Prática como componente curricular: formação de professores de química no Estado de Goiás.

ISBN 978-85-85905-15-6

Área

Ensino de Química

Autores

Almeida, S. (UFG) ; Oliveira, K.C.M. (UFG) ; Mesquita, N.A.S. (UFG)

Resumo

A Prática como componente curricular (PCC) é uma normativa legal para os cursos de licenciatura desde 2002. Após treze anos da Resolução CNE/CP 2/2002 estabelecer 400 horas de prática como componente curricular, ainda hoje muitas indagações surgem a cerca do assunto. Assim buscamos compreender qual a concepção de PCC, através dos projetos pedagógicos de curso (PPC) de cursos de formação de professores de Química no Estado de Goiás. A análise documental dos PCC, nos revelam uma polissemia do termo PCC e bem como uma variedade de interpretações deste, uma vez que os direcionamentos legais não são claros em termos de definição das horas de PCC.

Palavras chaves

Prática ; Componente curricular; Formação de professores

Introdução

A Prática como Componente Curricular (PCC) foi estabelecida legalmente a partir da Resolução CNE/CP 2/2002. O documento do Conselho Nacional de Educação resolve que: Art. 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns: I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; Considerando a carga horária de 400 horas (h) destinadas às PCC que ocupam quase 15% da carga horária total das licenciaturas, surgem alguns questionamentos: O que é exatamente PCC? Qual deve ser a função das PCC na licenciatura? Para possíveis esclarecimentos é possível recorrer a outros documentos do CNE, inclusive o Parecer CNE/CP 28/2001 que fundamenta a Resolução CNE/CP 2/2002. E também o Art. 12 da Resolução CNE/CP 1/2002. O Parecer CNE/CP 28/2001 retoma a questão das 300 (trezentas) horas de PRÁTICA DE ENSINO, que são exigidas no Art. 65 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e que também estão contempladas, segundo o documento, no Parecer CNE/CP 9/2001 e respectiva Resolução. Ainda sobre a Prática de Ensino, o documento esclarece que “ percebe-se que este mínimo estabelecido em lei não será suficiente para dar conta de todas estas exigências em especial a associação entre teoria e prática tal como posto no Art. 61 da LDB” (pág. 8). Fica claro no documento que a intenção de se ampliar as horas de PRÁTICA tem como justificativa a ampliação da relação teoria e prática. Buscando compreender melhor o que pretende as PCC, retomamos o Parecer CNE/CP 28/2001, que distingue a PCC da prática de ensino, e esclarece ainda que: A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo no âmbito do ensino. [...] ela deve ser planejada quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao longo de todo o seu processo. (pág. 9) grifo do autor Diante dos trechos transcritos do Parecer que trata das PCC, nos deparamos com mais dúvidas do que esclarecimentos. Na literatura é possível encontrar autores (FERNANDES, 2004; REAL, 2012 e PEREIRA, 2011) que consideram os documentos relativos à PCC ambíguos e pouco claros. Contudo, há treze anos a normativa legal existe, mesmo com tantas indagações a seu respeito. O único documento do CNE posterior a Resolução CNE/CP 2/2002, é o Parecer CNE/CES 15/2005 que é uma solicitação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia de esclarecimentos a cerca da PCC. O Parecer contém cinco questionamentos (perguntas) relacionados à PCC. Evidenciaremos aqui a pergunta de número quatro: “Qual a compreensão desse Conselho com relação à distinção entre prática como componente curricular e prática de ensino?”. Ao responder a esse questionamento o Parecer dá maiores informações de como deve ser a implementação das PCC nos cursos de formação, algo até então inédito nos demais documentos normativos acima citados. São dadas informações de como devem ser as atividades para que se caracterizem como PCC. O documento determina que as PCC podem estar incluídas em disciplinas já existentes do curso de licenciatura, porém restringe essa inclusão, estabelecendo que sejam apenas nas disciplinas relacionadas à formação pedagógica, e não nas disciplinas que tratam do conhecimento específico do conteúdo, no nosso caso, não poderiam ser aplicadas nas disciplinas específicas de química. Diante do exposto, fica claro que a discussão a cerca da PCC é de extrema relevância no meio acadêmico, no tocante a formação de professores. Compreender o que são as PCC e ainda mais como as 400 horas estabelecidas por lei devem ser alocadas nos cursos de formação de professores é de extrema importância. O objetivo dessa pesquisa é buscar compreender qual a concepção de PCC, presente em projetos pedagógicos de cursos (PPC) de formação de professores de Química no Estado de Goiás. Como já mencionado acima, o direcionamento legal relativo às PCC é pouco específicos e, portanto geraram e ainda geram muitas dúvidas nos gestores e professores que precisaram inserir às 400 horas determinadas por lei, nos PPC. Acreditamos que ao buscarmos nos PPC as concepções de PCC será possível ter uma visão mais ampla de como a carga horária destinada às mesmas estão sendo aproveitadas para a formação do docente em química no Estado de Goiás.

