ISBN 978-85-85905-19-4
Área
Ambiental
Autores
Neves Leite, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Santos, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ)
Resumo
Esta pesquisa buscou identificar quais são as dificuldades enfrentadas pelos professores na inserção da Educação Ambiental (EA) em sua prática. A primeira etapa da pesquisa constou da realização de um questionário com 12 professores de diferentes disciplinas, sobre sua formação inicial e continuada, suas concepções sobre temas ambientais e sua prática pedagógica. A partir dos resultados do questionário, foi realizada a segunda etapa da pesquisa que constou da elaboração de um material em formato PDF para auxiliar os professores no desafio da EA. Verificou-se que as ações no campo da EA são fragilizadas, reforçando a necessidade de refletir sobre a formação inicial e continuada dos professores, visto que a ausência da abordagem ambiental em sua formação reflete na sua prática pedagógica.
Palavras chaves
Educação Ambiental; Professores; Prática Pedagógica
Introdução
O século XXI iniciou-se em meio a uma emergência socioambiental que poderá ser agravada caso a humanidade mantenha suas tendências atuais de degradação enraizadas na cultura, nos valores e nos estilos de pensamento. Uma emergência que perpassa aspectos ecológicos e configura-se um aspecto social, uma crise do ser humano no mundo, uma vez que ao degradar a natureza, o homem também degrada a sua qualidade de vida. “O homem vem tratando o meio ambiente como se ele não participasse enraizadamente desse imenso sistema” (FERREIRA, 2010). A Educação Ambiental (EA) surgiu como um dos instrumentos a serem utilizados para alcançar os objetivos firmados entre os países que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir dos resultados de diversos encontros realizados para discutir questões ambientais (PEDRINI, SAITO, 2014). Em 1997, o Ministério da Educação (MEC) publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) como resultado das discussões sobre reformas curriculares. Segundo os PCN’s, o meio ambiente deve ser trabalhado no ensino fundamental e médio de forma transversal. A Política Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei n° 9.795 de 27 de abril de 1999, dispõe que a Educação Ambiental (EA) “visa à construção e ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores sociais”. Sendo assim, é uma poderosa ferramenta paramitigar a problemática ambiental. É necessária para formar cidadãos capazes de refletir criticamente visando desenvolver ações sociais corretivas e transformadoras (PELICIONI; JUNIOR, 2014; RODRIGUES, 2013). Existem várias definições acerca de EA, mas pode-se dizer que ela é caracterizada por sua “abordagem integradora e inter-relacionada das questões ambientais e humanas” (FERREIRA, 2010). Está fundamentada em uma prática interdisciplinar, uma vez que o indivíduo precisa desenvolver uma compreensão globalizada do ambiente para ser capaz de trabalhar a interação equilibrada entre homem e natureza. A escola é fundamental nessa perspectiva, pois é um espaço de socialização que pode motivar os alunos a buscar valores que conduzam a uma relação harmoniosa com o meio ambiente de maneira crítica e responsável. “Uma estreita relação entre a escola e o contexto social é imprescindível no desenvolvimento de ações que possibilitem a conscientização ecológica” (COIMBRA, 2010). Porém, nota-se que um grande número de escolas não trabalha EA, e muitas das que afirmam trabalhar não o fazem de modo permanente, mas por meio de atividades pontuais. E quanto aos professores, será que eles inserem a EA em sua prática pedagógica? O contato direto com os alunos, permite aos professores analisar a especialidade de cada aluno, ajudando-os a compreender a realidade. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), os professores encontram orientações para desenvolver com seus alunos a capacidade da observação e compreensão da realidade de modo integrado.Porém, a prática da EA configura-se um desafio para muitos professores devido diversos fatores, desde sua formação inicial até sua atual atividade profissional. O que se observa, são professores desmotivados, acomodados devido fatores como desvalorização do seu trabalho, condições de trabalho que impossibilitam o ensino de melhor qualidade e o modelo de escola que os condiciona apenas a cumprir conteúdos (FERREIRA, 2010). Freire (1974) destaca dois tipos de educação: a educação bancária e a educação libertadora. A educação bancária é desenvolvida por meio do depósito de conteúdos, tendo o professor como superior ao aluno. “Que o educador é o que fala; o educando o que escuta; que o educador escolhe o conteúdo do programa; o educando o recebe na forma de depósito” (FREIRE, 1974). Já a educação libertadora, é aquela que valoriza e estimula o potencial que todo ser humano tem de criar, transformando as pessoas e o mundo. “Uma educação que levasse o homem [e a mulher] a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço” (FREIRE, 1982). É urgente a necessidade de desenvolver uma nova postura e os educadores exercem um papel fundamental nessa perspectiva, pois possuem a oportunidade de trabalhar diariamente temas ambientais com seus alunos por meio de diferentes tipos de atividades. Para isso os professores precisam estar dispostos e preparados para relacionar sua disciplina com temas ambientais. Esta pesquisa buscou investigar as dificuldades enfrentadas pelos professores em sua prática pedagógica no âmbito da EA, e a partir dos resultados dessa investigação, propor um material que auxilie os educadores nessa importante missão.
