A Química como chave de leitura para Marcovaldo, de Italo Calvino

ISBN 978-85-85905-10-1

Área

Ensino de Química

Autores

Arauz, V. (COLUN/UFMA) ; Vasconcelos, C.M.S. (COLUN/UFMA) ; de Lima, R.B. (DEQUI/UFMA)

Resumo

Este trabalho é o relato de uma experiência desenvolvida em duas turmas de 3º ano do Ensino Médio no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Maranhão (COLUN/UFMA). Tomando por base a leitura de dois contos do livro Marcovaldo ou as estações na cidade, de Italo Calvino, foram apresentados aos alunos a composição química de compostos orgânicos e inorgânicos presentes nas narrativas, de modo a acrescentar possibilidades de leitura e análise dos textos. A associação entre o texto ficcional e sua ancoragem no mundo real por meio do conhecimento químico aplicado promoveu maior interesse por parte dos alunos em ambas as disciplinas – Química e Língua Portuguesa -, por meio da atribuição maior de sentido ao uso dos conhecimentos abordados em sala de aula.

Palavras chaves

Ensino de Química; Literatura Contemporânea; Italo Calvino

Introdução

Este trabalho é parte do Projeto de Pesquisa “Entretecidos: ciência e literatura”, desenvolvido no colégio de aplicação da UFMA. O projeto surgiu da necessidade de que sejam trabalhados textos diferentes daqueles impostos pelo currículo de Língua Portuguesa, organizados por “escolas literárias”, e tem como proposta integrar o conhecimento científico à leitura dos textos literários que trazem a ciência como motivação ou tema. O estranhamento causado pela aproximação de áreas aparentemente diversas como a Química e a Literatura pode, desse modo, ser superado ao se apresentarem pontos de diálogo entre a narrativa/poesia e o discurso científico. Essa aproximação toma como embasamento a teoria dos mundos ficcionais, amplamente discutida por Umberto Eco, que adota como ponto de análise o fato de que os mundos criados pelo discurso literário dialogam com o mundo referencial do leitor em uma perspectiva de “...combinar coisas novas, partindo do já conhecido” (ECO, 1986, p.129). Também servem como suporte os conceitos de dialogismo e polifonia de Mikhail Bakhtin (1997), que levam ao trabalho com a intertextualidade e a transdisciplinaridade, esta incentivada pelos PCNs. É válido, ainda, para o aluno perceber uma maior aplicabilidade dos conceitos aprendidos nas aulas de Química em situações propostas nas narrativas, muitas delas com associações ao mundo real e o modo como o conhecimento específico da disciplina pode ampliar seus horizontes de leitura (ARAUZ, 2003; MATA, 2006). Isso estimula o aprendizado de conceitos e contribui para o Ensino de Química, principalmente para alunos que serão submetidos a exames que, frequentemente, exploram o conhecimento das ciências da natureza por meio de citações a músicas, poemas, ou mesmo fragmentos de narrativas (PORTO, 2000).

Material e métodos

Na experiência descrita, a relação entre Química e Literatura foi abordada por meio de uma sequência didática aplicada em duas turmas do 3º ano EM do Colun/UFMA, e contou com a participação de 70 alunos. A atividade envolveu a leitura de dois contos, “Fumaça, vento e bolhas de sabão” e “Onde o rio é mais azul”, do livro Marcovaldo ou as estações na cidade (CALVINO, 1994) e o trabalho com os compostos orgânicos e inorgânicos citados nas narrativas. Também foi abordada a discussão sobre os impactos ambientais e à saúde provocados pela presença dessas substâncias no cotidiano das cidades. Os contos apresentam o protagonista, Marcovaldo, em situações nas quais se depara com a influência da Química em sua vida. No primeiro, o personagem, amante da natureza em seu estado bruto, vê-se em problemas quando amostras grátis de sabão em pó são descartadas em um rio, provocando terror e fascínio na população, que vê as ruas tomadas por bolhas de sabão. No segundo, ele é aterrorizado pela informação de que não existem mais alimentos frescos e livres de aditivos químicos à disposição para compra no mercado. Diante disso, resolve ir ao rio em busca de peixes frescos, mas descobre que a cor azul da água se deve aos dejetos de uma fábrica de tintas nas proximidades e, portanto, todo o alimento que leva para casa está contaminado. Tendo como mote os dois textos, os alunos foram estimulados a encontrar neles todos os termos relacionados à química e reconhecer sua composição. No caso dos compostos orgânicos, foi-lhes pedido que apresentassem sua estrutura, já estudada nas aulas de química. De posse dessa informação, os alunos puderam associar a composição química dos elementos citados com a sua capacidade de, caso mal utilizados, prejudicar a natureza ou a saúde humana.

Resultado e discussão

Em ambas as turmas, os alunos puderam reconhecer vários dos vocábulos presentes relacionados à Química. A sua curiosidade foi motivada pelas situações cômicas presentes nas narrativas e, após a aula expositiva de Química, em que puderam rever os conceitos apresentados, referiram ter tido a capacidade de atribuir mais sentido, tanto às narrativas quanto ao conhecimento que envolvia a Química. Para os professores envolvidos também foi uma oportunidade de pesquisar a aplicabilidade dos conceitos trabalhados em sala e também diversas “curiosidades” que envolvem o uso da química, tais como: a diferença entre sabão em barra e sabão em pó, como seria possível a associação entre fuligem e bolhas de sabão, o modo como são utilizados conservantes nos alimentos, entre outros.

Conclusões

Tanto para a professora de Literatura, quanto para os professores de Química, esta foi uma atividade empolgante e desafiadora. Os relatos dos alunos, proferidos após as aulas, mencionam a sua surpresa ao encontrar relação em matérias que para eles eram díspares e a descoberta de um modo mais instigante de estudar a Química. Tomando-se o conceito de leitura como uma maneira de atribuir múltiplos significados aos textos literários, conclui-se que essas aulas serviram para aprimorar os conhecimentos dos alunos quanto à Química e ampliar exponencialmente sua capacidade de leitura de um texto ficci

Agradecimentos

À FAPEMA - Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico do Maranhão; Ao CNPq; e ao Colégio Universitário/UFMA

Referências

ARAUZ, V. Lentes de Palomar: o olhar e o leitor no texto de Italo Calvino. 2003. 129f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
CALVINO, I. Marcovaldo ou as estações na cidade. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
ECO, U. Lector in fabula: a cooperação interpretativa nos textos narrativos. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Estudos)
MATA, R. Química y literatura. Boletín, v. IX, México, 227-236, 2006.
PORTO, P. A. Augusto dos Anjos: Ciência e poesia. Química Nova na Escola. No 11, 30-34, mai, 2000.

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