ISBN 978-85-85905-15-6
Área
Alimentos
Autores
Neves, J.V.G. (UESB) ; Barros, H.E.A. (UESB) ; Silva, M.V. (UESB)
Resumo
O Brasil é um grande produtor de frutas e no processamento destas é gerada uma enorme quantidade de resíduos, que são também fontes ricas de compostos bioativos e nutricionais. Uma forma de reaproveitar todo potencial destes resíduos é através da produção de farinhas. Nas frutas, bem como nos seus resíduos podem existir fatores antinutricionais, que trazem agravos à saúde. Diante disso o presente estudo investigou a presença de ácido oxálico e hemaglutininas em farinhas de resíduos do processamento de morango e cupuaçu, e os resultados evidenciaram que a farinha de resíduos do morango deve ser consumida com ressalva, principalmente por pacientes renais, visto que apresentou teor significativo de oxalato, já quanto à hemaglutinina, em ambas às farinhas não foi detectado este antinutriente.
Palavras chaves
Antinutrientes; Hemaglutinina; Oxalato
Introdução
O Brasil se destaca como um dos maiores produtores de frutas, e em virtude de sua localização geográfica, dispõe de uma grande variedade de frutas tropicais, que podem ser utilizadas na produção de sucos, polpas e outros produtos alimentícios. A China e a Índia, em 2011 ocupavam a primeira e segunda colocação dentre os maiores produtores de frutas no mundo, com 214,678 milhões de toneladas e 87,360 milhões de toneladas, respectivamente. Neste mesmo ano o Brasil obteve produção recorde, com o montante de 44,955 milhões de toneladas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Toda essa grande produção de frutas, vem acompanhado de uma expressiva quantidade de resíduos que são descartados. Estes resíduos, se submetidos a métodos de extração adequados, são uma fonte alternativa para obtenção de compostos bioativos de alto valor agregado, que podem ser utilizados no desenvolvimento de alimentos funcionais ou nutracêuticos, enriquecidos em fibras e com antioxidante naturais. O Brasil figura dentre os países que mais produzem resíduos agroindustriais, e por isso vem sendo observado um aumento de pesquisas que proponham métodos de reaproveitamento dessa matéria orgânica (CATANEO et al, p.96, 2008), agregando valor a este resíduo, que assim como a polpa das frutas, tem em sua composição nutrientes e compostos bioativos em quantidades apreciáveis (MELO et al, p. 849, 2008). O consumo de frutas e hortaliças vem aumentando na sociedade contemporânea, em virtude da preocupação atual com alimentação, que é associada como fator determinante na saúde e qualidade de vida. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é o consumo mínimo diário de 400 gramas de frutas e hortaliças per capita, ou o consumo de pelo menos cinco porções de frutas ao longo do dia (WHO, p. 24, 2003). Uma alimentação saudável e balanceada, está associado à redução do risco de doenças cardiovasculares e da mortalidade geral (BAZZANO, et al, p. 94, 2002). O morango (Fragaria vesca) fruto vermelho não climatério, pertence à família Rosaceae, possui características sensoriais de grande valor na indústria alimentícia brasileira na preparação de iogurtes, geleias, polpas de suco, além de seu consumo in natura. O cupuaçu é fruto típico do norte do Brasil e vem se destacando como um dos frutos regionais amazônicos de intensa divulgação no território brasileiro, com grande potencial para a industrialização (CARVALHO, p. 989, 2008). O cupuaçu pertence à espécie Theobroma grandiflorum, apresenta sabor, aroma agradável e é valorizado por suas possibilidades de utilização doméstica e agroindustrial da sua polpa. A polpa é a parte mais frequentemente usada no preparo caseiro de sucos, sorvetes, tortas, licores, compotas, geleias e biscoitos. Industrialmente é empregada na fabricação de sorvetes, iogurtes e outros produtos lácteos, e compotas. As sementes são utilizadas para extração de gordura mais conhecida como manteiga de cupuaçu. (PARENTE, et.al, 2003). A transformação de produtos de origem vegetal em farinhas agrega valor ao fruto, pois abre um novo mercado ao produto. Esta transformação mantém o valor nutricional, o