ISBN 978-85-85905-10-1
Área
Química Orgânica
Autores
de Queiroz, D.M.A. (UFPE) ; Castro, M.V.S. (UFPE) ; Moreira, D.R.M. (FIOCRUZ-BA) ; Soares, M.B.P. (FIOCROZ-BA) ; dos Santos Filho, J.M. (UFPE)
Resumo
N-acil-hidrazonas constituem uma importante classe de compostos com amplo espectro de atividades biológicas, incluindo atividade antiparasitária. Derivados N- acil-hidrazona associados a heterociclos têm sido estudados frente ao Tripanossoma cruzi, exibindo inibição significativa do parasita, inclusive por via oral, conforme reportado em nosso grupo. Resolveu-se aplicar a estratégia de simplificação molecular no planejamento e obtenção de novos compostos antichagásicos. Sendo o grupo ferroceno um complexo metálico que tem merecido especial atenção em estudos farmacológicos, novos derivados ferrocenil- N-acil- hidrazona foram planejados e sua síntese requereu o desenvolvimento de uma nova metodologia de síntese, a qual se mostrou revolucionária na obtenção estereosseletiva de hidrazonas.
Palavras chaves
N-acil-hidrazona; ferroceno; atividade tripanocida
Introdução
A doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanossoma cruzi, constitui um grave problema de saúde pública nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento da América Latina. Embora profundamente conhecida há mais de 100 anos, a doença de Chagas não possui tratamento eficiente, sendo registrados cerca de 200.000 novos casos anualmente e mais de 21.000 óbitos relacionados a complicações oriundas dessa infecção parasitária[1]. Uma grande variedade de substâncias incorporando em sua estrutura a porção N- acil-hidrazona tem sido amplamente estudada, especialmente após evidências experimentais mostrarem que esse grupo é o farmacóforo responsável pelos bons resultados de atividade antichagásica. Um dos resultados mais expressivos foi obtido em nosso grupo, ao se identificarem derivados 1,2,4-oxadiazol-N-acil- hidrazônicos com excelente atividade em concentrações não-citotóxicas[2]. Com base nesses estudos, compostos análogos foram sintetizados e testados como potenciais agentes anti-T. cruzi, levando à otimização de uma nova série ativa in vivo nos estágios avançados do ciclo de vida do parasita[3]. Aplicando-se a estratégia de simplificação molecular, uma nova série de N-acil- hidrazonas foi planejada, eliminando-se o anel 1,2,4-oxadiazol e, consequentemente, simplificando-se a rota sintética. Como parte do planejamento molecular, a porção ferrocenil foi incorporada à estrutura dos novos compostos. O grupo ferrocenil, um organometálico estável, neutro e não-tóxico, origina compostos com atividades citotóxica, antimalárica, antifúngica, antitoxiplasmática, entre outras[4]. Uma nova proposta de síntese e estudos farmacológicos foi empreendida com o intuito de introduzir uma estratégia inovadora no tratamento doenças infecciosas, tais como a doença de Chagas.
Material e métodos
Todos os produtos foram caracterizados por infravermelho (IV) em aparelho Bruker Tensor27. Análises de ressonância magnética de próton (1H-RMN) foram realizadas a 300 e 400 MHz. Os espectrogramas de massa (MS) foram obtidos em equipamento acoplado a espectrógrafo a gás (GC) da Shimadzu. Análises de LCMS (cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas) foram feitas em LCMS-IP-TOF da Shimadzu. Os pontos de fusão foram determinados em fusiômetro digital, sendo a faixa de variação de ±2 °C. Os ésteres metílicos 1a-r foram sintetizados a partir dos ácidos comerciais por esterificação de Fischer ácido-catalisada em metanol. As metodologias de esterificação e purificação foram otimizadas em alguns casos para melhorar os rendimentos. Todos os compostos foram caracterizados por técnicas espectroscópicas e comparados com os dados das literatura. As aril-hidrazidas 2a-r, compostos-chave para a obtenção da série ferrocenil N- acil-hidrazona, foram obtidas por reação dos ésteres correspondentes com hidrazina hidrato a 55% sob refluxo em metanol e posterior cristalização em solventes apropriados. Os rendimentos variaram entre 80 a 95%. Compostos não descritos na leteratura foram caracterizados por técnicas de IV, 1H RMN e MS. Os derivados ferrocenil N-acil-hidrazona 3a-r, foram sintetizados a temperatura ambiente pela reação das aril-hidrazidas 2a-r com ferrocenocarbaldeído na presença de 1% mol de CeCl3∙7H2O como catalisador. O tempo reacional variou entre 1 e 10 minutos, podendo os produtos ser obtidos puros por simples filtração após sua precipitação no meio reacional. Todos os compostos originais foram caracterizados por técnicas espectroscópicas e pela determinação de suas propriedades físicas.
