INVESTIGAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE CONHECIMENTOS BÁSICOS DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE QUÍMICA: RESULTADOS DE INTERVENÇÕES DIDÁTICAS

ISBN 978-85-85905-19-4

Área

Ensino de Química

Autores

Foureaux, A.B. (IFRJ-NILÓPOLIS) ; Ferreira, I.J. (IFRJ-NILÓPOLIS) ; Messeder, J.C. (IFRJ-NILÓPOLIS)

Resumo

Neste trabalho buscou-se investigar como a insuficiência de conhecimentos básicos em matemática dificulta o processo de aprendizagem de Química. A atividade contou com a participação de 55 alunos do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro. Para a coleta de dados utilizou-se da aplicação de exercícios envolvendo expressões e cálculos de massa molecular. As intervenções didáticas planejadas ocorreram em dois momentos, com a participação do professor regente das turmas. Foi possível observar que a atividade contribuiu para melhoria da aprendizagem da interpretação do problema químico, reforçando os conceitos de cálculos matemáticos, além disso, possibilitou uma reflexão sobre a avaliação da aprendizagem, por parte dos licenciandos envolvidos no trabalho.

Palavras chaves

intervenções didáticas; cálculos químicos; cálculos matemáticos

Introdução

A Química tem uma relação íntima com a Matemática e com as outras Ciências da Natureza. Por essa razão faz-se necessário a articulação entre as disciplinas para um ensino mais significativo. Usualmente vemos que muitos profissionais da educação e discentes não entendem o porquê de se estudar Química, por não associarem esse ensino com a possibilidade de ampliação da visão crítica (SANTOS et. al, 2013). É descrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN) que: “os objetivos do Ensino Médio em cada área do conhecimento devem envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea, e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspondam a uma cultura geral e a uma visão de mundo.” (BRASIL, 2002). Tem-se a visão de que o ensino de Química, assim como de outras Ciências da Natureza e a Matemática, ocorre por mecanização dos conteúdos, ou seja, só se obtém sucesso se a memorização de informações e fórmulas forem efetivadas e exaustivamente treinadas, sem considerar o entendimento da situação problema (GOMES; MACEDO, 2007). Faz-se necessário durante a aula ou em uma atividade que o professor tenha uma linguagem próxima a do aluno, porque este não está alfabetizado cientificamente, e aos poucos passe da linguagem informal para a linguagem científica. Em seus estudos sobre a psicologia da linguagem, Sapir (1929, apud. VIGOTSKY, 2001) afirma que: “A linguagem elementar deve estar relacionada a todo um grupo, a uma determinada classe da nossa experiência. O mundo da experiência deve ser sumamente simplificado e generalizado para que seja possível simbolizá-lo. Só assim se torna possível a comunicação, uma vez que a experiência indivisa vive numa consciência indivisa e, em termos rigorosos, é incomunicável. Para tornar-se comunicável ela deve ser inserida numa determinada classe que, por tácito, a sociedade considera como unidade.” A linguagem é um dos elos fundamentais para o ensino, porque é através dela que se dão as relações humanas. No entanto, além da linguagem deve-se levar em conta o ambiente social no qual a escola e os alunos estão inseridos assim como a carga de capital cultural que cada um acumulou durante experiências vivenciadas ou relatos. Segundo Carvalho (2013), os alunos carregam conceitos espontâneos que em diversas ocasiões carregam conceitos científicos com a linguagem do cotidiano para compreender melhor o que o professor está ensinando. O ato de contextualizar um conteúdo aproxima o aluno da disciplina tornando a aprendizagem mais significativa. Diversos pesquisadores da educação relatam que a contextualização é uma forma de possibilitar a educação senso-crítica proposta pelos PCN e facilitar a aprendizagem dos conteúdos (SILVA, 2007). Toda metodologia ou viés a ser utilizado em sala de aula deve ser estudado pelo professor da disciplina para que não fique falha a tentativa de facilitar a aprendizagem. É necessário investigar a turma, conforme Wartha e colaboradores (2013), para que a contextualização, ao utilizar fatos do dia a dia no ensino de conteúdos científicos, não seja vista meramente como uma exemplificação dos conhecimentos químicos. Muitos docentes têm a ideia que a aprendizagem acontece em torno de conceitos e ideias que se articulam com diversos outros conteúdos, então, faz-se necessário que ponto inicial seja um fato ou uma experiência do dia a dia do discente (GOMES; MACEDO, 2007). Nesta perspectiva, se torna importante que o discente, durante a sua aula ou qualquer outra atividade estudantil, tenha um linguajar próximo ao do aluno, uma vez que sua alfabetização científica está em construção, para que gradativamente consiga transmutar da linguagem informal para a linguagem científica. Além disso, a ação de examinar e avaliar a aprendizagem tem definições diferentes. Segundo Luckesi (2005), examinar a aprendizagem implica em classificar o aluno quanto às respostas corretas, ou seja, apenas leva em consideração o que o mesmo conseguiu aprender. Avaliar a aprendizagem é localizar a deficiência nesse processo, gerar uma intervenção e reavaliar esse procedimento a fim de facilitar a aprendizagem. Portanto, avaliar a aprendizagem tem grande importância, porque o professor melhora a sua práxis docente assim como minimiza as dificuldades no processo ensino/aprendizagem, proporcionando um ensino mais significativo, uma melhor compreensão dos conteúdos por parte do aluno e melhores resultados. Com base nesses ancores, a aplicação desta pesquisa visou diagnosticar, junto aos alunos, as dificuldades no processo de aprendizagem da disciplina química e verificar através dos exercícios se, de fato, são os cálculos matemáticos que dificultam a aprendizagem dos alunos no ensino de Química ou é a carência de interpretação de problemas químicos.

