ÁREA: Química Analítica
TÍTULO: Avaliação da exposição ocupacional a arsênio em trabalhadores de tratamento de resíduos perigosos em Mauá, São Paulo
AUTORES: PAVESI, T. (ENSP / FIOCR) ; SAGGIORO, E. M. (ENSP / FIOCR) ; DA SILVA, C. S. (FUNDACENTRO)
RESUMO: Trabalhadores da área de incineração e tratamento de resíduos químicos perigosos ou também resíduos de serviços de saúde (RSS) podem estar expostos a compostos de arsênio em virtude da larga aplicação deste elemento em diversos materiais, inclusive fármacos. O As inorgânico é altamente tóxico e reconhecidamente carcinogênico. Por estas razões este estudo avaliou trabalhadores de uma usina de tratamento de RSS e resíduos perigosos em Mauá, grande São Paulo, para o qual também eram encaminhados os RSS daquela capital. O resultado da avaliação de As como indicador biológico mostra que trabalhadores das diversas áreas da empresa, inclusive externos à incineração estavam expostos a As apresentando níveis acima do valor de referência.
PALAVRAS CHAVES: arsênio, urina, incineração
INTRODUÇÃO: O As tem vasta aplicação, na tecnologia, agricultura e inclusive fármaco. Na natureza é presente principalmente na flora (algas) e fauna marinhas. Existe em diversas de formas químicas. A toxicidade do As é resultado principalmente de sua forma química, em função da qual interage com sistemas enzimáticos. Em águas naturais ocorre como As(III) (arsenito), As(V) (arseniato), íon monometilarsônico (MMA) e íon dimetilarsínico (DMA). Frutos do mar apresentam a arsenobetaina e arsenocolina, formas relativamente não tóxicas. A ordem decrescente de toxicidade das espécies é: arsina > arsenito > arseniato > ácidos alquil-arsênicos > compostos de arsônio > As elementar (ANDERSON et al, 1986; BURGUERA et al., 1991). Sais inorgânicos de As são altamente tóxicos, levando a sintomas gastrintestinais, cardiovasculares, danos aos rins e disfunções do sistema nervoso (CHEN et al., 2004), são reconhecidos pela ACGIH e IARC como carcinogênico confirmado para o homem. A exposição ocupacional por inalação é associada a câncer de pulmão. Trabalhadores da incineração de resíduos são expostos a materiais tóxicos, incluindo As (CHEN et al., 2004; ALVIN-FERRAZ e AFONSO, 2003). Entretanto, não se dispõe ainda na literatura de dados específicos de níveis de As urinário para estes trabalhadores no Brasil.
Neste trabalho foram determinados os níveis urinários de As toxicamente relevante: As inorgânico, As(III), As(V) e metabólitos: MMA e o DMA, com finalidade de avaliar exposição ocupacional. As formas não tóxicas de As, ingeridas na dieta não interferem, pois não são determinadas pelo procedimento escolhido (GUO et al., 1997; WIETESKA et al. 2003). Foram avaliados trabalhadores de usina de resíduos de serviços de saúde e resíduos perigosos em Mauá, grande São Paulo.
MATERIAL E MÉTODOS: A usina estudada, localizada em Mauá, distrito industrial de São Paulo, era uma das empresas contratadas pela prefeitura de São Paulo, entre outros municípios, para tratamento e destinação de RSS. Constituída por 2 autoclaves e 2 fornos de incineração de leito fixo, alimentação de batelada semi-automática e limpeza manual, operou os fornos em turnos de 8h/dia, 5 dias/semana, queimando também resíduos industriais e resíduos perigosos.
Os trabalhadores foram divididos em 3 grupos conforme os lugares de trabalho: trabalhadores da área de incineração (AI, n=7), autoclave (AC, n=4) e trabalhadores da área de manutenção e administração (AM, n=4). Para cada trabalhador foram realizadas 2 sequências de coleta de urina, por 5 dias de trabalho consecutivos cada uma, sendo coletadas amostras antes e depois da jornada de trabalho (n=300).
