Síntese e propriedades do poli(indeno) fosfonado via reação de Friedel-Crafts
ISBN 978-85-85905-21-7
Área
Química Orgânica
Autores
Azevedo de Freitas, M. (UFRGS) ; Dartora, P.C. (UFRGS) ; de Camargo Forte, M.M. (UFRGS)
Resumo
Polímeros eletrólitos para altas temperaturas têm sido obtidos por copolimerização e/ou modificação química. Neste trabalho, a fosfonação de polindeno, um polímero hidrocarbônico aromático, foi feita via método de Friedel-Crafts, com PBr3 como agente fosfonante, em presença de AlCl3. A substituição eletrofílica permitiu a incorporação de grupos PO3H no anel aromático. A ligação C-P no indeno foi confirmada via 31P-NMR e o polímero fosfonado foi caracterizado por TGA-MS. O grau de fosfonação foi determinado por EDS semiquantitativo, validado com amostra referência com grau de sulfonação determinado via titulometria. O PPInd atingiu grau de fosfonação de 80%, confirmado por TGA. A degradação do PPInd ocorreu com cisão da cadeia em meros de indeno.
Palavras chaves
poli(indeno); fosfonação; TGA-MS
Introdução
A modificação química de polímeros é uma área extensamente investigada, devido a versatilidade dos materiais produzidos. Na modificação de polifosfazeno, ALLCOCK et al (2001) introduziram grupos de ácido fosfônico nos anéis aromáticos com grupos laterais fenóxi através de reações sucessivas de brominação, litiação e finalmente, com clorofosfato de dietila. TAVS (1970) propôs a reação de Michaelis-Arbuzow como método de fosfonação de composto aromático, na qual fosfito de trialquila e um haleto de arila líquido reagem a 150 oC com formação de fosfonato. Os dois métodos citados são adequados para obtenção de compostos fosfonados, no entanto necessitam reagentes químicos pouco comuns e de alto custo. Por outro lado, a fosfonação de polímeros aromáticos pode ser feita via a reação de Friedel-Crafts, mais simples e de baixo custo, possibilitando altos graus de modificação. O método Friedel-Crafts envolve um trihaleto de fósforo para a fosfonação direta de compostos aromáticos. Apesar da simplicidade da reação de fosfonação de poli(estireno) via método de Friedel-Crafts, JAKOBY et al (2003) reportaram que, devido a trifuncionalidade do haleto de fósforo, ocorre também reação de reticulação, independentemente das condições reacionais. Neste trabalho, um método de fosfonação via reação de Friedel-Crafts na presença de um ácido de Lewis foi empregado para fosfonação de poli(indeno). Reações subsequentes para modificação do grupo funcional inserido no anel aromático, originam a inserção de grupos ácido fosfônico no anel aromático do poli(indeno). O polindeno fosfonado foi caracterizado química e termicamente, fazendo-se analogias entre as diversas técnicas de análise usadas.
Material e métodos
Tricloreto de alumínio (AlCl3, 99,99%), tribrometo de fósforo (PBr3, 97%), NaOH, HNO3 e HCl foram utilizados como recebidos. Poli(indeno) (PInd) foi sintetizado em laboratório conforme reportado por BRUM et al (2014). A reação de fosfonação do PInd foi realizada segundo método descrito por ALEXANDRATOS et al (1985). Em balão de vidro foi adicionado 1 g de PInd e 7 mL de PBr3, a temperatura ambiente, e mantidos sob agitação por 1 h. Posteriormente, foi adicionado AlCl3 na razão 1/5 (AlCl3/PBr3) e a temperatura foi elevada para 90 oC. A reação de substiuição eletrofílica teve duração de 4 h, e o meio reacional resfriado até a temperatura ambiente. O polímero funcionalizado foi lavado com água deionizada, sob agitação, até obter um sobrenadante límpido. A produto sólido foi filtrado e reservado para a reação seguinte. Em balão de vidro foram adicionados o produto sólido da reação e 50 mL de NaOH 2 N. O meio reacional foi mantido sob agitação a 90 oC por 2 h. O meio reacional de hidrólise foi resfriado até a temperatura ambiente e o sólido isolado por filtração e lavado com HCl 0,5 M. A última etapa de fosfonação do PInd envolveu a oxidação do grupo ácido fosfínico em ácido fosfônico através da reação com ácido nítrico 2 N, a 95 oC por 2 h. Após o resfriamento até a temperatura ambiente, o sólido foi lavado com água deionizada, isolado por filtração e seco em estufa a 80 oC. O produto da fosfonação do PInd foi caracterizado por espectroscopia no infravermelho (FTIR, método por transmitância com pastilha de KBr, 32 varreduras, em espectrômetro Perkin Elmer modelo Spectrum 1000), ressonância magnética nuclear de 1H e 31P (em dimetilsulfóxido deuterado, a 60 oC, sonda de 5 mm e 400 MHz em espectrômetro Varian modelo MR de 9,4 T), espectroscopia de energia dispersiva (EDS, em microscópio eletrônico Philips XL30 acoplado com detector Oxford X-act) e análise termogravimétrica acoplada com espectrometria de massas (TGA-MS, 10 oC.min-1, em atmosfera inerte, em equipamento TA Instruments modelo Discovery). A intensidade dos picos referentes aos diferentes fragmentos foi normalizada seguindo (ARENILLAS et al, p.31, 1999) pelo pico de maior intensidade para a mesma amostra e pela sua massa, a fim de inferir quantitativamente sobre os fragmentos a partir das intensidades relativas. Para a determinação do grau de fosfonação do PPInd, usou-se como padrão para a análise elementar (EDS) o poli(indeno) sulfonado (SPInd) com 74 % de grau de modificação, determinado por titulometria de neutralização. Assim, foi possível fazer uma analogia entre a quantidade de enxofre e o grau de sulfonação para o SPInd e o teor de fósforo e o grau de fosfonação para o PPInd. Além disso, o grau de fosfonação foi confirmado por TGA, através da quantidade de água liberada.