Material e métodos

A metodologia utilizada teve caráter quantitativo, levando em consideração a objetividade e tendo seus resultados dimensionados por meio da análise dos dados e utilizando ferramentas estatísticas. As etapas desenvolvidas em sala de aula foram dirigidas pelo conceito de intervenção didática que possui, primeiramente, a vantagem de se orientar na ação do professor como mediador, com relações interativas (LENOIR; PEIXOTO; ARAÚJO, 2011). Todas as atividades fizeram parte da estratégia de avaliação da aprendizagem, já que um dos objetivos era avaliar como a deficiência de conexão interdisciplinar entre a Química e a Matemática influência no processo de ensino-aprendizagem de conteúdos químicos. Como forma de avaliação da aprendizagem, o professor de química, regente das turmas envolvidas, propôs dois exercícios para serem aplicados em dois momentos distintos. Os conceitos necessários para a compreensão e resolução dos exercícios já haviam sido ministrados às turmas. As atividades planejadas foram desenvolvidas em uma escola pública estadual, de formação de professores, localizada na Baixada Fluminense, no Estado de Rio de Janeiro. As identidades dos alunos, do professor e da escola foram preservadas, e em nenhum momento será apresentada qualquer informação que os exponha e/ou os comprometa. O conjunto de dados para análise foi obtido através das respostas dadas pelo total de 55 alunos das turmas do 2º ano do ensino médio, codificadas como: TA e TB. No primeiro momento foi aplicada uma lista de exercício contendo duas questões, sendo uma de matemática e outra de química, que envolvia cálculos matemáticos. Após a aplicação dos exercícios, as folhas de respostas foram recolhidas e uma intervenção didática foi realizada pelo professor, que revisou brevemente os conceitos envolvidos com o objetivo de sanar dúvidas apresentadas pelos alunos e relembrar o cálculo de massa molecular, assim como, a correta resolução da expressão matemática envolvida no mesmo. No segundo momento, que ocorreu após a intervenção didática, foi aplicada mais uma lista de exercício com duas questões nos mesmos moldes das anteriores. Além disso, a realização desta pesquisa visou diagnosticar, junto aos alunos, as dificuldades no processo de aprendizagem da química e verificar através dos exercícios se, de fato, são os cálculos matemáticos que dificultam a aprendizagem dos alunos no ensino de Química, ou é a carência de interpretação de problemas químicos. Os dados obtidos na realização das atividades foram separados de acordo com o momento em que foram aplicadas. Como proposto pelo professor, os exercícios eram constituídos de uma expressão matemática e o cálculo de massa molecular de um composto de coordenação (complexo), onde os alunos teriam um tempo máximo de dez minutos para a resolução dos mesmos. Esse tipo de exercícios envolvendo complexos não foi aplicado na turma anteriormente, em contrapartida, o conceito teórico para a resolução do exercício já era conhecido pela turma.

