ISBN 978-85-85905-15-6
Área
Físico-Química
Autores
Cordeiro, H.C. (LQTC-UFPA) ; Oliveira, L.F.S. (LQTC-UFPA) ; Lobato, J.R.B. (LQTC-UFPA) ; Bitencourt, H.R. (LQTC-UFPA) ; Gil, F.S. (LQTC-UFPA) ; Pinheiro, J.C. (LQTC-UFPA)
Resumo
No Brasil a esquistossomose, produzida pelo S. mansoni atinge principalmente as regiões Nordeste e Sudeste. Na atualidade o tratamento da esquistossomose é feito com uso do praziquantel. Neste trabalho a estrutura eletrônica do praziquantel e dois derivados são estudados através do uso do mapa de potencial eletrostático e dos orbitais de fronteira na busca do entendimento das características estruturais necessárias para existência da atividade biológica. O mapa de potencial eletrostático e os orbitais de fronteira sugeriram como compostos ativos e inativos ligam-se eventualmente a um receptor biológico. As características estruturais e as propriedades estudadas poderão ser uteis no planejamento de novos derivados com propriedades biológicas contra S. mansoni.
Palavras chaves
Atividade anti S. mansoni; Mapas de MEP; Orbitais de fronteira
Introdução
A esquistossomose é uma doença tropical negligenciada séria causada pelo trematódeo do gênero Schistosoma. Na atualidade, estima-se que 200 milhões de pessoas estão infectadas e que aproximadamente 800 milhões, principalmente crianças, vivem sob o risco de infecção. Existindo seis espécies infectantes: S. guineenses, S. haematobium, S. intercalatum, S. japonium, S. mansoni e S. mekongi, no qual S. haematobium e S. mansoni são as principais causadoras da doença. A transmissão da infecção começa quando o hospedeiro definitivo faz excreções contendo ovos dos parasitas em água fresca, onde as cercárias (larvas infectantes) alcançam o hospedeiro intermediário, dando início ao ciclo de reprodução dos vermes (WHO, 2015). Os resultados dos danos da esquistossomose são danos progressivos na bexiga, ureteres e rins, resultando no alargamento progressivo do fígado e do baço, ocasionando uma lesão intestinal e hipertensão dos vasos sanguíneos abdominais. No Brasil, a transmissão ocorre em 19 estados, de maneira heterogênea, numa faixa contínua ao longo do litoral, desde o Rio Grande do Norte até a Bahia, na região Nordeste, alcançando o interior do Espírito Santo e Minas Gerais, no Sudeste. Estima-se que a esquistossomose afete aproximadamente 6 milhões de indivíduos da população brasileira, com percentual de positividade situado entre 5,5 a 11,6% (WHO, 2009). O tratamento e controle da esquistossomose são feitos pela droga praziquantel, desenvolvida nos anos setenta. No presente, não existe uma alternativa a esse medicamento com maior eficiência, havendo necessidade do desenvolvimento de novas drogas contra agentes esquistossomicidas. Neste trabalho, são apresentados estudos da estrutura eletrônica do praziquantel (PZ) e dois dos seus derivados (compostos 1 e 2) usando química quântica. Para identificar características estruturais responsáveis pela atividade biológica contra S. mansoni, MEP (Molecular Eloctrostatic Potential) (POLITZER et al., 1985) e orbitais de fronteira (HOMO-1, HOMO, LUMO e LUMO+1) (KARELSON et al, 1996) foram calculados e analisados para os três compostos.
Material e métodos
Os cálculos químicos quânticos foram feitos em um processador AMD PHENOM 955 usando o programa Gaussian 98. O tratamento quimiométrico foi efetuado com o programa Pirouett, os mapas de MEP e orbitais de fronteira foram visualizado com o programa Molekel. Para a identificação do melhor método/conjunto de base, foram comparados valores teóricos obtidos com diferentes métodos e conjuntos de base com dados experimentais da literatura. Inicialmente, o composto análogo ao Praziquantel (Toscano et al., 1991) foi submetida à otimização total com diferentes teorias (métodos da Química Quântica) e conjuntos de funções de base para obtenção da conformação mais estável (menor energia). Com os parâmetros geométricos (comprimento de ligação e ângulo de ligação) teóricos e experimentais foi construída a matriz de dados (71 linhas e 24 colunas) tratada com PCA (Principal Componente Analysis) e HCA (Hierarchical Cluster Analysis) e o método/base (HF/3-21G*) selecionados foram usados nos cálculos das propriedades moleculares dos compostos estudados. Os compostos estudados são reportados na literatura e foram testados em S. mansoni juvenil e adulto. Nos testes foi usada dose única de 400 mg/kg no período de 21 dias para S. mansoni juvenil e 49 dias para S. mansoni adulto. O teste com PZ, usado no tratamento, mostrou redução total = 7% masculino e 18% feminino na fase juvenil do parasita. Na fase adulta o PZ mostrou redução de 96% masculino e 98% feminino. O teste com o compostos 1, mais ativo que PZ, mostrou redução total = 9% masculino e 9% feminino na fase juvenil e 4% feminino e 2% masculino na fase adulta. Por sua vez, o teste com o composto 2, menos ativo, mostrou redução total de 0% nas fases juvenil e adulto para os dois sexos.