Material e métodos

A pesquisa de cunho qualitativo, utiliza a análise textual discursiva (Moraes e Galiazzi, 2007), que consiste em fazer uma desmontagem dos textos (processo de unitarização), estabelecer relações (processo de categorização), captar o novo emergente (processo de construção/reconstrução do metatexto) para enfim chegar ao processo de auto-organização. Para a realização da pesquisa foi feita uma busca dos dezoito cursos de química do Estado de Goiás. Após essa coleta, iniciou-se uma vasta revisão bibliográfica acerca dos PPC que nos permitiu ter embasamento teórico suficiente para a unitarização dos PPC. No processo de unitarizar, surgem duas categorias de análise, aqui será abordada apenas uma. Apresentaremos apenas o resultado de análise de oito dos dezoito projetos unitarizados. De posse dessa análise é possível construir esse texto que chamamos de novo emergente. Temos como categoria emergente desse processo aquela que aqui chamamos de “Polissemia do termo: concepções sobre a prática como componente curricular”. Que trata justamente das diversas interpretações da normativa legal sobre as 400 horas de PCC, que são traduzidas no currículo escrito dos cursos de formação de professores de química, os PPC. O corpus do trabalho, portanto são os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) dos dezoito cursos de licenciatura oferecidos no Estado de Goiás, sendo quinze ofertados em instituições de ensino superior públicas e três em instituições de ensino superior particulares. No entanto, para o recorte do presente trabalho, são apresentados resultados referentes à análise de oito PPC de cursos de Licenciatura em Química em Goiás.