Resultado e discussão

O gráfico da Figura 1 expõe o percentual de alunos que conseguiram responder ao menos uma questão da lista no tempo estimado de 10 minutos. Verifica-se que apenas 01 aluno conseguiu resolver ambas as questões e que, metade do total, 08 alunos conseguiram acertar apenas a pergunta que envolvia a matemática. Isso pode indicar que esses alunos possuem dificuldade com o aprendizado da Química, o que pode ser um reflexo de como o conhecimento da Química tem sido aplicado nas escolas, da metodologia de ensino, do desinteresse do aluno, da carga horária disponível para a matéria de Química, dentre outros. Em contrapartida, na questão que envolvia apenas cálculo matemático, houve um desempenho satisfatório. Os dados indicaram que a intervenção didática proporcionou um resultado aceitável com relação à questão que envolvia química, pois 14 alunos acertaram a questão, que inicialmente nenhum aluno conseguiu acertar. No decorrer da aplicação dos exercícios foi possível notar que os alunos, de ambas as turmas, estavam empenhados em realizar as questões, com grande preocupação em acertar as respostas, visto que solicitaram o uso de calculadoras (o que não foi permitido, pois havia o objetivo de avaliar também o desempenho na prática das operações matemáticas). Vale ressaltar que durante a intervenção do professor, os alunos de ambas as turmas, foram bem atenciosos às explicações e faziam questionamentos a fim de elucidar suas dúvidas e respondiam as perguntas do professor, notou-se que há uma boa relação aluno/professor. Ainda durante a intervenção, foi possível observar que alguns alunos tinham dúvidas na interpretação do problema químico, questionando o professor quanto às operações matemáticas que deveriam realizar, se soma ou multiplicação. A fórmula do complexo, [Co(NH3)6]Cl3, contribuiu para essas confusões, por apresentar letras e símbolos. Ao realizarem o cálculo do número de massa atômica os alunos adotaram a forma de [59(14x3)6]106, onde foi possível diagnosticar que ocorria a confusão de operações de multiplicação e da soma (Figura 2).Os alunos da TB, que conseguiram responder, tiveram uma maior dificuldade na resolução do problema químico, visto que não houve nenhum acerto, no primeiro momento, para a questão que envolvia cálculos matemáticos, mesmo pelos alunos que obtiveram um desempenho satisfatório na questão de matemática. Isso pode demonstrar que havia uma deficiência na interpretação do problema químico, e que, após a intervenção, essa deficiência foi minimizada, ao compararmos o resultado obtido no segundo momento, no qual 14 alunos entregaram um resultado satisfatório. Foi observado ainda, que os alunos da TA, que conseguiram responder, inicialmente também tiveram dificuldades para resolver a questão que envolvia o problema químico, pois apenas 1 aluno acertou a questão de química que envolvia cálculos matemáticos, mesmo aqueles alunos que obtiveram um desempenho satisfatório na questão de matemática, assim como foi na turma B. Isso demonstra que também os alunos da TA demonstram uma deficiência na interpretação do problema químico. A diferença é que, em relação aos alunos da TB, os alunos da TA mesmo após a intervenção, em sua grande maioria (21 alunos), permaneceram sem responder corretamente à questão de química. Isso pode demonstrar que os alunos da TA, melhoraram seu desempenho com relação à questão dos cálculos matemáticos, porém não o suficiente para alavancar o desempenho na questão de química, provavelmente pelo fato de que a interpretação do problema químico possa ser uma deficiência capaz de influenciar no resultado desta questão. Levando em consideração que o professor regente é o mesmo em ambas as turmas, este fator não pode ser considerado como interferente nos resultados obtidos. Ao se investigar as turmas separadamente, nota-se que as deficiências detectadas foram às mesmas em ambas as turmas, no entanto a abordagem foi realizada de maneira distinta, respeitando o perfil de cada uma. Outro fato que merece destaque é o equívoco que muitos professores cometem quando elaboram instrumentos para examinar a aprendizagem dos seus alunos no intuito de extrair um diagnóstico e elaborar uma intervenção pedagógica. O que ocorre é que alguns no intuito de obter um resultado mais “efetivo” acabam elaborando questões que são verdadeiras armadilhas. Segundo Luckesi (2005), um teste, um questionário, ou qualquer instrumento avaliativo devem ser focados no essencial ensinado e que deveria ser aprendido, ou seja, tudo o que é essencial deve ser investigado e não mais além do que isso. Além disso, todos os pontos essenciais devem estar cobertos pelos instrumentos avaliativos, tendo presente informações, habilidades, procedimentos e valores componentes da conduta em construção. É assim que deve agir um investigador cuja intenção é construir um diagnóstico e a partir daí realizar uma ação eficaz sobre aquilo que se pretende melhorar. No instante em que o professor regente participante desta pesquisa, ainda que com boas intenções, julgou elaborar questões mais difíceis do que já havia aplicado a seus alunos, mesmo que o conceito teórico para a resolução do exercício já era conhecido pelos discentes, todavia não seria necessário levando em consideração que o essencial, era obter o diagnóstico daquilo que realmente é aplicado a esses alunos no cotidiano escolar. Dessa forma o professor poderia obter um melhor diagnóstico que conseqüentemente possibilitaria uma melhor intervenção e resultados mais significativos.