Resultado e discussão
A reação de fosfonação do poli(indeno) envolveu inicialmente a inserção de
grupos de dibrometo de fósforo [-PBr2], que por hidrólise
posterior foram convertidos em grupos ácido fosfínico [OPOH(H)], que por
oxidação se transformam em ácido fosfônico [OP(OH)2]. O
poli(indeno) fosfonado foi obtido na forma de pó, apresentando coloração
laranja. O rendimento da reação, após diversas etapas de lavagem e filtração
do produto, foi em torno de 50%. O polímero resultante mostrou-se
parcialmente solúvel em água e em dimetilsulfóxido, e insolúvel em
clorofórmio e dimetilformamida, em soluções com concentração inferior a
1g.L-1. O grau de fosfonação do PPInd foi comparativamente
avaliado com o grau de sulfonação de poli(indeno) sulfonado, para fim de
comparação e validação da técnica de EDS, uma vez que o segundo já foi
extensivamente obtido com diferentes graus de sulfonação, avaliado por
titulometria. Devido a solubilidade parcial do PPInd, a determinação do grau
de fosfonação foi feita quantificando-se a quantidade de fósforo através da
espectroscopia de energia dispersiva, usando padrão de enxofre de polímero
sulfonado com grau de modificação conhecida. Tabela 1 apresenta o teor ou
grau (percentagem) de sulfonação e fosfonação, valores determinados e
calculados, bem como o comprimento de onda das bandas de absorção de FTIR, e
deslocamento químico relativos a ressonância magnética nuclear de próton e
de fósforo.
O SPInd apresentou grau de modificação de 73,5 %, avaliado por titulação de
neutralização. Assim, pela análise de EDS, o teor de enxofre de 12,59%
corresponde a um grau de modificação de 73,9%. A similaridade dos resultados
das duas técnicas e a similaridade química entre o enxofre e o fósforo
permitiram inferir sobre o grau de fosfonação através do teor de fósforo.
Assim, o teor de fósforo determinado por EDS de 13,54% para o PPInd,
corresponde a um grau de fosfonação calculado de 81,7%. Esse valor indica
que, de cada 100 meros da cadeia do poli(indeno), aproximadamente 82 possuem
grupo ácido fosfônico.
Pelos espectros de FTIR, verificou-se que os picos de absorção ou
estiramento em 2917 cm-1 , 1630 cm-1, 1440
cm-1 e 765 cm-1 são característicos do poli(indeno),
conforme já descrito na literatura (BRUM et al, 2014). Os demais
picos são relativos a absorções do polímero fosfonado devido a introdução de
grupos de ácido fosfônico no poli(indeno). Os estiramentos simétricos da
hidroxila em 3406 cm-1 e 2355 cm-1 comprovam a
existência de grupos polares e hidrofílicos no PPInd, tanto do ácido
fosfônico quanto das moléculas de água ligadas a este por ligações de
hidrogênio. O estiramento da ligação fósforo-anel aromático em 1170
cm-1 comprova a modificação, conforme (GLASER, 2010).
Pelos espectros de RMN de hidrogênio-1 e fósforo-31, foi comprovada a
modificação do poli(indeno). Os sinais referentes ao 1H-RMN
corroboraram os observados por BRUM et al (2014) para o poli(indeno),
bem como o sinal referente ao hidrogênio da hidroxila em 3,57 ppm, também
evidenciado por KENJI et al (2010) para o poli(arilenoéter)
fosfonado, também observado por JAKOBY et al (2003) para a
poli(fenilsulfona) fosfonada. Os deslocamentos químico relativos ao fósforo
em 13,84 ppm e 17,32 ppm corroboraram a incorporação de átomos de fósforo na
estrutura do PPInd. O aparecimento de dois picos ou deslocamentos
diferentes, indica a existência de duas estruturas fosfonadas, a saber: uma
relativa a ácido fosfônico e outra que pode ser atribuída a uma reticulação
entre grupos durante a reação, já identificado e proposto por KENJI et
al (2010) no poli(arilenoéter) fosfonado. Observa-se um deslocamento
para o fósforo em 19,4 ppm e em 13,2 ppm, que são atribuídos as estruturas
(H3CH2CO)2OP- e (HO)2OP,
respectivamente, ligadas ao anel aromático do poli(arilenoéter) fosfonado.
