Avaliação do processo fermentativo natural das sementes de cacau dos municípios de Medicilândia e Tucumã

ISBN 978-85-85905-19-4

Área

Alimentos

Autores

Fernandes Mota Alves, Y. (UFPA) ; Modesto Rodrigues, J.A. (UFPA) ; Lima Silva, C. (UFPA) ; Aquino de Araujo, J. (UFPA) ; Chagas Junior, G.C.A. (UFPA) ; Sylvestre Cunha Ferreira, A. (UFPA) ; Rodrigues Sena, T. (UFPA) ; de Andrade Maia, F. (UFPA) ; Ribeiro Carvalho Silva, L. (UFPA) ; Lopes, A. (UFPA)

Resumo

O estado do Pará apresenta a segunda maior produção de cacau do Brasil sendo que o principal produto de exportação é a semente fermentada e seca para a indústria de chocolate. Logo, o objetivo deste trabalho foi avaliar as condições naturais da fermentação das sementes de cacau em dois municípios paraenses (Medicilândia e Tucumã)através da avaliação da temperatura, pH e acidez titulável durante os 7 dias afim de avaliar o processo natural e verificar a influência desses fatores na qualidade final da semente. A coleta das amostras ocorreu nos meses de junho e julho de 2015 e os dados coletados demonstraram diferenças no aumento da temperatura durante a fermentação nos dois municípios bem como sementes com diferentes valores de acidez ao final do processo.

Palavras chaves

sementes de cacau; fermentação; temperatura

Introdução

A cacauicultura é uma atividade agrícola de grande importância econômica, social e ecológica para as regiões de clima tropical úmido (NIELSEN et al., 2005). Segundo relatório do IBGE de agosto de 2015, a Bahia possui 54,3% da produção total de cacau no Brasil, sendo seguida pelo estado do Pará com 40,8%. Os 10 municípios com as maiores produções de cacau no estado do Pará, verificando-se que a produção é relativamente concentrada na Região de integração do Xingu, com destaque para Medicilândia com sistema orgânico que deteve quase 40% do total estadual, seguida por Uruará (10,89%) e Placas (8,35%). Só esses três municípios registraram 58,64% da população cacaueira paraense. Os principais tipos de cacau encontradas no mundo são conhecidas como: Forastero da região amazônica, mais comum e menos rica em aromas; Criollo, raramente cultivada devido a susceptibilidade a doenças, porém rica em aromas; Trinitario, uma espécie híbrida entre o Forastero e o Criollo, rica e diversa quanto aos aromas, produzida no Equador conhecida pelo seu fino flavour, ou nuances (LUNA, 2002; BECKETT, 2000). Forastero, nativo da bacia Amazônica compreende 95% da produção mundial de cacau e é geralmente referido como “massa de cacau” no comércio. As sementes são planas, adstringentes e na cor roxa devido a presença de antocianinas. São muito produtivos e são considerados moderadamente resistente à pragas e a doenças (KONGOR et al.,2016). Depois de colhido, os frutos são quebrados e abertos e as sementes cobertas de polpa de cacau são retiradas. A partir de então, a polpa começa a ser contaminada por microorganismos presentes no ambiente e assim inicia-se a fermentação (NIELSEN et al.,2013). A polpa inicialmente rica em açúcares e polissacarídeos é fermentada por microorganismos e estes produzem metabólitos e condições que causam a “morte” da semente. A partir de então, várias reações bioquimicas dentro da semente ocorrem, levando a formação dos precurssores do sabor do chocolate (THOMPSON et al.,2013). Esses sabores são totalmente desenvolvidos durante o processamento seguinte de secagem. Segundo Ardhana & Fleet(2003)durante a fermentação, as sucessões microbianas ocorrem com as alterações do microambiente (temperatura, pH e disponibilidade de oxigênio). A temperatura pode ser um indicador muito bom de acompanhamento da fermentação, se o aumento for muito lento ou se não for alcançado uma temperatura suficientemente alta, o produto obtido será constituído de sementes mal fermentadas (ZAMALLOA, 1994). A microflora na fermentação do cacau (leveduras, bactérias lácticas e bactérias acéticas) pode variar de acordo com as condições ambientais, disponibilidade de nutrientes, localização geográfica, dentre outros (CAMU et al., 2007; NIELSEN et al., 2007). A condição do microambiente (pH, Temperatura e disponibilidade de oxigênio)presente na polpa de cacau vai influenciar diretamente no crescimento e sucessão microbiana no processo fermentativo, influenciando na sintese dos precursores dos compostos voláteis do cacau.