Resultado e discussão
a)Seleção do Método e Conjunto de Base para Desenvolvimento dos Cálculos. A aplicação da PCA e da HCA proporcionou a separação dos métodos/conjuntos de bases. A Figura 1a mostra o gráfico dos scores dos componentes principais (PC1xPC2) para a separação do método/conjunto de bases usados no estudo. De acordo com essa figura, a PC1 separa os métodos/conjuntos de bases em duas classes: classe A constituída pelos métodos semi-empíricos, classe B formada por outras aproximações teóricas e os dados experimentais. Obteve-se na separação 100% da informação original, com contribuições de PC1=57,98, PC2=36,28 e PC3=5,74%. Nota-se também na figura que os métodos: HF/3-21G, HF/3-21G*, HF/6-31G, HF/6-31G*, HF/6-31G**, aparecem mais próximos do dado experimental sugerindo a possibilidade do uso de qualquer um deles para o estudo. Na Figura 1b é mostrado o dendrograma obtido pela HCA para os métodos/conjuntos de bases. Nessa figura pode-se notar a formação dois clusters. Cluster A: formado pelos métodos semi-empíricos e cluster B: constituído por outras aproximações e os dados experimentais. De acordo com a HCA, apenas os métodos HF/3-21G e HF/3-21G* tem maior similaridade com o experimental. Devido a melhor descrição dos orbitais para átomos mais pesados quando incluída a função de polarização, selecionou-se o método HF/3-21G* para dar continuidade ao estudo.b)Estrutura Eletrônica dos Compostos Estudados: 1)Análise dos MEPs para PZ. De acordo com a literatura na Fig.2a o anel trans-ciclohexano tem importante papel na atividade anti S. mansoni. A Fig.2b mostra os valores do potencial eletrostático molecular para PZ. Observam-se valores negativos de MEP (-62,72 a -1,83 kcal/mol) em uma região significativa do derivado, com a distribuição da densidade eletrônica de maior concentração (-62,72 kcal/mol) nos átomos O1 e O2. Esta região é suscetível a ataques eletrofílicos por outras moléculas (provável receptor biológico). Ainda de acordo com a Fig.2b, verifica-se a região de valores de MEP positivos (2,84 a 30,84 kcal/mol) evidenciando as regiões de possíveis ataques nucleofílicos por alvo biológico. Da inexistência na literatura de estudo da interação ligante-receptor infere-se a possibilidade de um dos dois tipos de ataques (eletrofílicos e nucleofílicos) nesta molécula por um alvo biológico. Para haver compostos ativos contra S. mansoni as características estruturais do PZ devem ser mantidas. 2) Análise dos Orbitais de Fronteira para o PZ. Na Fig.2c é mostrado o HOMO-1 para o PZ. Nota-se que o orbital encontra-se posicionado sobre os átomos O1 (2 pares de elétrons isolados), N2 (par de elétrons isolado), N5 (par de elétrons isolado), C7, C7a-C8-C9 e C10 –C11 (anel A), com maior densidade eletrônica em decorrência da deslocalização dos elétrons pi. A Fig.2d mostra o HOMO para o PZ. Observa-se que o orbital encontra-se nos átomos O1(2 pares de elétrons isolados), N2 (par de elétrons isolado), N5 (par de elétron isolado), C11b, C7a-C11a e C9-C11, nota-se ainda a região de maior densidade eletrônica no anel A devido a deslocalização dos eletros pi. Na Fig.2e é mostrado o LUMO para o PZ. Verifica-se o posicionamento do orbital LUMO nos átomos C7a-C11a, C8-C11 e C9-C10 do anel A. A Fig.2f mostra o LUMO+1 para PZ. Pode-se notar que o orbital encontra-se sobre os átomos C7a, C9, C10-C11 do anel A, invertendo sua orientação. Para reações entre PZ e um receptor biológico envolvendo transferência de elétrons, com base no potencial eletrostático molecular analisado na Fig.2a, a ocorrência de ataque eletrofílico no orbital de fronteira HOMO-1 ou HOMO, participarão do processo biológico envolvido. Por outro lado se na reação de transferência de elétrons for verificado ataque nucleofílico o orbital LUMO ou LUMO+1 do PZ será aquele envolvido no processo. 