Caracterização e teor de compostos bioativos da casca de uva da variedade Alicante Bouschet obtida do processo de vinificação em tinto
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Alimentos
Autores
Machado, A.M.R. (IQ/UFRJ) ; Costa, G.N.S. (EQ/UFRJ) ; Galdeano, M.C. (EMBRAPA) ; Tonon, R.V. (EMBRAPA) ; Freitas, S.C. (EMBRAPA)
Resumo
Atualmente, tem se observado um aumento no consumo da uva e seus derivados, os quais vêm despertando interesse devido à presença de compostos bioativos que conferem benefícios à saúde, mas como consequência está sendo gerado grande quantidade de subproduto que atualmente são descartados. Este trabalho teve como objetivo caracterizar a farinha de casca de uva obtida do bagaço quanto à composição centesimal, atividade antioxidante, antinutricionais e de micotoxinas. A casca de uva apresentou alto teor de fibra alimentar total (53,08 g/100g), com predominância da fração insolúvel. A farinha pôde ser considerada uma fonte de compostos fenólicos e com alta atividade antioxidante, com reduzidos teores de fitatos, taninos condensado e ocratoxina A.
Palavras chaves
Compostos fenólicos; fibra alimentar; antinutricionais
Introdução
A uva (Vitis vinifera sp.) é um fruto muito consumido tanto in natura como na forma de produtos derivados: sucos, vinhos ou passas. A crescente demanda por esses produtos pode ser justificada pelo alto teor de compostos antioxidantes presentes, principalmente os compostos fenólicos (ORAK, 2007). Devido à crescente produção, a indústria vitivinícola vem gerando quantidades consideráveis de resíduos, denominado de bagaço de uva (composto de casca, semente, engaço e polpa residual), que atualmente são subaproveitados ou descartados no ambiente (ZOCCA et al., 2007; GUERRERO et al., 2016). A casca de uva, que corresponde cerca de 82% do peso seco do total do bagaço gerado, apresenta elevados teores de compostos fenólicos e de fibras alimentares (DENG, PENNER E ZHAO, 2011; ROCKENBACH et al., 2011), podendo ser considerada um potencial ingrediente para indústria de alimentos. No entanto, a presença de compostos antinutricionais (fitatos e taninos) os quais podem interferir na absorção de nutrientes (SANTOS, 2006), pode limitar a aplicação da casca de uva como ingrediente alimentício. Outro aspecto que pode limitar seu uso refere-se à presença de contaminantes como, por exemplo, as micotoxinas. Isto porque os fungos comumente presentes em uvas, o Aspergillus carbonarius e o Aspergillus niger, podem produzir ocratoxina A (OTA) que pode ser transferida para o bagaço durante o processo de vinificação (WELKE, HOELTZ e NOLL, 2009). Considerando a busca pela redução do impacto ambiental e visando a obtenção de um ingrediente seguro, este trabalho visou caracterizar a farinha de casca de uva da variedade Alicante Bouschet quanto aos aspectos nutricionais e antinutricionais e teores de ocratoxina A.
Material e métodos
A casca de uva foi obtida a partir do bagaço de uva da variedade Alicante Bouschet, proveniente da produção de vinho tinto, fornecido pela vinícola Rio Sol, grupo ViniBrasil (Lagoa Grande, PE). O material foi seco em secador convectivo com circulação de ar composto por bandejas em aço inox a 60° C por 24 horas, transportado e armazenado em câmara frigorífica (-18°C). Para obtenção da casca foi necessário retirar as sementes e os engaços utilizando despolpadeira 0,25 df (Itametal, Bahia), bem como o aeroclassificador SINTEL modelo n. 663 (Intecnial, Rio Grande do Sul) e peneiras classificadoras. As cascas foram trituradas em moinho (IKA A-11 Basic) para obtenção da farinha de casca de uva (FCU). A composição centesimal foi determinada de acordo com os métodos da AOAC (1995, 2010). Os compostos antinutricionais avaliados foram o teor de fitatos pelo método da AOAC (2010) e taninos de acordo com Burns (1971) e Deschamps e Cheryan (1985). A determinação de micotoxina foi realizada segundo método da AOAC (2005), sendo avaliado o teor de ocratoxina A (OTA). A atividade antioxidante foi avaliada através dos médodos ABTS e ORAC. Para o primeiro, a extração foi baseada no método descrito por Rufino et al. (2007) e a quantificação por Re et al. (1999), sendo os resultados expressos em µmol Trolox equivalente/g m.s. O método ORAC foi realizado conforme descrito por Zuleta et al. (2009), sendo o resultado expresso em µmol Trolox equivalente/g. O conteúdo de fenólicos totais foi determinado de acordo com a metodologia proposta por Georgé et al. (2005) e o resultado foi expresso em mg de ácido gálico/100g. Todas as análises foram realizadas em triplicata e os resultados foram expressos em base seca.