Material e métodos
Foi realizado o levantamento bibliográfico sobre o tema por meio de artigos, dissertações, publicações em revistas e livros sobre educação ambiental, formação de professores e ensino de Química. Participaram da pesquisa 12 professores de diferentes disciplinas, idades e tempo de magistério, de escolas públicas e privadas, que foram selecionados de acordo com a sua disponibilidade em participar da pesquisa, com isso participaram professores das cidades de Belém, Tucuruí e Canaã dos Carajás, ambas localizadas no Estado do Pará. Foi desenvolvido um questionário com perguntas objetivas e subjetivas sobre a formação, a prática pedagógica e as concepções dos professores sobre temas ambientais. Foi realizada a análise quali-quantitativa dos resultados obtidos por meio dos questionários. A partir dos resultados, foi elaborado um material em formato PDF para auxiliar os professores no desafio da EA. A princípio, o material foi direcionado a professores de Química, devido à familiaridade do pesquisador com a disciplina. O material aborda temas ambientais relevantes indicando quais assuntos de Química podem ser trabalhados sob cada tema. Também apresenta sugestões de sites e livros para o planejamento das aulas, além de temas que podem ser trabalhados com professores de outras disciplinas. Posteriormente, o material foi avaliado por professores de Química.
Resultado e discussão
A primeira etapa do questionário constou da caracterização dos professores
participantes, os quais foram identificados por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8,
P9, P10, P11, P12. Foi possível observar que os mesmos apresentavam idades entre
25 e 54 anos, sendo que a maioria apresenta pouco tempo de magistério. E dos 12
professores, 8 trabalham em escola pública. Nessa etapa, foi importante destacar
o grau de formação dos professores, conforme o gráfico 1, onde verificou-se que
6 dos 12 professores participantes da pesquisa apresentam algum tipo de formação
continuada, e 2 estão atualmente em algum curso de pós-graduação. Esse aspecto é
importante visto que o professor é um eterno estudante, e a formação continuada
lhe proporciona uma construção permanente do conhecimento e com isso, o seu
crescimento profissional. Segundo Freire (2005) “na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática” (FREIRE, 2005). A formação continuada dos professores é
determinada pela Constituição Federal e regulamentada pela LDB nº 9394/96.