3) Análise do MEP para o Derivado 1. A Fig.2g mostra a estrutura molecular 2D do derivado 1 do PZ. Nessa figura observa-se que a molécula resulta da substituição do ciclohexano pelo adamantano na posição C12 do PZ. O teste biológico para essa molécula mostrou que a inclusão do substituinte melhora a atividade biológica relativa ao PZ. Na Fig.2h é mostrado os valores do potencial eletrostático para o Derivado1. Observa-se que os valores negativos de MEP (-60,83 a -0,34 kcal/mol) situam-se em uma região compacta da molécula, caracterizando uma densidade eletrônica mais concentrada nessa região, com menor valor de MEP (-60,83 kcal/mol) nos átomos O1 e O2. Esta região por ter uma densidade eletrônica compacta é mais suscetível a ataques eletrofílicos do que o PZ. Ainda de acordo com a Fig.2h, verifica-se uma região com valores positivos de MEP (4,31 a 32,23 kcal/mol), sendo esta região propícia à ataques nucleofílicos por parte de um receptor. A molécula, assim como no PZ, pode sofrer um dos tipos de ataques (eletrofílico e nucleofílico) por um alvo biológico, sendo importantes suas características estruturais para melhorar significativamente a atividade biológica. 4) Análise dos Orbitais de Fronteira para o Derivado1. Na Fig.2i é mostrado o HOMO-1 para o Derivado1. Pode-se notar que esta figura o orbital HOMO-1 se posiciona principalmente sobre os átomos do anel benzênico precisamente em C7a-C8-C9 e C10-C11-C11a e também nos átomos O1, N5 e C11b em decorrência da deslocalização dos elétrons π. A Fig.2j mostra o HOMO para o Derivado1. É possível notar que o orbital HOMO se posiciona sobre o anel benzênico C7a-C11a e C9-C10 e também sobre os átomos O1 e C7 apresentando uma deslocalização de elétrons π. Na Fig.2l é mostrado o LUMO para o Derivado1. É notado que o orbital LUMO se posiciona mais uma vez sobre os átomos do anel A em C7a-C8, C9, C11a, C10-C11 e C11a e em N5 e C11b. A Fig.2m mostra o LUMO+1 para o Derivado1. Dessa figura observa-se que o orbital se posiciona nos átomos do anel benzênico, concentrando o orbital LUMO em C7a, C9, C10 e C11a e em C7. 5) Análise do MEP para o Derivado2. A Fig.2n mostra a estrutura molecular 2D do Derivado2 do PZ. Observa-se nessa figura a inclusão na posição para do anel trioxano–adamantano do ciclohexano na estrutura molecular. Os testes biológicos realizados para esse composto evidenciaram uma perda de atividade biológica (inativo). A Fig.2o mostra os valores do potencial eletrostático para o Derivado2. Pode ser notado que a inclusão dos substituintes anel trioxano-adamantano produz maior área de distribuição da densidade, com características estruturais do Derivado2 que contribuem para a perda da atividade biológica, se comparado ao PZ. Destacando-se que a região de maior densidade eletrônica encontra-se sobre os átomos de oxigênio da molécula. Também verifica-se que devido à presença de átomos retiradores de elétrons no anel trioxano, há inatividade e uma deslocalização da nuvem eletrônica na direção do substituinte da molécula. Nota-se também, que os valores negativos de MEP (-69,90 a -3,37 kcal/mol) situam-se sobre os átomos O1, O2 e O7. Essa região é passível de ataque eletrofílico por parte de um alvo biológico. Evidencia-se também valores positivos de MEP (2,17 a 40,99 kcal/mol), sendo esta região favorecida à ataques nucleofílicos por parte de um receptor biológico. As características estruturais deste derivado contribuem para a perda de atividade biológica. 6)Análise dos Orbitais de Fronteira para o Derivado2. Na Fig. 2p é mostrado o HOMO-1 para o Derivado2. Pode-se notar que nesta figura o orbital HOMO-1 se posiciona sobre os átomos do anel benzênico, em C7a-C8-C9 e C10-C11-C11a e em O1, N5 e C11b. A Fig 2q mostra o HOMO para o Derivado2. Nesta figura é possível perceber que o orbital HOMO se posiciona sobre o anel A, nos átomos C7a-C11a, C9-C10 e em O1, C7. Na Fig. 2r é mostrado o LUMO para o Derivado2. Nota-se que o orbital LUMO se posiciona sobre os átomos do anel A em C7a-C8, C9 e C10-C11 e também sobre os átomos O1, N5, C11a e C11b. A Fig. 2s mostra o LUMO+1 para o Derivado2. Observa-se que quatro átomos do anel A concentram o orbital LUMO+1em C7a, C8, C10 e C11 e C7, C11a.