Resultado e discussão
A Tabela 1 apresenta a composição centesimal da farinha de casca de uva
(FCU) Alicante Bouschet. A FCU apresentou alto teor de fibra alimentar total
com predominância da fração insolúvel (87,06% do total das fibras
presentes), mostrando grande potencial como ingrediente para suplementação
de fibras na dieta. Bender et al. (2016) encontraram um teor similar (58
g/100g) ao do presente trabalho em casca de uva da variedade Marselan. Os
valores de cinzas, proteína e lipídeos estão similares aos encontrados em
cascas de uva obtidas de bagaço de outras variedades (BENDER, 2015). O teor
de OTA foi menor que o limite de quantificação do método (2,0 µg/kg e com
recuperação de 99,0%), sendo inferior ao limite máximo tolerado estabelecido
pela legislação nacional (RDC nº 7 de 2011) (BRASIL, 2011). Conhecer as
condições fitossanitárias de um resíduo ganha importância uma vez que o
mesmo apresenta potencial de se tornar um ingrediente para a indústria
alimentícia. A FCU apresentou um alto potencial antioxidante (Tabela 2)
devido aos valores elevados de compostos fenólicos (2892,83 ± 64,30 mg
equivalente de ácido gálico/100g), quando comparado, por exemplo, com o
bagaço de maçã (134,45 a 522,74 mg equivalente de ácido gálico/100g) (SOARES
et al., 2008). Barcia (2014) obteve teor semelhante ao avaliar cascas de uva
do cultivar Cabernet franc (2907 mg equivalente de ácido gálico/100g). A FCU
apresentou altos teores de atividade antioxidante tanto pelo método ABTS
(97,85 ± 11,88 µmol trolox/g) quanto pelo método de ORAC (186,37 ± 16,85 µM
trolox/g). Os resultados foram similares ao encontrado na variedade Isabel
por Ferreira (2010). O baixo teor de fitato (0,037g/100g) indica que a FCU
não apresenta risco para consumidores portadores de enfermidades associadas
a deficiências de minerais, pois este valor está abaixo do limite máximo
permitido de 0,1g/100g (BRASIL, 2000). O teor de taninos condensados (5,44
±0,64 mg/100g) foi baixo quando comparado com cascas obtidas de bagaço de
outras variedades (DENG, PENNER e ZHAO, 2011), portanto mostrando menor
risco de afetar a digestibilidade proteica (BENEVIDES et al., 2011).
Compostos fenólicos, atividade antioxidante, teor de taninos e fitatos da farinha de casca de uva (FCU) Alicante Bouschet, em base seca.
Conclusões
A farinha de casca de uva obtida a partir do resíduo vitivinícola apresentou alto teor de fibra alimentar com predominância de fibras insolúveis. Foram encontradas quantidades consideráveis de compostos fenólicos e atividade antioxidante. Os teores de taninos, fitatos e ocratoxina A mostraram-se seguros para o consumo, o que torna viável a sua utilização como ingrediente rico em fibras e com propriedades antioxidantes.
Agradecimentos
A Universidade Federal do Rio de Janeiro e à Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Referências
AOAC. ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS. Official Methods of Analysis of AOAC, USA, Washington, 1995.
______.OFFICIAL METHODS OF ANALYSIS OF THE ASSOCIATION OF ANALYTICAL CHEMISTS INTERNATIONAL. Gaithersburg, M.L, v.17, 2010.
______.ASSOCIATION OF OFFICIAL AGRICULTURAL CHEMISTS INTERNATIONAL. AOAC Official Method 986.11. Phytate in Foods, 18 ed., 3ª rev, 2010.
______.ASSOCIATION OF OFFICIAL AGRICULTURAL CHEMISTS INTERNATIONAL. AOAC Official Method 2001.001. Ocratoxin A in wine and beer. Washington, DC, 2005.
BARCIA, M. T. Estudo dos compostos fenólicos e capacidade antioxidante de subprodutos do processo de vinificação. Tese 2014, p. 69, Universidade Estadual de Campinas, Ciência de Alimentos.
BENDER, A. B. B. Fibra alimentar a partir de casca de uva: desenvolvimento e incorporação em bolos tipo muffin. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos)-Universidade Federal de Santa Maria, RS, p. 36.