Material e métodos

Foi realizado o acompanhamento da fermentação das sementes de cacau nas cidades de Medicilândia e Tucumã/PA,nos meses de junho e julho/2015. Os tempos de fermentação avaliados foram 0, 24, 48, 72, 96, 120, 144 e 168 horas. As amostras foram transportadas sob refrigeração para o Laboratório de Processos Biotecnológicos (LABIOTEC) da UFPA, para análises em triplicata. Foram avaliados parâmetros para temperatura a qual foi aferida por imersão direta na polpa, com um termômetro digital devidamente calibrado. O pH foi determinado através do método 31.1.07 da AOAC (2006), utilizando pHmêtro digital previamente calibrado. Acidez total titulável (ATT) foi determinada através do método 31.06.06 da AOAC (2006), com resultados expressos em mEq NaOH/100 g de cotilédones. Para todos os resultados obtidos nas análises físico-químicas do processo de fermentação foram calculadas média, desvio padrão, coeficiente de variação e teste de médias Tukey com o auxílio do programa Statistica® versão 7.0 (STATSOFT INC., 2004).

Resultado e discussão

Com os resultados expostos na Tabela 1, observa-se uma diferença dos resultados para ambas localidades. Em relação a temperatura atingida durante a fermentação, nota-se o comportamento ascendente em Tucumã, atingindo seu valor máximo nas 72h de fermentação (40,83 ºC) e posterior decréscimo até 30, 57 ºC ao término do processo. Em Medicilândia, todavia, percebe-se um crescimento da temperatura durante todo o processo de fermentação atingindo valores máximos com 168h (49,0 ºC). A elevação da temperatura se dá devido ao processo metabólico desenvolvido pelos microrganismos presentes no processo: leveduras produzem etanol, bactérias láticas e acéticas produzem ácido lático e acético, respectivamente. No tempo 0 horas foi observado o maior valor de pH, esse diferiu estatisticamente dos demais tempos de fermentação. Observou-se um decréscimo nos valores médios de pH até as 48 horas do processo fermentativo das sementes de cacau. Essa redução no pH é caracterizada pela ação das bactérias láticas e acéticas que produzem ácidos orgânicos que permeiam para dentro da semente. Entre o segundo(48 horas) e o quarto (96 horas) dia de fermentaçãoos valores do pH se mantiveram estáveis, não apresentando diferenças significativas. Em relação aos resultados da acidez total titulável , observou-se que com 48 e 96 horas de fermentação as sementes de cacau apresentaram os maiores valores médios, esses não diferiram entre si estatisticamente. Essa elevação da acidez é resultado da atividade metabólica das bactérias acéticas, que transformam o etanol produzido inicialmente pelas leveduras em ácido acético. Recentes estudos como o de Araújo et al., (2014), apontam novos parâmetros para indicar uma fermentação de boa qualidade em sementes de cacau: teor de lipidios, acidez total, fenólicos totais, catequina e epicatequina, ácidos orgânicos e metais pesados). Por este estudo, as amêndoas de Tucumã configuram um produto com baixa acidez e com grandes chances de ser obtido um chocolate com aroma e sabores característicos, uma vez que pH final em torno de 5,0 auxilia a ação de proteases que ajudarão a formar aminoácidos precursores das características ideais de chocolate.