Gráfico dos scores para os componentes principais (A) e dendrograma obtidos pelo HCA (B) para a seleção do método/conjunto de base usados no trabalho.
Estrutura 2D (a) (g) (n). MEP (b) (h) (o). HOMO-1 (c) (i) (p). HOMO (d) (j) (q). LUMO (e) (l) (r). LUMO+1 (f) (m) (s), do PZ, 1 e 2 respectivamente.
Conclusões
De acordo com os resultados obtidos infere-se: A análise dos dados quimiométricos, a seleção do método/conjunto de base mostrou HF/3-21G* adequado no desenvolvimento dos cálculos. Na análise do MEP para o PZ mostrou que para se obter compostos ativos anti S. mansoni as características estruturais do PZ devem ser mantidas. Análise dos orbitais de fronteira evidenciou que para reações entre PZ e o receptor biológico, um dos orbitais HOMO-1ou HOMO participarão da reação em um ataque eletrofílico, e poderão participar da reação LUMO ou LUMO+1, em ataque nucleofílico. A análise de MEP para o Derivado1 mostrou uma região de densidade eletrônica compacta, que é mais suscetível a ataques eletrofílicos pelo receptor biológico. As características estruturais do Derivado1, por ser similar ao PZ, contribuem significativamente para melhorar a atividade biológica. Na análise dos orbitais de fronteira para o Derivado 1, mostrou que a densidade eletrônica encontra-se mais concentrada sobre os orbitais HOMO-1, HOMO do que LUMO, LUMO+1, devido a deslocalização de elétrons π. A análise de MEP para o Derivado2 evidenciou que a densidade eletrônica encontra-se em uma região mais ampla da molécula, isso deve a presença de átomos retiradores de elétrons (anel trioxano). Na análise dos orbitais de fronteira para o Derivado2 é mostrado que os orbitais HOMO-1, HOMO, LUMO, LUMO+1 estão concentrados sobre o anel benzênico em decorrência da deslocalização de elétrons. A importância de estudo de MEP evidencia as regiões da molécula onde a nuvem eletrônica encontra-se mais ou menos concentrada, permitindo inferir os tipos de ataques que poderão ocorrer em uma reação entre ligante-receptor. A importância do estudo de orbitais de fronteira é necessário para a visualização das regiões onde os orbitais estarão distribuídos na molécula. As características estruturais e as propriedades estudadas poderão ser uteis no planejamento e síntese de novos derivados com atividades biológicas anti S. mansoni.
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador Dr. José Ciríaco pela oportunidade de trabalho, aos meus colegas no LQTC, em especial Luã Souza pela paciência no desenvolvimento deste trabalh
Referências
WHO, WORLD HEALTH ORGANZATION, 2015.Schistosomiasis: number of people treated worldwide in 2013. v. 5. p. 90. 25-32, 2015 (http://www.who.int/wer); WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION. Epidemiological Profiles of Neglected Diaseases and Other Infections related to Poverty in Latin America and the Caribbean, 2009 (http://www.who.int); POLITZER, Peter; LAURENCE, Patricia R.; JAYASURIYA, Keerthi. Molecular Electrostatic Potentials: Na Effective Tool for the Elucidation of Biochemical Phenomena. Environmental Health Perspectives. v. 61. pp. 191-202, 1985; KARELSON, Mati; LOBANOV, Victor S.; KATRITZKY. Quantum-Chemical Descriptors in QSAR/QSPR Studies. v. 96. p. 1027-1043, 1996.