As quantificações analíticas foram feitas por espectrometria de absorção atômica em equipamento Analyst AA800, marca Perkin Elmer. Foram determinadas concentrações de As inorgânico e seus metabólitos MMA e DMA através da geração de hidretos, empregando-se borohidreto de sódio como redutor com injeção em fluxo, após pré-redução da amostra com L-cisteina em meio ácido (GUOet al., 1997). As concentrações foram expressas em função da creatinina urinária determinada através de kit (marca Labteste) de reativos por método espectrofotométrico (PAVESI, 2004). Os trabalhadores foram entrevistados quanto a diversos fatores incluindo alimentação.
O estudo, foi aprovado pelo Comitê de ética da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, (protocolo CEP n.34/2004).
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Os resultados obtidos foram comparados entre os grupos considerados e com os limites da legislação brasileira (valor de referência, VR = 10 mg/g de creatinina e os índices biológicos máximos permitidos, IBMP = 50 mg/g creatinina) (MTE, 1994), e valores estabelecidos pela ACGIH (Índice biológico de exposição, BEI = 35 mg/g de creatinina, 35 mg/L) (ACGIH, 2003). O VR é estabelecido para a população em geral, não exposta ocupacionalmente. Não houve nenhuma amostra individual com valor acima de valor IBMP.
Para os trabalhadores do grupo AI, na 1ª sequência de coletas, 45% das amostras apresentaram valores acima do VR, sendo que destas, 2% superou o BEI. Na segunda sequência coletas, 78% das amostras estavam acima do VR, das quais 10% excediam também o valor do BEI, veja Figura 1.
Os trabalhadores do grupo AC apresentaram na 1ª e 2ª sequência de coletas, respectivamente: 63% e 93% das amostras acima do VR.
Para o grupo de trabalhadores AM na 1ª e 2ª sequência de coletas, respectivamente 41% e 58% das amostras estavam acima do VR.
Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos AI, AC e AM na 2ª sequências, veja Figura 2. Note-se que os trabalhadores do grupo AC apresentam maior proporção de amostras que excedem o VR que os trabalhadores no grupo AI. Um fator importante a ser considerado para este resultado inesperado é a alta umidade na área da autoclave, o que pode facilitar a absorção dos compostos de arsênio solúveis. Além disso, a proporção de amostras acima do VR para trabalhadores externos à incineração (AC e AM) também indica que o ambiente é exposto a emissões de arsênio, provavelmente devido a falhas no tratamento de efluentes gasosos.
CONCLUSÕES: Ainda que todas as médias de As urinário em ambas as coletas estiveram abaixo do IBMP, concluímos que todos os trabalhadores da empresa sofrem exposição crônica ao As, mesmo aqueles externos à área de incineração. Esta exposição é caraterizada pelo predomínio de valores superiores ao VR. Sendo o As um agente reconhecidamente carcinogênico, tornam-se necessárias prontas intervenções. Foi indicado manutenção urgente dos sistemas de tratamento de efluentes gasosos, dos equipamentos de proteção coletiva e equipamentos de proteção individual mais adequados. São necessários mais dados ambientais.
AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem à FAPESP pelo financiamento do projeto Fapesp n. 1/00475-1.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: ACGIH. American Conference of Governmental Industrial Hygienists. Threshold Limit Values (TLVs) for Chemical Substances and Physical Agents Biological Exposure Indices. Cincinnati, OH. 2003.
ANDERSON, R.K.; THOMPSON, M.; CULBARD, E.; Analyst 111 (1986) 1143.
ALVIN-FERRAZ, M.M.; AFONSO, S.A.V.; Environmental Science Technology, 37 (2003) 3152-3157.
BURGUERA, M.; BURGUERA, J. L.; BRUNETTO, M. R.; DE LAGUARDIA, M.; SALVADOR, A.; Anal. Chim. Acta , 261 (1991) 105.
CHEN, S.; HUNG, K.; HWANG, W.; Chemosphere, 55 (2004) 1197-1205
GUO, T.; TSALEV, D.L. BAASNER, J.; Analytica Chimica Acta, 349 (1997) 313-318.
MTE Ministério do Trabalho. Norma Regulamentadora 7. Portaria n°24 de 29/12/1994.
PAVESI, T.; Avaliação de indicadores biológicos de exposição para As, Be, Cd, Hg, Ni e Pb em trabalhadores de incineradores de resíduos de serviço de saúde; Dissertação de mestrado, IQ USP, São Paulo, 208p, 2006.
WIETESKA, E.; ZIÓLEK, A.; DRZEWINSKA, A.; Chemia Analityczna, 48 (2003) 313-325.