sabor e o cheiro característico do fruto, além de ser uma forma de prolongar o prazo de validade de consumo dos nutrientes das frutas, já que se acondicionadas adequadamente, as farinhas apresentam uma excelente durabilidade. Os alimentos, que são fonte de substâncias nutritivas necessárias ao organismo, pode conter também uma variedade de fatores antinutricionais. São descritos como “fator antinutricional” os compostos ou classes de compostos presentes em alimentos de origem vegetal, que quando consumidos, tendem a reduzir o valor nutritivo do mesmo, já que podem interferir na digestibilidade, absorção ou utilização de nutrientes do alimento, e se consumidos em concentrações elevadas, acarretam efeitos danosos à saúde (SANTOS, p. 298, 2006), como irritações e lesões da mucosa gastrintestinal (SGARBIERI, p. 79 1987). O oxalato é um composto antinutricional que forma complexos insolúveis com minerais e proteínas na luz intestinal (SANT’ANA et al, p. 216, 2006) (SOUZA et al, p.686, 2006) (GIGANTE et al, p. 365, 2007) (FERREIRA et al., p. 314, 2008). O ácido oxálico pode complexar com o cálcio, tornando-o indisponível, tendo como principais consequências, a hipocalcemia e o raquitismo (GIGANTE, p. 367, 2007). As hemaglutininas, proveniente da alimentação, tende a interagir com a mucosa intestinal, causando inflamação, e por conta dessa lesão e interfi na absorção de nutrientes. Pelo exposto, objetivou-se com o presente estudo investigar a presença de fatores antinutricionais em farinhas de resíduos do processamento de cupuaçu e morango, através de metodologias para determinação de oxalatos e atividades hemaglutinantes.
Material e métodos
O preparo das farinhas de resíduos do processamento de morangos e cupuaçu e as análises de fatores antinutricionais nas mesmas foram realizados no Núcleo de Estudos em Ciência de Alimentos (NECAL) do Departamento de Ciências Exatas e Naturais (DCEN) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Campus de Itapetinga. Os resíduos das frutas foram doados por uma empresa processadora de polpas de frutas congeladas na cidade de Vitoria da Conquista-BA, sendo o cupuaçu proveniente da cidade de Ilhéus-BA e o morango de Vitoria-ES. Os resíduos foram recebidos em três lotes cada, congelados (-18±2ºC), que foram acondicionados em refrigerador à temperatura de 10±2ºC para descongelamento durante 24 horas, após descongelamento foram submetidas ao processo de desidratação em estufa com circulação e renovação de ar, à temperatura de 50±2ºC, até atingir umidade inferior a 10%. Posteriormente, foram colocadas em dessecador por duas horas. As farinhas foram obtidas a partir da trituração dos resíduos desidratados em moinho de facas. Para classificação granulométrica, utilizou-se agitador de peneiras com malha de 80 mesh, com agitação manual para promover a separação e a classificação da farinha. Na determinação do ácido oxálico adotou-se a metodologia proposta por Lourdes e Jokl (p. 59, 1990). O método consiste na extração do ácido oxálico sob aquecimento, em presença do ácido clorídrico, sendo precipitado e quantificado pela titulação com permanganato de potássio. A atividade hemaglutinante foi determinada de acordo com a metodologia proposta por Figueroa e Lajolo (p. 641, 1997), que consisti na extração da hemaglutinina das farinhas em solução de NaCl , agitando-se por três horas, à temperatura ambiente e filtrando-se o extrato. A estimativa da atividade aglutinante foi realizada em placa de microtitulação, adicionando-se suspensão de eritrócitos (sangue humano A-) com o extrato das farinhas, em uma série de diluições, deixando-se em repouso por 1 hora, à temperatura ambiente, com verificação, por meio da leitura visual, da presença ou não de aglutinação de células sanguíneas. Como controle negativo foi utilizado apenas suspensão de eritrócitos, e como controle positivo foi utilizado extrato de feijão preto. Os experimentos foram realizados em triplicata, em três repetições, e os resultados foram submetidos a análises de variância (ANOVA) e o teste de Tukey para identificar diferenças significativas entre as médias.