FIGURA 1

COMPARATIVO DE ACERTOS ENTRE AS TURMAS A E B.

FIGURA 2

ERROS PRESENTES NAS RESPOSTAS DOS ALUNOS.

Conclusões

Neste trabalho foi observado que os alunos das duas turmas envolvidas apresentaram dificuldades na aprendizagem de conceitos químicos, principalmente na interpretação das questões que envolvem cálculos matemáticos. A dificuldade na resolução de problemas químicos que necessitam de compreensão da matemática, especificamente o cálculo da massa molecular, usado nesta pesquisa, pode ter sido acentuada em função da utilização de fórmulas moleculares de complexos. Estas fórmulas possuem letras dentro e fora de colchetes e parênteses, que ao serem substituídas pelo número de massa atômica para a realização do cálculo matemático, causou certa confusão no uso correto das operações matemáticas da multiplicação e soma. Os resultados aqui apontados nos levam a crer que a dificuldade da aprendizagem no ensino de química, é dada principalmente pela interpretação incorreta do problema químico, quando este envolve expressões matemáticas, visto que mesmo após a melhora do desempenho com relação às questões que envolvia apenas cálculo matemático, não foi suficiente para trazer um melhor resultado, principalmente para a turma A. A contextualização se faz importante porque o aluno associa o seu cotidiano com o conteúdo, tornando-se mais claro o seu aprendizado. O professor que avalia a aprendizagem melhora a sua prática docente, facilitando o ensino e proporcionando uma melhor compreensão dos conteúdos.

Agradecimentos

Referências

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