Degradação de β-caroteno encapsulado em nanoemulsões de óleo de milho durante armazenamento
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Alimentos
Autores
Borba, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG) ; Tavares, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG) ; Dora, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG) ; Burkert, J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG)
Resumo
É de grande importância verificar a influência de parâmetros como temperatura e luz em sistemas que serão adicionados em matrizes alimentícias, portanto, o presente trabalho teve como objetivo acompanhar a degradação de β-caroteno encapsulado em nanoemulsões de óleo de milho formuladas por homogeneização a alta pressão. As nanoemulsões foram armazenadas à 4 e 25 °C na presença e ausência de luz durante 24 dias. As amostras mantidas a 4 °C na ausência de luz diferenciaram-se estatisticamente (p<0,05) das demais, mantendo seu teor de carotenoide durante todo o armazenamento. Esses resultados são de grande importância visto que auxiliam na definição das possíveis aplicações dessas nanoemulsões, para que o carotenoide se mantenha estável durante o armazenamento dos produtos onde será aplicado.
Palavras chaves
nanotecnologia; carotenoides; estabilidade
Introdução
Do ponto de vista químico, os carotenoides possuem estrutura básica formada por unidades de isopreno ligadas covalentemente, criando uma molécula simétrica com 40 carbonos. Muitos outros carotenoides podem derivar-se dessa estrutura primária, através de modificações químicas como a ciclização, hidrogenação, desidrogenação, encurtamento ou extensão de cadeia, isomerização ou combinação desses e de outros processos (AKSU; EREN, 2005, 2007; DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). O consumo de carotenoides auxilia na prevenção de doenças cardíacas, canceres e problemas de visão. Porém sua aplicação em produtos alimentícios é bastante restrita devido à sua baixa solubilidade em água e instabilidade química (ANARJAN; TAN, 2013). A oxidação de carotenoides pode ser acelerada por fatores como luz, temperatura, pH e presença de formas reativas de oxigênio. Esses diferentes fatores podem causar perda de bioatividade e qualidade (perda de cor e rancidez) em produtos alimentares fortificados com esses compostos (DAVIDOV-PARDO; GUMUS; McCLEMENTS, 2016). A necessidade de sistemas em grau alimentício capazes de encapsular, proteger e liberar compostos funcionais, como os carotenoides, tem despertado o interesse de pesquisadores e indústrias para o uso de sistemas nanotecnológicos (SILVA; CERQUEIRA; VICENTE, 2012). Materiais em nanoescala apresentam propriedades diferentes dos materiais convencionais, consequência do aumento da área superficial e mudança nas forças físicas que atuam sobre essas partículas (SIEGRIST et al., 2008). Dentre as nanoestruturas, que podem além de proteger, facilitar a manipulação dos carotenoides, estão as nanoemulsões, que são dispersões coloidais formadas por gotas de óleo, com diâmetro na escala nanométrica, dispersas em uma fase aquosa (RAO; McCLEMENTS, 2011). No entanto, matrizes alimentícias são submetidas a diferentes condições durante sua produção, estocagem e transporte, sendo importante examinar a influência de parâmetros como temperatura e luz em sistemas que serão empregados nesses produtos (GUMUS; DAVIDOV-PARDO; McCLEMENTS, 2016; GUAN; WU; ZHONG, 2016), sendo assim, o presente trabalho teve como objetivo acompanhar a degradação de β-caroteno encapsulado em nanoemulsões de óleo de milho formuladas por homogeneização a alta pressão e estocadas em diferentes temperaturas na presença e ausência de luz.
Material e métodos
Para o preparo das nanoemulsões, a fase oleosa foi composta por 70 % (m m-1) de óleo de milho e 30 % (m m-1) de Span® 80 e o β-caroteno foi disperso na fase oleosa para uma concentração final de 0,5 mg mL-1. A fase aquosa foi composta por 10 mL de água e 0,1 % (m m-1) de Tween 20. As fases oleosa e aquosa foram aquecidas a 60 °C e 80 °C, respectivamente, ambas sob agitação magnética. Depois da completa dissolução, a fase aquosa foi vertida na fase oleosa sob agitação magnética constante (700 rpm). A emulsão formada foi homogeneizada por 2 min a 14.500 rpm em Ultra-turrax® (T10 basic, IKA) e na sequência foi submetida a seis ciclos de 10.000 psi em homogeneizador a alta pressão (EmulsiFlex-C3, Avestin) (MARTÍNEZ, 2016). Para avaliação do efeito da temperatura e da luz sobre a degradação do β-caroteno nanoemulsionado, as amostras foram acondicionadas em frascos de vidro em estufas com temperaturas controladas a 4 °C e 25 °C com e sem incidência de luz (12W, 1055 lm) por 24 dias. A quantificação do teor de β-caroteno das amostras foi realizada em espectrofotômetro a 450 nm (RODRIGUEZ-AMAYA, 2001) utilizando-se uma curva padrão do carotenoide. As amostras foram caracterizadas físico-químicamente logo após o preparo, através dos parâmetros tamanho de partícula, potencial ζ e índice de polidispersão (IPD). O tamanho de partícula e o índice de polidispersão (IPD) foram determinados por espalhamento de luz dinâmico e o potencial ζ por anemometria laser doppler, todos utilizando-se o equipamento Zetasizer Nano Series (Malvern Instruments, Worcestershire, RU). Para o cálculo da taxa de degradação do β-caroteno nas condições de armazenamento utilizou-se o modelo cinético de primeira ordem descrito por Reza et al. (2015) e representado pela Equação 1: C=C0e-kt (1) Onde C0 é a concentração inicial de β-caroteno (mg mL-1) no tempo zero; C é a concentração de β-caroteno (mg mL-1) no tempo t; k é a taxa constante de degradação (d-1); t é o tempo (d). Os experimentos foram realizados em triplicata e os dados analisados por análise de variância e se necessário submetidos a teste de Tukey (p<0,05).