Porém, o dinheiro gasto com formação de professores é visto como despesa e não
como investimento. A prática docente deve ser vista como um processo contínuo
(FERREIRA, 2010). Verificou-se também que quando questionados se haviam
participado de algum tipo de formação continuada na área ambiental, apenas 3
professores responderam sim, sendo um de Geografia, um de História e um de
Artes. O questionário também chamou a atenção para a formação inicial dos
professores ao questionar se durante essa fase houve algum momento de
contemplação no âmbito da Educação Ambiental. Observou-se que 6 dos professores
participantes teve algum tipo de contado com EA durante sua formação inicial
(gráfico 2). Mas quando questionados se esse momento foi suficiente para
desenvolver trabalhos na escola voltados para questões ambientais, apenas 2
desses responderam sim. Aqueles que não consideraram esse momento satisfatório,
alegaram que o tema foi abordado de maneira superficial e sem motivação dos
professores universitários. Essa realidade é preocupante, uma vez que a
universidade deve despertar no seu aluno o interesse pela temática ambiental a
partir da sua realidade, com o objetivo de formar pessoas ambientalmente
responsáveis. “A universidade tem o papel de promover a pesquisa, a extensão e
consultoria, sendo responsável pela formação do cidadão profissional” (NUNES,
2009; SILVEIRA, 1997). O processo de reforma educativa deve ter como base a
formação do educador, na qual ele “deve encontrar pelo caminho um conjunto de
atividades relacionadas ao seu campo de atuação” (FERREIRA, 2010). Não trabalhar
temas ambientais durante a formação, contribui para a não realização da EA
durante a prática educativa. Esse aspecto foi observado quando os professores
foram questionados se desenvolvem algum projeto em suas aulas, que contemple a
Educação Ambiental. Notou-se que a maioria dos professores participantes não
desenvolve atividades de EA em sala de aula (gráfico 3). Metade dos professores
que declararam não trabalhar EA,alegou falta de tempo, que é uma reclamação
recorrente entre os professores devido a obrigação de cumprir conteúdos e
preparar os alunos para as provas de vestibulares. Os professores também foram
questionados sobre se a escola na qual trabalham contribui para o
desenvolvimento da EA e se proporciona formação continuada em EA. Os resultados
mostraram que dos 8 professores que declararam não trabalhar EA, 5 contam com o
apoio do colégio e apenas 1 recebe formação continuada em EA na escola. E ainda
metade desses professores teve algum contato com a temática durante sua formação
inicial. Vale destacar que dos 4 professores que alegaram trabalhar EA, apenas
um conta com a contribuição da escola e formação continuada na área
ambiental.Por que alguns professores, mesmo tendo contato com EA e apoio, mesmo
que pouco, não se dedicam ao trabalho com temática ambiental? Não há pretensão
ou ainda não perceberam a sua importância? Muitos professores encontram
dificuldades em desenvolver EA. A solução “envolve novos valores e atitudes
pessoais e profissionais, que se chocam com a cultura tradicional das escolas”
(OLIVEIRA, 2006). Segundo Casemiro (2011), a sociedade precisa de professores
reflexivos e que se dediquem em formar cidadão críticos capazes de lidar com as
novas exigências do mundo. “O professor se faz docente pela intuição,
criatividade e improviso. Desse modo, o conhecimento dos professores é gerado a
partir da sua prática no cotidiano da sala de aula” (CAMPOS, 2011).O
distanciamento entre professores e EA também foi percebido a partir das
concepções dos professores participantes sobre a temática ambiental. Os
professores foram questionados se tópicos como Fome, Pobreza, Desnutrição
infantil e Crescimento Populacional são considerados temas ambientais. O gráfico
4 mostra que alguns professores ainda possuem um conhecimento restrito sobre a
temática ambiental, o que contribui para uma visão fragmentada da mesma. Segundo
Guimarães (2007), “essa visão fragmentária potencializa uma forte tendência ao
desenvolvimento, nas escolas, de ações isoladas, voltadas para o comportamento
de cada indivíduo (aluno), descontextualizadas da realidade socioambiental”
(GUIMARÃES, 2007). Os professores ainda tiveram a oportunidade de destacar os
aspectos que dificultam o trabalho com EA na escola, e verificou-se que os
aspectos mais citados foram “precariedade de recursos materiais”, “falta de
interação entre professores e direção” e “falta de recursos humanos
qualificados”. Mas, o aspecto que foi citado por todos os professores
participantes da pesquisa foi “falta de tempo para planejamento e realização de
atividades extracurriculares”. Mais uma vez, os professores destacaram a falta
de tempo com um aspecto negativo em sua prática pedagógica (gráfico 5).A segunda
etapa da pesquisa se refere a elaboração e avaliação do material de auxílio aos
professores. De posse do material, três professores de Química o avaliaram
considerando aspectos como estrutura do material, clareza e acessibilidade, os
quais receberam respostas positivas. Os professores foram questionados se havia
algum aspecto no material para o qual ainda não haviam atentado, e dois
professores declararam uma certa surpresa ao ver a variedade de temas que podem
ser abordados em sala de aula. Quando questionados quanto a utilidade do
material, cujo objetivo é facilitar o trabalho do professor com EA, obtiveram-se
as seguintes respostas: “O material está bem organizado por conteúdo, logo fica
mais fácil para mim como professora pesquisar o assunto que estou lecionando no
momento e ao lado saber que temas eu posso abordar em sala de aula, que estejam
relacionados ao conteúdo e ao meio ambiente”; “Esse material otimiza o trabalho
do professor, direciona a busca por informações sobre a questão do meio ambiente
a ser abordado com os alunos”; “A facilidade de encontrar os temas, através das
sugestões apresentadas”.