Resultado e discussão

De acordo com a análise textual discursiva, após a unitarização dos PCC e a delimitação da categoria de análise, apresentados o texto emergente com alguns resultados da análise dos mesmos. Cada documento apresenta uma particularidade por isso optamos por apresentar os resultados de cada documento separadamente. PPC 1: Concebe a PCC articulada e norteada pelos princípios da “relação teoria prática, ensino-pesquisa e extensão, conteúdo-forma, numa perspectiva de reciprocidade, simultaneidade, e dinamicidade dialética entre esses processos” (p.16). Considera ainda que “a Prática e o Estágio Supervisionado, de forma inter- relacionada, serão responsáveis pela integração, ao longo do curso, dos conteúdos de formação humanística, pedagógica e específica, nas dimensões técnica, política e ética” (p.16). Fica claro no documento que o mesmo segue orientações do Parecer CNE/CP nº 09/2001 e da Resolução CNE/CP nº 02/2002. Nota-se que este PPC se baseia na concepção de que a PCC é uma forma efetiva de possível superação da dicotomia entre teoria e prática. Apoia a ideia de que a PCC, integra o ensino e deve se revestir de um caráter reflexivo, e que a tem “um papel fundamental na formação da identidade do professor como educador, articulando-se às disciplinas pedagógicas e específicas, às Atividades Acadêmico-Científico-Culturais e ao Estágio Supervisionado” (p.17). Infere-se, a partir da análise do PPC1 que nesse texto, há uma impregnação das normativas legais e uma concepção de PCC intimamente pautada na relação teoria e prática. PPC 2: Refere-se as PCC com a denominação “práticas pedagógicas” e que essas permeiam todo o curso, desde o primeiro período. Na matriz curricular o documento utiliza o termo “prática como componente curricular” para especificar as 400 h. Em outra parte o documento utiliza a expressão “prática de ensino” e faz uma transcrição de uma parte do Parecer CNE/CP 009/2001. Em seguida afirma que as PCC são horas de “prática de ensino como componente curricular” (p.27). A nosso ver, o documento não se posiciona em relação a uma concepção própria do que são as PCC, apenas reproduz a ideia dos documentos oficiais. Além disso, parece haver uma confusão em termos da concepção de Prática já que no texto desse PPC a Prática como Componente Curricular é tida como prática de ensino como componente curricular. Essa confusão em relação aos termos pode indicar que o documento não consegue fazer a distinção entre PCC e prática de ensino, apesar do PPC demonstrar estar fundamentando nas normativas legais. Concordamos com Vygotsky (1989) que o significado de uma palavra representa um amálgama estreito entre o pensamento e a linguagem, esse significado é uma generalização ou um conceito (VYGOTSKY, 1989 apud COSTAS E FERREIRA, 2011). Inferimos então que se essa distorção nas palavras podem indicar q também uma distorção do significado das PCC. PPC 3: O tópico “A Prática e o Estágio Supervisionado” é igual ao do PP1. Parte do subtópico “Prática como Componente Curricular: Projetos Investigativos Temáticos e/ou Interdisciplinares e o Trabalho Final de Conclusão de Curso” também é igual ao PPC1. Porém parte desse subtópico difere do PPC1, e afirma que as PCC devem auxiliar a formação do licenciando em Química numa perspectiva de aprimoramento das práticas investigativas, da elaboração e execução de projetos relacionados aos conteúdos curriculares e da proposição e execução de projetos de natureza interdisciplinar. (p.55) Nos dois últimos períodos do curso, o PPC estabelece que a PCC auxiliará na preparação do licenciando para a elaboração e defesa do trabalho final de conclusão de curso. Esse fato ao nosso ver é um indicativo que o aluno está sendo formado pela pesquisa. É possível então inferir que o PPC defende que a prática do futuro professor seja pautada pela pesquisa. E tomando o parecer CNE/CP 28/2001, que afirma que “sendo a prática um trabalho consciente cujas diretrizes se nutrem do parecer 9/2001, a fim de dar conta dos múltiplos modos de ser da atividade acadêmico-científica” (pág. 9), entendemos que as atividades de PCC podem sim ser realizadas em forma de pesquisa, desde que esteja planejada no PPC, como acontece no PPC 3, e concordamos com Galiazzi (2003) que “a pesquisa não é o único caminho para o desenvolvimento profissional, mas é essencial para a construção da competência em qualquer prática profissional”(p.47). PPC 4: O tópico relativo a PCC possui cinco parágrafos idênticos ao PPC1 e um parágrafo idêntico ao PPC3. Dessa forma, nota-se que alguns PPC se estruturam como cópias uns dos outros. Tal perspectiva não é salutar em termos de formação de qualidade considerando-se que os projetos são elaborados para cursos com o mesmo viés profissional, mas em instituições diferentes que devem ter suas próprias características formativas (MESQUITA, 2010). PPC 5: O PPC dessa IES na matriz curricular sinaliza que existem as 400h de PCC no curso, inclusive afirma que em porcentagem da carga horária total do curso que é de 3640h, as 400h perfazem 13,33% do curso, por meio de 6 disciplinas. Porém em nenhuma parte do documento é possível encontrar qual a concepção de PCC do mesmo. PPC 6: No tópico destinado as PCC esclarece que essa devem ser entendidas como uma dimensão do conhecimento em que se trabalha na perspectiva de reflexão da atividade profissional. E tem como finalidade possibilitar o desenvolvimento de um espaço comum entre a química e a educação. O PPC6 é comum ao curso de licenciatura e bacharelado da IES. O documento esclarece que o discente opta pela licenciatura ou bacharelado somente a partir do 3º período do curso. Esse fato nos deixa uma dúvida: “Como a normativa legal que estabelece que as PCC devem ser vivenciadas ao longo de todo o curso está sendo cumprida, se nos dois primeiros períodos o aluno ainda não está na licenciatura?”. É importante salientar que, atualmente, os cursos em instituições que ofertam licenciatura e bacharelado devem ter projetos pedagógicos distintos. PPC 7: Na visão do documento, parte das 400 h de PCC que serão cumpridas através de disciplinas, deverá contribuir para a articulação entre teoria e prática, “por meio do entendimento dos pressupostos do educar pela pesquisa e da importância da pesquisa para a prática docente”. Outra oportunidade de articular os aspectos teóricos aos práticos será durante as atividades das PCC. Atividades essas que devem ser “pensadas no sentido de contribuir para experiências do discente com a prática da docência” (p.9). Em um tópico com o título “Prática como componente curricular” o documento apresenta o que denomina de dilemas sobre a dicotomização entre teoria e prática, inclusive utiliza-se de partes do Parecer CNE/CP 9/2001, que abordam sobre o assunto. Defende que a PCC é uma importante ferramenta para possíveis estratégias amenizadoras do conflito relativo a dicotomia teoria/prática. PPC 8: No subitem “Fundamentação Legal as normativas legais relativas às PCC” afirma que o mesmo se baseia nas normativas legais que se referem as PCC, porém no decorrer do documento não é possível encontrar as concepções reativas as mesmas. Gostaríamos de salientar que o PPC8 é comum ao curso de licenciatura e bacharelado, e como já foi mencionado os cursos em instituições que ofertam licenciatura e bacharelado devem ter projetos pedagógicos distintos. Ao longo do documento encontramos partes que se destinam a apresentar ideias relativas a relação teoria/prática, contudo, a “prática” a que se refere é a prática profissional apenas. Ao tratar do núcleo específico da licenciatura, afirma que um dos aspectos a serem contemplados é o da “prática pedagógica, além de aprofundando em temas importantes da Química e da Educação” (p.18). Porém essa prática pedagógica em nenhum momento do documento está relacionada as PCC.