BENDER, A. B. B.; De MELLO, L. M.; LOUREIRO, B. B.; SPERONI, C. S.; BOLIGON, A. A.; DA SILVA, L. P.; PENNA, N. G. Obtention and characterization of grape skin flour and its use in an extruded snack. Brazilian Journal of Food Technology, v. 19, p. 1-9, 2016.
BENEVIDES, C. M. J.; SOUZA, M. V.; SOUZA, R. D. B.; LOPES, M. V. Fatores antinutriciona is em alimentos: revisão, Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 18, n. 2, p. 67-79, 2011.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº53, de 15 de junho de 2000. Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Mistura à base de Farelo de Cereais. Diário Oficial da União, Brasília, 19 jun. 2000. Seção 1, p. 36.
BRASIL. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 07, de 18 de fevereiro de 2011. Regulamento técnico sobre limites máximos tolerados (LMT) para micotoxinas em alimentos.
DENG, Q.; PENNER, M. H.; ZHAO, Y. Chemical composition of dietary fiber and polyphenols of five different varieties of wine grape pomace skins. Food Research International, Oxford, v. 44, n. 9, p. 2712-2720, 2011.
DESCHAMPS, S.S.; CHERYAN, M. Evaluation of vanillin assay for tanins analysis of dry beans. Journal of Food Science, v. 50, n. 4, p. 905-910, 1985.
FERREIRA, L. F. D. Obtenção e caracterização de farinha de bagaço de uva e sua utilização em cereais matinais expandidos. 2010. 135 f. Tese (Doutorado em Ciência e Tecnologia de Alimentos)-Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, p. 63-65, 2010.
GEORGÉ, S.; BRAT, P.; ALTER, P.; AMIOT, M. J. Rapid determination of polyphenols and vitamin C in plant-derived products. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.53, n.5, p.1370- 1373. 2005.
GUERRERO, R. F.; BIAIS, B.; RICHARD, T.; PUERTAS, B.; WAFFO-TEGUO, P.; MERILLON, J. M.; CANTOS-VILLAR, E. Grapevine cane’s waste is a source of bioactive stilbenes. Industrial Crops and Products, v. 94, p. 884-892, 2016.
ORAK, H. H. Total antioxidant activities, phenolics, anthocyanins, polyphenoloxidase activities of selected red grape cultivars and their correlations. Scientia Horticulturae, v. 111, n. 3, p. 235-241, 2007.
RE, R.; PELLEGRINI, N.; PROTEGGENTE, A.; PANNALA, A.; YANG, M.RICE-EVANS, C. Antioxidant activity applying an improved ABTS radical cation decolorization assay. Free Radical Biology and Medicine, v. 26, n.9, v. 10, p.1231-1237, 1999.
ROCKENBACH, I. I.; RODRIGUES, E.; GONZAGA, L. V.; CALIARI, V.; GENOVESE, M. I.; GONÇALVES, A. E. S. S.; FETT, R. Phenolic compounds content and antioxidant activity in pomace from selected red grapes (Vitis vinifera L. and Vitis labrusca L.) widely produced in Brazil. Food Chemistry, London, v. 127, n. 1, p. 174-179, 2011.
RUFINO, M. S. M.; ALVES, R. E.; BRITA, E. S.; MORAIS, S. M.; SAMPAIO, C. G.; PÉREZ-JIMÉNEZ, J.; SAURA-CALIXTO, F. D. Metodologia Científica: Determinação da atividade antioxidantes total em frutas pela captura do radical livre ABTS▪+ Comunicado Técnico 128. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2007.
SANTOS, M. A. T. Efeito do cozimento sobre alguns fatores antinutricionais em folhas de brócolis, couve-flor e couve. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 30, n. 2, p. 294-301, 2006.
SOARES, M.; WELTER, L.; GONZAGA, L.; LIMA, A.; MANCINI-FILHO, J.; FETT, R. Avaliação da atividade antioxidante e identificação dos ácidos fenólicos presentes no bagaço de maçã cv. Gala. Food Science and Technology (Campinas), v.28, n.3, p.727-732. 2008.
WELKE, J. E.; HOELTZ, M.; NOLL, I. B. Aspectos relacionados à presença de fungos toxigênicos em uvas e ocratoxina A em vinhos. Ciência Rural, v. 39, n. 8, 2009.
ZOCCA, F.; LOMOLINO, G.; CURIONI, A.; SPETTOLI, P.; LANTE, A. Detection of pectinmethylesterase activity in presence of methanol during grape pomace storage. Food Chemistry, London, v. 102, n. 1, p. 59-65, 2007.
ZULETA, A.; ESTEVE, M.J.; FRÍGOLA, A. ORAC and TEAC assays comparison to measure the antioxidant capacity of food products. Food Chemistry., v.114, p. 310-316, 2009.