ÁREA: Química Orgânica
TÍTULO: Em busca do Graal: Síntese de derivados ferrocenyl N-acil-hidrazona para estudos de atividade antitripanocida
AUTORES: da Silva, G.A. (UFPE) ; de Almeida, Y.M.B. (UFPE) ; dos Santos Filho, J.M. (UFPE)
RESUMO: Ferrocenil N-acil-hidrazonas constituem uma interessante classe de compostos na busca por novos agentes terapêuticos para o tratamento da doença de Chagas, uma vez que sua estrutura exibe a porção acil-hidrazona, reconhecidamente importante para atividade antichagásica, e o grupo ferroceno, um complexo metálico que tem merecido especial atenção em estudos farmacológicos. Iniciou-se uma série de estudos com o intuito de identificar novas substâncias ativas contra o Tripanossoma cruzi com base numa estratégia de síntese envolvendo poucas etapas e aplicando substratos de baixo custo. Como na aventura mítica do Santo Graal, almeja-se nesses estudos desvelar uma nova realidade para a terapia dessa doença que há mais de 100 anos se mantém um problema e um desafio tão grave quanto instigante.
PALAVRAS CHAVES: N-acil-hidrazona; ferroceno; atividade antitripanocida
INTRODUÇÃO: A doença de Chagas, causada pelo parasita Tripanossoma cruzi, constitui-se num grave problema de saúde pública nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento da América Latina. Embora profundamente conhecida há mais de 100 anos, ela não possui tratamento eficiente, sendo registrados cerca de 200.000 novos casos anualmente e mais de 21.000 óbitos relacionados a essa infecção parasitária[1].
Uma grande variedade de substâncias incorporando em sua estrutura a porção N-acil-hidrazona tem sido amplamente estudada, especialmente após evidências experimentais mostrarem que esse grupo é o farmacóforo associado aos bons resultados de atividade antichagásica. Um dos resultados mais expressivos foi obtido em nosso grupo, ao se identificarem derivados 1,2,4-oxadiazol-N-acil-hidrazônicos com excelente atividade em concentrações não-citotóxicas[2]. Com base nesses estudos, compostos análogos foram sintetizados e testados como potenciais agentes anti-T. cruzi, levando à otimização de uma nova série ativa in vivo nos estágios avançados do ciclo de vida do parasita[3].
Decidiu-se então investigar a atividade antichagásica de moléculas mais simples contendo a porção N-acil-hidrazona e obtidas em poucas etapas de síntese. Dentre os possíveis grupos substituintes de interesse emergiu o ferroceno, um organometálico estável e não-tóxico, presente em muitos compostos bioativos. Até o momento, nenhum estudo envolvendo a doença de Chagas foi descrito, levando a uma proposta de síntese e estudos farmacológicos voltada a introduzir um novo avanço no tratamento da doença de Chagas e estabelecer novas moléculas-protótipo para estudos futuros, fomentando assim avanços nessa jornada centenária cujo destino final pode representar o alívio do sofrimento para milhões em todo o mundo.
MATERIAL E MÉTODOS: Todos os produtos foram caracterizados por infravermelho (IV) em aparelho Perkin Elmer. Análises de ressonância magnética de próton (1H-RMN) foram realizadas a 300 MHz. Os espectrogramas de massa (MS) foram obtidos em equipamento acoplado a espectrógrafo a gás (GC) da Shimadzu. Análises de LCMS (cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas) foram feitas em LCMS-IP-TOF da Shimadzu. Os pontos de fusão foram tomados em aparelho Quimis. Os derivados líquidos foram destilados em aparelho kugelrohr sob pressão reduzida.
Os ésteres metílicos 1a-j foram sintetizados a partir dos ácidos comerciais por esterificação de Fischer ácido-catalisada em metanol. As metodologias de esterificação e purificação foram otimizadas em alguns casos para melhorar os rendimentos.
As aril-hidrazidas 2a-j, compostos-chave para a obtenção da série ferrocenil N-acil-hidrazona, foram obtidas por reação dos ésteres correspondentes com hidrazina hidrato a 55% sob refluxo em metanol e posterior cristalização em solventes apropriados.
Os derivados ferrocenil N-acil-hidrazona 3a-j, primeiros membros de uma biblioteca de compostos mais ampla, foram convenientemente sintetizados a temperatura ambiente pela reação das aril-hidrazidas 2a-j com ferrocenaldeído na presença de ácido sulfúrico. O tempo reacional variou entre 10 e 60 minutos, podendo os produtos ser obtidos puros por simples filtração após sua precipitação no meio.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Seguindo a rota de síntese da Figura 1, os produtos planejados foram obtidos em apenas 3 etapas reacionais com bom rendimento global.
Os ésteres 1a-j foram obtidos com redimentos de 85-97% após purificação por cristalização ou destilação sob pressão reduzida em kugelrohr e suas propriedades físicas se mostraram de acordo com a literatura. A síntese das aril-hidrazidas 2a-j foi feita por reação direta dos ésteres com hidrazina hidrato a 85 °C por 17 horas em etanol/água 1:2, com exceção de 2j que foi obtido a temperatura ambiente após 4 horas. Os rendimentos das aril-hidrazidas variaram de 70-95 após recristalização em solvente apropriado.
Os compostos-alvo desse trabalho, os derivados ferroceno N-acil-hidrazona 3a-j, foram obtidos por reação das aril-hidrazidas 2a-j com ferrocenaldeído (FcAHO) em etanol sob catálise ácida promovida por ácido sulfúrico concentrado a temperatura ambiente. O tempo reacional variou entre 10 e 60 minutos, sendo a evolução da reação observada pela precipitação dos produtos no meio reacional e sua conclusão determinada por cromatografia em camada fina. Após filtração, os produtos sólidos vermelhos foram obtidos com rendimentos de 90-95% e alto grau de pureza comprovada por técnicas espectroscópicas. Monocristais dos produtos inéditos foram obtidos por cristalização lenta em etanol e enviados para determinação de sua estrutura cristalográfica.
Uma vez obtidos os dez compostos da série 3a-j, os mesmos foram submetidos aos testes de atividade antitripanocida preliminares, a fim de se direcionar as próximas etapas dos estudos, ampliando-se a biblioteca de compostos disponíveis.
Fig. 1. Rota sintética dos derivados ferrocenil N-acil-hidrazona 3a-j
CONCLUSÕES: A obtenção da série ferroceno N-acil-hidrazona 3a-j foi concluída com sucesso e dentro da perspectiva planejada de se utilizar reações simples e com bons rendimentos para garantir compostos estáveis e em quantidades adequadas para os testes de atividade antichagásica. Os produtos obtidos encontram-se sob estudo de suas propriedades farmacológicas frente ao parasita T. cruzi e a introdução de novos substituintes no anel fenílico bem como variações mais complexas na sua natureza devem ser avaliadas em função dos resultados preliminares observados.
AGRADECIMENTOS: Os autores são gratos à equipe da Central Analítica do Departamento de Química Fundamental da UFPE pelas análises espectroscópicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: [1] da Silva et al., Rev. Virtual Quim., 2012, 4 (1), 46-72.
[2] dos Santos Filho et al. Bioorg. Med. Chem., 2009, 17, 6682-6691.
[3] dos Santos Filho et al., artigo submetido.