Conclusões

A análise dos oito PPC nos revela que grande parte deles faz menção às normativas legais relativas às PCC, o que é visto por nós como um ponto positivo. Já que o conhecimento dos direcionamentos legais é fundamental para que as 400 horas de PCC sejam de fato incluídas nos PPC e consequentemente operacionalizadas nos cursos de formação de professores. Outro ponto a ser destacado é que em muitos PPC é possível observar a preocupação com a superação da dicotomia entre teoria e prática, que é um direcionamento encontrado nas normativas legais referentes a PCC para justificar a determinação das 400 horas nas licenciaturas. É recorrente em alguns PPC o aproveitamento de parte das horas de PCC para a realização de trabalhos de pesquisa, demonstrando que o curso de um modo geral preza por um “educar pela pesquisa”. Há ainda PPC que não apresentam no corpo do texto qual a concepção que os mesmos têm de PCC. Alguns por apenas transcreverem parte dos documentos legais sem, no entanto, expressar sua própria ideia de PCC, outros por simplesmente omitirem essas informações. Em alguns casos é notório o que aqui denominamos “polissemia do termo” já que o termo PCC ganha outras denominações e em alguns casos até outros sentidos, o que pode gerar um desalinho em termos de estruturação desse componente curricular já que ele, muitas vezes torna-se inoperante na construção formativa.

Agradecimentos

Referências

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______. Parecer nº 01/2002 CNE/CP, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. . Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 31. Republicada por ter saído com incorreção do original no D.O.U. de 4 de março de 2002. Seção 1, p. 8

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