ÁREA: Química Inorgânica
TÍTULO: Preparação, Caracterização e Estudo da Absorção Oral de Complexos de Antimônio (Sb) com Ribose e Maltose
AUTORES: DEMICHELI, C (UFMG) ; FRÉZARD, F (UFMG) ; LIBRELON, B. C. F. (UFMG) ; NETO, R. L. M. (UFMG) ; ALVES, T. M. A. (FIOCRUZ) ; FERREIRA, W. A. (UFMG)
RESUMO: O Brasil é um dos países mais acometidos pelas Leishmanioses. Além de difícil, o tratamento destas patologias é tóxico, e por ser injetável, requer a internação do paciente por um longo período. Assim, o desenvolvimento de fármacos mais seguros e que possam ser utilizados pela via oral é uma questão relevante neste contexto. Com intuito de obter um composto que atenda estas expectativas, nosso grupo de pesquisa utilizou a ribose e a maltose, como ligantes para obter complexos de Sb. Os complexos Sb-açúcar foram preparados e caracterizados por análise elementar, absorção atômica (GFAA), análise térmica, espectrometria no IV e de massas. Os testes in vivo mostraram que os ligantes usados (açúcares) não ajudaram a aumentar concentração sérica deste metal após sua administração oral.
PALAVRAS CHAVES: antimonial, absorção oral
INTRODUÇÃO: A leishmaniose é uma doença parasitária causada por protozoários do gênero Leishmania e afeta a homens e animais (OMS, 2000). Esta patologia é causa de morbidade e mortalidade, sendo endêmica em 22 países do Novo Mundo e em 66 países do Velho Mundo (DEMICHELI, et al 2004). Os principais casos de leishmaniose visceral ocorrem no Sudão e Índia, já o tipo tegumentar é comumente encontrado no Afeganistão, Síria e Brasil (CROFT, et al 2001). O tratamento das leishmanioses foi introduzido por Gaspar Vianna (1912) com o uso do antimonial tártaro emético, por muitos anos a única arma terapêutica em todo o mundo (NEVES, et al 2005). Ele verificou a eficácia dos complexos de SbIII no tratamento das leishmanioses muco-cutâneo. Entretanto, o uso clínico deste composto foi interrompido por causa dos seus severos efeitos colaterais e da descoberta de fármacos menos tóxicos. A partir de 1940, complexos de SbV começaram a ser utilizados na terapêutica das leishmanioses (FRÉZARD, et al 2005). Atualmente, a droga de primeira escolha no tratamento destas é o complexo de SbV com o N-metil-glucamina (AM - Antimonato de Meglumina), mas seu uso clínico demonstra muitas limitações (BERMAN, 1997). Os antimoniais pentavalentes são administrados por via parenteral, diariamente por 4 semanas. A terapia é precedida de dor local durante as injeções intramusculares e efeitos colaterais, o que requer supervisão médica. Considerando essas limitações, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado a pesquisa de medicamentos mais seguros e a busca de vias de administração alternativas, como a oral (RATH, et al 2003). Com intuito de obter um composto que atenda a estas expectativas, nosso grupo de pesquisa utilizou dois açúcares, a ribose e a maltose, como ligantes para obter complexos de Sb(V).
MATERIAL E MÉTODOS: Preparação e caracterização de complexos de Sb com ribose e maltose:
Esses complexos foram obtidos em meio aquoso (60º C), através de uma reação equimolar (0,15 M) entre o KSb(OH)6 e o açúcar. Após a solubilização dos reagentes, o pH da solução foi ajustado para 7,0 (HCl/KOH) e ela foi submetida à agitação durante 3h. Depois de resfriar, adicionou-se três partes de acetona para formar um precipitado. O precipitado obtido foi seco em pistola de vácuo e caracterizado por:
- % de C, H, N: analisador Perkin Elmer modelo PE2400
- espectrometria de absorção atômica: equipamento Perkin Elmer AAnalyst 600 (GFAA)
- análise térmica (TG/DTG/DTA): equipamento NETZSCH-Geratebau GmbH Thermal Analysis
- espectrometria no infravermelho: equipamento Perkin Elmer FT-IR System Spectrum GX
- espectrometria de massas: equipamento Waters/Micromass QToF-2 (Centro de Pesquisas René Rachou-Fiocruz), com fonte Z-spray operando nos modos + e -
Estudo de absorção de Sb por via oral em camundongos Swiss:
Camundongos Swiss, pesando entre 20-30 g, foram divididos em grupos de 5 animais e receberam por gavagem 0,7 M Sb, proveniente das formulações do AM e do Sb/açúcar.
Os animais foram sacrificados nos tempos de 1 e 3 h e o sangue coletado por punção cardíaca (Procedimento aprovado pelo Comitê de Ética e Experimentação Animal da UFMG, Protocolo 004/2003). O soro foi isolado e congelado (-20ºC). O AM foi utilizado como fármaco controle neste estudo (DEMICHELI, FRÉZARD, 2001).