Tabela 1

Resultados de temperatura (ºC), Acidez total titulável mEq NaOH/100 g) e pH em amêndoas fermentadas de cacau em Tucumã (PA) e em Medicilândia (PA)

Conclusões

Os valores encontrados diferem nos municípios estudados mesmo que dentro do mesmo estado e no mesmo período de safra. Tendo como resultado que a temperatura crescente demonstra a presença de uma sucessão microbiológica que reflete a encontrada em outros estudos o que vai influenciar diretamente nos resultados encontrados de pH e acidez.

Agradecimentos

Ao laboratório de PROCESSOS BIOTECNOLOGICOS da UFPA que atende os alunos de graduação, mestrado e doutorado, à CAPES e ao Instituto Tecnológico Vale.

Referências

AFOAKWA, E. O. 2010. Chocolate Science and Technology. Wiley Blackwell Publishers, Oxford, UK, pp 20–22.
AFOAKWA, E. O., PATERSON, A., FOWLER, M., RYAN, A. (2008). Flavor formation and character in cocoa and chocolate: a critical review. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 48, p. 840-857, 2008.
AOAC. Official methods of analysis Washington DC, USA: Association of Official Analytical Chemists, ed. 18, 2005.
ARDHANA, M. M.; FLEET, G. H. The microbial ecology of cocoa bean fermentations in Indonesia. International Journal of Food Microbiology, v. 86, p. 87-99, 2003.
BECKETT, S.T. The Science of Chocolate. Londres: Royal Society of Chemistry Paperbacks, 2000. 175p.
BECKETT, S.T., Industrial Chocolate Manufacture and Use, fourth ed. John Wiley & Sons Ltd.,Chichester.
CAMU, N.; DE WINTER, T.; ADDO, S. K.; TAKRAMA, J. S.; BERNAERT, H., DE VUYST, L. Fermentation of cocoa beans: influence of microbial activities and polyphenol concentrations on the flavor of chocolate. Journal of the Food Science and Agriculture, v. 88, p. 2288-2297, 2008.
CAMU, N.; DE WINTER, T.; VERBRUGGHE, K.; CLEENWERCK, I.; VANDAMME, P.; TAKRAMA, J. S. Dynamics and biodiversity of populations of lactic acid bacteria and acetic acid bacteria involved in the spontaneous heap fermentation of cocoa beans in Ghana. Applied and Environmental Microbiology, v. 73, p.1809-1824, 2007.
CHEN J, ET AL. (2001) Purification and characterization of the 1.0 MDa CCR4-NOT complex identifies two novel components of the complex. J Mol Biol 314(4):683-94
COCOLIN L, BISSON LF & MILLS DA. (2000) Direct profiling of the yeast dynamics in wine fermentations. FEMS Microbiol Lett 189: 81–87.
DANIEL, H. M.; VRANCKEN, G.; TAKRAMA, J. F.; CAMU, N.; DE VOS, P.; DE VUYST, L. Yeast diversity of Ghanaian cocoa bean heap fermentations. FEMS Yeast Research, v. 9, p. 774-783, 2009.
DE VUYST, L.; CAMU, N.; DE WINTER, T.; VANDEMEULEBROECKE, K.; DE PERRE, V.V., VANCANNEYT, M., DE VOS, P., CLEENWERCK, I. Validation of the (GTG) 5-rep-PCR fingerprinting technique for rapid classification and identication of acetic acid bacteria, with a focus on isolates from Ghanaian fermented cocoa beans. International Journal of Food Microbiology, n.125, p.457-464, 2008.
DE VUYST, L.;LEFEBER,T; PAPALEXANDRATOU,Z; CAMU,N. The Functional role of lactic acid bacteria in cocoa bean fermentatio. In: MOZZI, F.; RAYA, R.R.; FUJITA K, ET AL. (2001) Cross-genomic analysis of the translational systems of various organisms. J Ind Microbiol Biotechnol 27(3):163-9
Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará Boletim Agropecuário do Estado do Pará 2015. Belém, nº1, julho 2015.