Resultado e discussão
Na determinação do teor de oxalatos, constatou-se ausência deste composto antinutricional nas farinhas de resíduos de cupuaçu. Na farinha de morango foi detectado valores significativo de ácido oxálico anidro, como pode ser observado na Tabela 01, pelo teste de Tukey, os lotes MO 01 e MO 02, apresentaram um teor mais alto de ácido oxálico, em relação ao lote MO 03.
O oxalato está presente em grande quantidade nos alimentos de origem vegetal (LOPES et al, p. 672, 2009). O efeito tóxico do ácido oxálico no organismo deve-se à formação de oxalato de cálcio na urina e ao aumento do risco de formação de cálculos renais, pois o oxalato de cálcio é pouco solúvel na urina e diminui a biodisponibilidade do cálcio, que é importante para diversos processos fisiológicos no organismo humano (BENEVIDES et al, p. 74, 2011). Aproximadamente 75% de todos os cálculos renais ou hiperoxalúria são causados pelo excesso de oxalato de cálcio formado no organismo (CHAI; LIEBMAN , p. 3028, 2005).
Alimentos como o morango, espinafre, beterraba, nozes, farelo de trigo, chocolate, chá, café são fontes de oxalato de cálcio (DUNCAN et al, p. 3847, 2002). Em estudo desenvolvido por Massey (p. 1193, 2007), na investigação deste antinutrientes em alimentos, apontou o espinafre cru como o alimento mais rico em oxalato, variando entre 400-900 mg/100g, e a carambola foi a fruta apontada para ser consumida com restrição por pacientes renais, visto que a mesma contém alto teor de oxalato que varia de 180-730 mg/100g.
Com relação à atividade hemaglutinante, os extratos das farinhas do resíduo do morango e cupuaçu não promoveram a hemaglutinação de eritrócitos do sangue humano tipo A- em nenhuma diluição, nas três repetições, como pode-se observar na Figura 01 no teste realizado com o lote 01 dos resíduos. Pode-se inferir que o processo de desidratação com a utilização de temperatura, pode ter diminuído significativamente a ação das hemaglutininas, que são sensíveis ao calor.
As hemaglutininas são antinutrientes que interagem com a mucosa intestinal, causando inflamação e interferindo na absorção de nutrientes por lesão da mucosa. No tecido hepático, pode levar a lipidose hepática e necrose (DEL-VECHIO et al, p.370, 2005). Elas são estáveis contra a ação de um grande número de enzimas proteolíticas, mas são lábeis ao calor, tendo sua ação específica destruída pelo cozimento (JAFFÉ, p. 70, 1980). Em trabalho realizado com farinha de sementes de abóbora a atividade hemaglutinante foi positiva apenas para farinhas obtidas das sementes cruas, sendo observada redução deste fator antinutricional nas farinhas procedentes de sementes cozidas (DEL-VECHIO et al, p.372, 2005).
CP: Cupuaçu; MO: Morango; Nd: Não detectado.Médias seguidas de letras diferentes diferem estatisticamente (p<0,05) pelo teste de Tukey.
Teste de Hemaglutinina com extrato das farinhas de resíduo de morango (A) e cupuaçu (B), Lote 01.
Conclusões
As farinhas são uma boa forma de acrescentar fibras, e compostos antioxidantes a dieta, além de ser uma maneira adequada de reaproveitamento que agrega valor aos resíduos da indústria de processamento de frutas. A partir do estudo desenvolvido, constatou-se que a farinha produzida a partir do resíduo do processamento de cupuaçu não apresenta teor de oxalatos, nem atividade hemaglutinante, podendo assim ser inseridos na dieta convencional. Na farinha de resíduos de morango também foi constatada ausência de atividade hemaglutinante, porém verificou-se presença de oxalatos, sendo assim, pessoas com complicações renais, ou que apresentem tendência à formação de cálculos, deve consumir com cautela o morango, bem como as farinhas de resíduos desta fruta.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
Referências
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