Resultado e discussão
Após o preparo, as emulsões apresentaram boa estabilidade visual, sem
observação de separação de fases e com tamanho médio de partícula de
315,60±3,33 nm. Para o parâmetro índice de polidispersão a amostra
apresentou valor médio de 0,08±0,02. De forma geral, considera-se que
valores de IPD abaixo de 0,2, como o das nanoemulsões no presente trabalho,
indicam uniformidade nos tamanhos das partículas ou distribuições de
partículas monomodais (ARANCIBA et al., 2017).
O valor de potencial ζ médio das amostras foi de -34,26±3,03 mV, este
parâmetro apresenta grande importância do ponto de vista da estabilidade
física das nanoemulsões, visto que representa as forças de repulsão entre as
partículas adjacentes na nanodispersão (ALI; HUSSEIN, 2017), sendo assim, o
valor negativo elevado observado demonstra uma boa estabilidade das
emulsões. Os surfactantes utilizados no presente trabalho são conhecidamente
não iônicos sendo assim, o potencial ζ negativo observado nas amostras está
relacionado à habilidade das interfaces óleo-água em adsorver
preferencialmente íons hidroxil presentes na água ou pela presença de
impurezas aniônicas no óleo e nos surfactantes (TRANCOSO; AGUILERA;
McCLEMENTS, 2012).
A temperatura de estocagem é um dos parâmetros mais importantes na
estabilidade de emulsões (SHARIF et al., 2017) e na Figura 1 estão
apresentados os teores de β-caroteno ao longo dos 24 dias de armazenamento
nas diferentes condições de estocagem.
Após 24 dias de armazenamento, o teor de β-caroteno das nanoemulsões
mantidas a 4°C sem luz foi superior (p<0,05) ao teor remanescente nas demais
amostras. As amostras mantidas a 4°C com luz e a 25°C com e sem luz
apresentaram teor de β-caroteno sem diferença significativa (p>0,05) entre
si, após o mesmo período de armazenamento. De forma visual pode-se perceber
nas nanoemulsões mantidas a 25°C (tanto na presença quanto na ausência de
luz) o surgimento de um halo alaranjado ao fim dos 24 dias assim como
redução da coloração laranja da amostra.
O teor do carotenoide nas amostras armazenadas a 25°C (com e sem luz)
apresentaram decaimento exponencial (R²=0,95), com uma taxa de degradação de
0,043 d-1. O decaimento no teor de β-caroteno das amostras armazenadas a 4°C
com e sem exposição à luz, não se ajustaram ao modelo exponencial proposto
(R²=0,41 e R²=0,1, respectivamente). Segundo Silva et al. (2011) descreve
que a degradação de alguns carotenoides pode seguir modelos cinéticos de
diferentes ordens influenciada pelo tipo de carotenoide, presença de
solventes, incidência de luz e oxigênio disponível.
O aumento da degradação dos carotenoides adicionados a nanoestruturas com o
aumento da temperatura foi descrito também por Anarjan; Tan (2013)
utilizando nanodispersões de astaxantina mantidas a 5°C (na ausência de luz)
com degradação de 37% do carotenoide após oito semanas de estocagem, já as
amostras mantidas a 25°C apresentaram decaimento de 46 na primeira semana de
armazenamento.
A degradação do β-caroteno ocorre principalmente por processos oxidativos e
de isomeração, consequência da presença de ligações duplas nos anéis de β-
ionona, o que torna este composto mais reativo e suscetível a essas
modificações (SANTOS, et al., 2015), que podem ser acelerados pelas
condições de armazenamento (KNOCKAERT et al., 2012).
Nanoemulsões de β-caroteno e óleo de milho estocadas a 55°C durante 12 dias
apresentaram degradação de aproximadamente 100% do carotenoide (ZHANG;
ZHANG; McCLEMENTS, 2015). No presente trabalho, as amostras submetidas a
25°C (independente da exposição à luz), apresentaram degradação de 40% dos
carotenoides após 12 dias e as amostras mantidas a 4°C (independente da
exposição à luz), apresentavam retenção de 100% do carotenoide após o mesmo
período. A maior redução no teor de β-caroteno nas temperaturas de 55°C e
25°C, descritas por diferentes autores, está ligada ao fato de que, o
aumento da temperatura acelera a velocidade das reações de degradação na
presença de oxigênio e radicais formados durante o processo de
homogeneização (DAVIDOV-PARDO; GUMUS; McCLEMENTS, 2016; TAN; NAKAJIMA,
2005).
Além do fator temperatura, o tipo de lipídio utilizado na formulação da
nanoemulsão também pode interferir na degradação do β-caroteno. Emulsões
preparadas com lipídios sólidos elevam significativamente a estabilidade
deste composto bioativo em comparação a emulsões formuladas com lipídios
líquidos, como o utilizado no presente trabalho. (CORNACCHIA; ROOS, 2011;
SHARIF et al., 2017).
Conclusões
No presente trabalho foi possível observar que a melhor condição para o armazenamento das nanoemulsões de óleo de milho com β-caroteno é sob refrigeração e na ausência de luz, nas quais o teor do carotenoide manteve-se inalterado por 24 dias. Esses resultados são de grande importância visto que auxiliam na definição das possíveis aplicações dessas nanoemulsões, para que o carotenoide se mantenha estável durante o armazenamento dos produtos onde será aplicado.
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES, CNPq, Fapergs e FURG pelo auxílio financeiro.
Referências
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