreendem a quantificação colorimétrica de açúcares totais (DUBOIS et al., 1956) e ácidos urônicos (FILISETTI-COZI e CARPITA, 1991), além da quantificação gravi-colorimétrica de fibras solúveis, insolúveis e lignina (MAÑAS et al., 1994). Também foi realizada a quantificação gravimétrica das pectinas (SCABIO et al., 2007; FERTONANI et al., 2009). Para a avaliação dos metabólitos secundários que compõem o material, as análises compreenderam a quantificação colorimétrica de compostos fenólicos totais com o uso do reagente de Folin-Ciocalteu (GEORGÉ et al., 2005) e antocianinas totais (LEE et al., 2008), além da análise cromatográfica para identificação de compostos fenólicos (CHAVEZ et al., 2017). As atividades antioxidantes in vitro foram avaliadas pelos métodos do 2,2-Diphenyl-1-picrylhydrazyl (DPPH) (BRAND-WILLIAMS et al., 1995) e Oxygen Radical Antioxidant Capacity (ORAC) (OU et al., 2001).
Resultado e discussão
Inicialmente, a farinha bruta (FB) do bagaço de uva foi caracterizada
através da composição centesimal do material, que apresentou valores para
umidade (4,84%), cinzas (16,88%), proteína (9,83%), lipídeos (5,03%), fibra
alimentar total (49,23%) e carboidratos metabolizáveis (14,19%). Observa-se
um alto teor de cinzas, proveniente dos minerais da amostra. Estudos prévios
mostram que o bagaço de uva é geralmente fonte de ferro e zinco (BERES et
al., 2017). O alto percentual de fibras encontrado na farinha integral,
sem prévia extração, já faz com que esse insumo possa ser considerado rico
em fibras (RDC nº 54, ANVISA).Após a extração aquosa à quente, o extrato
seco apresentou rendimento de 12,3g /100g e após o processo de
ultrafiltração, a fração retida (RET) apresentou rendimento de 15,5 g/100g,
permanecendo com a coloração roxa, enquanto a fração permeada (PER)
apresentou rendimento de 5,4 g/100g e coloração rósea clara, mostrando que
os metabólitos secundários estão, de fato, interagindo com macromoléculas da
fração RET e por isso não foram eluídos no processo de ultrafiltração. A
quantificação de açúcares totais (Tabela 1) também mostra que os açúcares
componentes da amostra são, majoritariamente macromoléculas, uma vez que a
fração RET apresentou 1,4 vezes mais açúcares ao se comparar com EA e 3
vezes mais açúcares ao se comparar com PER, mostrando que as moléculas
maiores que 20 kDa predominam no extrato e que, não há grande presença de
oligossacarídeos ou monossacarídeos livres em solução, o que é de se esperar
sabendo-se que a uva foi exaurida no processo de vinificação tinta. Com o
intuito de verificar a presença de monossacarídeos ácidos, as amostras foram
quantificadas para ácidos urônicos (Tabela 1) e, novamente, foi observado um
maior teor de ácidos urônicos em RET, que apresentou uma concentração de
aproximadamente 1,2 vezes maior em relação a EA, o que significa que os
polímeros ácidos que compõem a amostra são de maior massa molar. Apesar da
presença de altas quantidades de ácidos urônicos, esses não são provenientes
de pectinas da polpa, pois EA apresentou apenas 3 g/100g de pectinas na
amostra. Esses dados reforçam a presença de polissacarídeos de parede
celular, podendo ser, principalmente as arabinogalactanas pécticas ou
ramnogalacturonanas, que são polissacarídeos considerados nobres, uma vez
que podem estar envolvidos em diversas respostas biológicas, especialmente
em processos imunomodulatórios. Ainda em relação ao conteúdo de fibras
presente no extrato, foi observado que a quantidade de fibras solúveis
(11,02 g/100g) é maior ao se comparar com as fibras insolúveis (1,94 g/
100g), não havendo presença significativa de lignina. Esse resultado é
esperado já que a amostra é um extrato aquoso à quente, em que fibras mais
solúveis tendem a ser melhor extraídas da parede celular vegetal por estarem
menos entrelaçadas nesta ultraestrutura. A próxima etapa do estudo avaliou a
presença de duas classes de compostos bioativos, o dos fenólicos totais e
das antocianinas. Como observado na Tabela 1, os valores obtidos para as
amostras são condizentes com os dados de literatura para outros extratos
aquosos provenientes de uvas, sendo, portanto, um insumo rico em compostos
fenólicos totais, como esperado. Ainda, esses resultados também elucidam
que, de fato, a maior parte desses compostos estão associados à
macromoléculas, principalmente aos polissacarídeos, uma vez que PER
apresentou valores relativamente baixos para estes compostos ao se comparar
com RET. A análise de antocianinas totais (Tabela 1) mostra que a quantidade
dessas moléculas foram menores ao se comparar com as quantidades encontradas
para fenólicos totais, no entanto, o mesmo comportamento de distribuição foi
observado entre as amostras RET e PER, percebendo-se que a maior parte das
antocianinas também parecem estar complexadas com macromoléculas.A análise
cromatográfica dos compostos fenólicos que compõem as amostras (Figura 1)
mostra a identificação de oito compostos, sendo os principais o ácido
gálico, catequina, ácido vanílico, epicatequina e quercetina. Também foi
possível observar que não houve uma grande diferença qualitativa entre EA,
RET e PER, mostrando que a principal diferença entre as amostras foi em
relação à quantidade das moléculas encontradas, que de fato, são muito
menores na amostra permeada. Sabendo-se que o extrato é rico em compostos
bioativos associados aos polissacarídeos, o próximo passo foi a realização
da capacidade antioxidante in vitro, através de diferentes metodologias:
DPPH e ORAC. Como mostra a Tabela 1, houve a presença de atividade
antioxidante no EA, mostrando que há, de fato, a presença de fibras
antioxidantes no extrato aquoso do bagaço de uva. Ainda, a resposta pelo
método de ORAC (1.477,67 μmol Trolox/g) parece ter sido mais eficiente ao
comparar como método do DPPH (507,5 μmol Trolox/g), no entanto, os
mecanismos de ação serão melhor investigados em estudos futuros.
Açúc. Tot= açúcares totais (ug/ mg); Ác. Uro.= ácidos urônicos (ug/ mg); Fen. Tot.= fenólicos totais (mg/100g); Ant. Tot.= antocianinas totais (mg/100
Perfil de fenólicos por HPLC. (AE) alimentação, (RET) retido e (PER) permeado. 1- ácido gálico, 2- ácido protocatecuico, 3- catequina, 4- ácido vaníli
Conclusões
Os resultados desse trabalho mostram que a extração aquosa à quente promoveu a extração de fibras alimentares antioxidantes do bagaço da uva Alicante Bouschet, com a presença majoritária de compostos bioativos complexados à elas, trazendo a possibilidade de desenvolvimento de um ingrediente alimentar com capacidade antioxidante associado aos benefícios das fibras solúveis.
Agradecimentos
À Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Referências
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