Determinação da conc. de Sb no soro dos camundongos Swiss:
As amostras de soro foram diluídas sessenta vezes em ácido nítrico 0,2% e avaliadas por absorção atômica em forno de grafite. Foram utilizados Pd e Mg como modificadores de matriz. Não foi necessário fazer a digestão das amostras para realizar as leituras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: As análises elementares (%C,H) dos complexos Sb-açúcar forneceram valores que estão de acordo com a formação de estruturas com um átomo de Sb para um ligante (1:1). Os ensaios no equipamento de absorção atômica mostraram que o teor de Sb/peso no AM sintetizado foi de 28,0% (T: 29,0%), no complexo Sb-ribose foi de 28,0 % (T: 31,0%) e no complexo Sb-maltose foi de 20,0% (T: 20,7%). Após determinar a porcentagem de Sb presente nas formulações, calculou-se a massa que seria utilizada no experimento in vivo.
De acordo com a análise térmica (TG/DTG), os complexos Sb-ribose e Sb-maltose apresentaram um alto teor de resíduo, 56,9 % e 38,4 %, que foi atribuído ao KSbO3 não volátil. Em relação aos espectros dos ligantes, os espectros de absorção no IV dos complexos Sb-açúcar mostraram alterações nas bandas de deformação axial de C-O (1200-950 cm-1) e de deformações angulares de OH (1490,9-1261,5 cm-1), sugerindo que o Sb coordenou nas hidroxilas.
O principal íon identificado no espectro ESI(+)-MS do complexo Sb-ribose foi o m/z 397, correspondente a um complexo Sb-ligante 1:1. Também foram encontradas picos que indicam a presença de complexos Sb-ligante 1:2, 2:2 e 2:3. No espectro ESI(-)-MS deste complexo, o íon m/z 319 foi a espécie mais abundante e também corresponde a um complexo 1:1. Outros picos que indicam a presença de complexos Sb-ligante 1:2 foram encontrados. O principal íon identificado no espectro ESI(-)-MS do complexo Sb-maltose foi o m/z 529 (Fig.1), correspondente a um complexo Sb-ligante 1:1. Não foram verificados sinais deste complexo no espectro ESI(+)-MS.
O estudo de absorção de Sb por via oral em camundongos Swiss (Fig.2) mostrou que os complexos Sb-açúcar atingiram níveis séricos de Sb semelhantes ao do fármaco referência (AM) (P>0,05, one-way ANOVA)
CONCLUSÕES: A metodologia utilizada permitiu a obtenção de complexos Sb-açúcar 1:1. No complexo Sb-ribose, o estudo feito por espectrometria de massas revelou outras relações Sb-ligante (1:2, 2:2 e 2:3). Os testes in vivo demonstraram que a natureza química dos ligantes utilizados (açúcares) não ajudou a aumentar concentração sérica do Sb após sua administração por via oral. Estes estudos são promissores para nortear o desenvolvimento de medicamentos leishmanicidas que sejam ativos por via oral. Outros complexos de Sb com diferentes ligantes serão testados em busca de resultados mais promissores.
AGRADECIMENTOS: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo suporte financeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: BERMAN, J. D.; Human leishmaniasis: clinical, diagnostic, and chemotherapeutic developments in the last 10 years Clin. Infect. Dis. 24, 684-703, 1997.
CROFT, Simon L.; SUNDAR, Shyam; FAIRLAMB, Alan H. Drug Resistance in Leishmaniasis Clinical Microbiology Reviews, p. 111-126. Vol. 19, Nº1. Jan. 2006.
DEMICHELI, C.; FRÉZARD, F. 2001. Novo processo para preparação de derivados de antimônio. PI 0106305-7, Pedido de patente depositado no INPI em 2001.
DEMICHELI, C.; FRÉZARD, F. Pentavalent Antimonials: From Chemistry to the Design of New Drugs. Drug Design Reviews - Online, 2005, 2, 243-249. December, 2004.
FRÉZARD, Frédéric; SCHETTINI, Dante A.; ROCHA, Olguita G. F.; DEMICHELI, Cynthia. Lipossomas: propriedades físico-químicas e farmacológicas, aplicações na quimioterapia à base de antimônio. Quim. Nova, Vol. 28, No. 3, 511-518, 2005.
NEVES, David Pereira. Parasitologia humana. 11.ed. Sao Paulo: Atheneu, 2005. 494p.
OMS – Organização Mundial de Saúde. Disponível em: http://www.who.int/csr/resources/publications/CSR-ISR-2000-1leish/em/print.html.
RATH, S.R.; LUCIANO, A.T.; TALITHA, R.I.; DANIELA, M.T.; MARCELO, N.J.; PERCY, C.M.; Antimoniais Empregados no Tratamento da Leishmaniose: Estado da Arte; Quim. Nova, 26, 550-555, 2003.