As curvas de análise termogravimétrica (TGA) acoplada com espectrometria de
massas (Figura 1) permitiram inferir sobre o modo de degradação do
poli(indeno) fosfonado, como pode ser visto pelas curvas de perda de massa
do PPInd (Fig. 1c), e de intensidade relativa dos fragmentos de massas 18
u.m.a. (água), 115 u.m.a. (mero de indeno sem 1 hidrogênio) e 116 u.m.a.
(mero de indeno) para o PInd e PPInd. Pela análise das curvas do fragmento M
= 18, pode-se observar a hidrofilicidade do PPInd, devido a perda de água
abaixo de 100 oC e aparecimento do sinal no MS nesta temperatura.
A detecção de moléculas de água pelo MS também ocorreu entre 200
oC e 350 oC, devido a condensação dos grupos ácidos fosfônico,
como observado por LEE et al (2007). A quantidade de água liberada
neste intervalo de temperatura é proporcional ao grau de fosfonação, assim,
houve liberação de 0,38 mg de H2O, equivalente a 81,7 % de grau
de fosfonação, corroborando o resultado de EDS. Por fim, acima de 400
oC, onde ocorre degradação da cadeia principal do poli(indeno),
há liberação de água e CO2, como mostrado pela curva (Fig. 1b),
pela ascenção do sinal referente ao fragmento de massa M = 44 u.m.a. Os
sinais referentes aos fragmentos de massas 115 u.m.a. e 116 u.m.a. mostram
que a decomposição da cadeia principal do PInd e do PPInd é majoritarimente
através de cisão em unidades monoméricas de indeno, sendo o sinal referente
a esses fragmentos muito mais intenso do que dos dímeros.
A maior intensidade relativa dos fragmentos M = 115 u.m.a. e 116 u.m.a. para
o PInd indica que houve maior liberação desta molécula, referente ao PPInd,
evidenciado a condensação dos grupos ácido fosfônico, que ligaram duas
cadeias adjacentes. A análise termogravimétrica do PInd em atmosfera inerte
resulta em baixíssimo resíduo (BRUM et al, p. 62, 2014), enquanto que
para o PPInd resultou em resíduo de quase 50 % a 600 oC. Este
comportamento pode ser explicado pela ciclização e carbonização que a cadeia
do PPInd sofre durante o aquecimento em altas temperaturas, facilitada pela
aproximação das cadeias devido à condensação dos grupos ácido fosfônico e
polaridade dos mesmos. Além disso, a carbonização e ciclização de estruturas
orgânicas envolvem liberação de gás hidrogênio (M = 2 u.m.a.), como
discutido por (ARENILLAS et al, p.31, 1999). A curva da (Fig. 1a)
mostra a intensidade relativa em função da temperatura para esse fragmento,
evidenciando maior liberação do mesmo acima de 400 oC, onde ocorre
degradação da cadeia principal do PPInd. Não há aumento significativo de
sinal para o PInd, mostrando que não haverá ciclização e carbonização da
cadeia polimérica e, portanto, baixo resíduo. A análise do fragmento de
massa 28 u.m.a. (monóxido de carbono) não se mostrou valiosa, visto que o
perfil de detecção foi o mesmo para o PInd e PPInd.
Grau de fosfonação do poli(indeno) fosfonado e análise química por FTIR e RMN de [sup]1[/sup]H e [sup]31[/sup]P.
Curvas de TGA acoplado com espectrômetro de massas para diversos fragmentos e de perda de massa para o PPInd (c, curva tracejada).
Conclusões
A fosfonação do poli(indeno) ocorreu de forma satisfatória usando o método de Friedel-Crafts para modificação de polímeros. O grau de modificação foi de 81,7 %, conferindo caráter de eletrólito hidrofílico ao polímero. Contudo, devido a reações paralelas de reticulação durante a modificação, a solubilidade do PPInd tornou-se limitada em água e em solventes polares. O PPInd mostrou ter comportamento térmico estável até 150 oC, havendo somente perda de água fracamente ligada ao grupo ácido fosfônico. Acima de 150 oC há condensação dos agrupamentos ácidos, facilitando, a mais altas temperaturas, ciclização e carbonização da macromolécula. A degradação da cadeia principal ocorreu principalmente na forma de meros e dímeros de indeno, sendo majoritariamente como cisão e liberação de 1 molécula de indeno não fosfonado.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro.
Referências
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ARENILLAS, A.; RUBIERA, F.; PIS, J.J. Simultaneous thermogravimetric-mass spectroscopy study on the pyrolysis behaviour of different rank coals. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, no 50, 31-46, 1999.
BRUM, F.J.B.; ZANATTA, F.G.; MARCZYNSKI, E.S.; FORTE, M.M.C.; POLLET, B. Synthesis and characterization of a new sulphonated hydrocarbon polymer for application as a solid proton-conducting electrolyte. Solid State Ionics, no 263, 62-70, 2014.
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