Resultado e discussão
A estratégia de planejamento dos derivados N-acil-hidrazona descritos neste
trabalho teve como fundamento a simplificação estrutural de compostos correlatos
contendo o anel 1,2,4-oxadiazol. A Figura 1 mostra a abordagem de planejamento.
Seguindo-se a rota de síntese da Figura 2, os produtos planejados foram
obtidos em apenas 4 etapas reacionais com bom rendimento global.
Os ésteres 1a-r foram obtidos com redimentos de 85-97% e suas propriedades
físicas se mostraram de acordo com a literatura. A síntese das aril-hidrazidas
2a-r foi feita por reação direta dos ésteres com hidrazina hidrato a 85 °C por
17 horas em etanol/água 1:2, com rendimentos de 80-95%.
A metodologia de obtenção dos derivados ferrocenil N-acil-hidrazona 3a-r por
reação das aril-hidrazidas 2a-r com ferrocenaldeído (FcCHO) em etanol,
catalisada por ácido sulfúrico, conforme descrito na literatura, levou a
misturas de complexa de difícil isolamento. Diante desse problema, iniciaram-se
estudos para se introduzir uma nova metodologia de síntese para os compostos-
alvo. Cloreto de cério hepta-hidratado foi usado como catalisador, permitindo
acesso às hidrazonas descritas nesse trabalho, sendo a metodologia desenvolvida
de aplicação geral, altamente eficiente, estereosseletiva e verde, compatível
com uma ampla gama de substratos. Os estudos envolvendo CeCl3 na síntese de N-
acil-hidrazonas foram recentemente publicados[5a,b] e constituem um avanço
significativo para a química dessa classe de compostos, os quais desempenham
papel importante na Química Medicinal e na Síntese Orgânica.
A série 3a-r foram obtidos em condições extremamente brandas, com rendimentos de
90-95% e alto grau de pureza, sendo submetida a testes de atividade
antiparasitária com resultados preliminares bastante promissores.
Fig. 1. Estratégia de simplificação molecular.
Fig. 2. Rota sintética dos derivados ferrocenil N- acil-hidrazona (3a-r).
Conclusões
A obtenção da série ferrocenil N-acil-hidrazona 3a-r configurou-se num desafio sintético, uma vez que dados descritos na literatura se mostraram inconsistentes. A fim de contornar essa dificuldade, uma nova metodologia sintética foi desenvolvida em nosso grupo, empregando CeCl3 como catalisador de alta eficiência. Os novos produtos encontram-se sob estudo de suas propriedades farmacológicas frente ao parasita T. cruzi e a introdução de novos substituintes no anel fenílico bem como variações mais complexas na sua natureza devem ser avaliada em função dos resultados preliminares observados.
Agradecimentos
Os autores são gratos à equipe da Central Analítica do Departamento de Química Fundamental da UFPE pelas análises espectroscópicas.
Referências
[1] Padmini et al., Int. J. Pharma Res. Rev., 2013; 2(8),43-58.
[2] dos Santos Filho et al. Bioorg. Med. Chem., 2009, 17, 6682-6691.
[3] dos Santos Filho et al., Bioorg. Med. Chem. 2012, 20, 6423-6433.
[4] Ornelas, C., New J. Chem., 2011, 35, 1973–1985.
[5] a) dos Santos Filho, J. M. e Pinheiro, S. M., 15th Tetrahedron Symposium, London, June 24-27, 2014; b) dos Santos Filho, J. M., Eur. J. Org. Chem. , artigo aceito em 15.07.2014.