Gráfico 5: Dificuldades encontradas na escola
Conclusões
A temática ambiental vem ganhando força e necessita de profissionais dispostos e qualificados para agir em seu favor. A pesquisa mostrou a necessidade de refletir sobre a formação inicial e continuada dos professores, visto que a ausência da abordagem ambiental em sua formação reflete na sua prática atual. O professor é um agente de mudanças, e a formação continuada lhe permite desenvolver novas habilidades. A pesquisa mostrou que a formação do educador é a base para reformas educativas. Um dos fatores mais citados como barreira para EA foi a falta de tempo por parte dos professores para se dedicarem a trabalhos que abordem temas ambientais, reforçando mais uma vez a necessidade de mudanças no sistema de ensino baseado no “depósito de conteúdos” (FREIRE, 1974). Esse sistema obriga os educadores a trabalhar, quando trabalham, EA de forma fragmentada, se limitando a datas comemorativas e trabalhos sobre reciclagem. A EA não pode ficar restrita a aspectos ecológicos, pois também é um trabalho social, político e econômico. Os fatores identificados nos questionários como ausência da temática ambiental na formação inicial e continuada, estrutura da escola e falta de tempo por parte dos professores mostram que as ações no campo da EA são fragilizadas, o que contribui para uma visão fragmentada da mesma.
Agradecimentos
Aos professores que participaram voluntariamente da pesquisa, e ao professor Lourivaldo Santos (UFPA) pelo apoio dado ao desenvolvimento do trabalho.
Referências
CAMPOS, Casemiro de M. Saberes docentes e autonomia dos professores. 3 ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 2011.
COIMBRA, Audrey de S. Interdisciplinaridade e Educação Ambiental: integrando seus princípios necessários. Universidade Federal de Juiz de Fora. UFJF. 2010 (artigo).
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 13 ed. São Paulo:Paz e Terra, 1982.
FREIRE, Paulo. Uma educação para a liberdade. Porto:Textos Marginais,1974.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. Coleção Leitura.
GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. 3ª edição. Ed. Papirus. Capinas, São Paulo, 2007.
OLIVEIRA, André L. de. Educação Ambiental: concepções e práticas de professores de ciência de ensino fundamental. Universidade Estadual de Maringá. 2006. Dissertação – Mestrado.
NUNES, R. Educação ambiental no ensino universitário: condição de sustentabilidade. Pensar Com – Revista Científica do Curso de Comunicação Social da FIC, Fortaleza – CE, ano II, n.2, 2009.
PELICIONI, Maria C. F.; JUNIOR, Arlindo P. Educação Ambiental e Sustentabilidade. 2 ed. Barueri, SP. Ed. Manole, 2014 (Coleção ambiental, v.14)
RODRIGUES, Leuzilda. Educação ambiental em Canaã dos Carajás: O programa de educação ambiental desenvolvido pela Vale na escola Adelaide Molinarei. 2013. Dissertação. Universidade Federal do Pará, Belém.
SILVEIRA, D.L. Educação Ambiental e conceitos caóticos. In: PEDRINI, A.G. Educação Ambiental: reflexões práticas contemporâneas. Petrópolis, Vozes, 1997.