GÁLVEZ, S. L.; LOISEAU, G.; PAREDES, J. L.; BAREL, M.; GUIRAUD, J. Study on the microflora and biochemistry of cocoa fermentation in the Dominican Republic. International Journal of Food Microbiology, v. 114, p.124–130, 2007.
GRIMALDI, J. Les possibilités D`amélioration des techniques D`ecabossage et de fermentation dans le processus artisanal de la préparation du cacao. Café, Cacao, Thé, v.22, p.306-316, 1978.
GULLO, P. GIUDICI. Acetic acid bacteria in traditional balsamic vinegar: Phenotypic traits relevant for starter cultures selection International Journal of Food Microbiology 125 p.46–53, 2008.
HO, V.T.T., ZHAO, J., FLEET, G. (2014). Yeasts are essential for cocoa bean fermentation. International Journal of Food Microbiology, 174, 72-87.
ICCO; THE INTERNATIONAL COCOA ORGANIZATION. Categories of Cocoa Beans. Disponivel em: http://www.icco.org/about-cocoa/growing-cocoa.html .Acesso em: 10 de dez. 2015.
JESPERSEN, L., NIELSEN, D. S., HONHOLT, S., & JAKOBSEN, M. (2005). Occurrence and diversity of yeasts involved in fermentation of West African cocoa beans. FEMS Yeasts Research, 5, 441e453.
NIELSEN, D. S et al. The microbiology of Ghanaian cocoa fermentations analysed using culture-dependent and culture-independent methods, Germany, International Journal of Food Microbiology, n. 114, p. 168-186, 2007.
NIELSEN, D.S., HONHOLT, S., TANO-DEBRAH, K., JESPERSEN, L.,. Yeast populations associated with Ghanaian cocoa fermentations analysed using denaturing gradient gel electrophoresis (DGGE). Yeast 22 (4), p.271–284, 2005.
OWUSU,M; PETERSEN, M.; HEIMDAL, H. Effect of fermentation method, roasting and conching conditions on the aroma volatiles of dark chocolate. Journal of Food Processing and Preservation, Malden, v. 36, p. 446-456, 2012.
PAPALEXANDRATOU, Z., FALONY, G., ROMANENS, E., JIMENEZ, J. C., AMORES, F., DANIEL, H.-M., et al. (2011). Species diversity, community dynamics, and metabolite kinetics of the microbiota associated with traditional Ecuadorian spontaneous cocoa bean fermentations. Applied and Environmental Microbiology, 77, 7698e7714.
PEREIRA, G. V. D., MIGUEL, M., RAMOS, C. L., & SCHWAN, R. F. (2012). Microbiological and physico-chemical characterization of small-scale cocoa fermentations and screening of yeast and bacterial strains to develop a defined starter culture. Applied and Environmental Microbiology, 78, 5395e5405.
SCHWAN RF (1998) Cocoa fermentations conducted with a defined microbial cocktail inoculum. Appl Environ Microbiol 64(4):1477-83
SCHWAN, R. F., & WHEALS, A. E. (2004). The microbiology of cocoa fermentation and its role in chocolate quality. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 44,
SCHWAN, R.F.; WHEALS, A.E. The microbiology of cocoa fermentation and its role in chocolate quality. Critical Reviews Food Science Nutrition, n. 4, p. 205–221, 2004. Science.
Stahl, D.A., and R. Amann. 1991. Development and application of nucleic acid probes. In Nucleic Acid Techniques in Bacterial Systematics. E. Stackebrandt and M. Goodfellow, editors. John Wiley and Sons Ltd., Chichester, UK. 205-248.

Patrocinadores

CAPES CNPQ FAPESPA

Apoio

IF PARÁ UFPA UEPA CRQ 6ª Região INSTITUTO EVANDRO CHAGAS SEBRAE PARÁ MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI

Realização

ABQ ABQ Pará